sábado, 17 de setembro de 2011

Seria prudente ter um lugar para ursinhos nos conselhos?

Lucy Kellaway*

Na semana passada fiz uma palestra para quatro dezenas de colegas mais dois ursos de pelúcia e um coelho com um olho só. O assunto era: Quem lê o Financial Times? E minha tese é que nossos leitores são mais estranhos do que você pode imaginar. Sabemos agora, após a invasão do complexo em que ele morava em Trípoli, que Kadafi era um leitor ávido do suplemento "How to Spend It" do Financial Times. Mas e quanto ao jornal diário?
A julgar pelo meu próprio arquivo de e-mails, o FT é lido regularmente por uma garota de nove anos na Malásia, um jovem da Holanda que recentemente escreveu pedindo para que eu o ajudasse a dar um nome para seu cachorro e um artista idoso que vive em uma casa de repouso no Reino Unido, que me enviou um desenho perturbador que ele fez, ao estilo de Picasso, de uma mulher usando um chapéu.
Enquanto eu falava, meus colegas ouviam educadamente. Isso pode ter acontecido porque eles estavam interessados no que eu estava dizendo. Ou pode ter sido por causa dos brinquedos que estavam na plateia. Eu havia plantado aqueles animais fofinhos entre eles em resposta a uma pesquisa feita por uma especialista em ética da Universidade Harvard, que constatou que as pessoas se comportam melhor quando há ursinhos de pelúcia no ambiente em que elas estão. A presença de um urso aparentemente torna os adultos mais inclinados a se "engajar em comportamentos voltados para o social" - o que imagino ser honesto e educado.
 "Eu havia plantado aqueles
 animais fofinhos entre eles em resposta
a uma pesquisa feita por uma especialista
em ética da Universidade Harvard,
que constatou que as pessoas se comportam melhor
quando há ursinhos de pelúcia
no ambiente em que elas estão."
Diante disso, tal coisa não parece terrivelmente plausível. O único exemplo que me vem à cabeça de um adulto sendo amigo de um urso de pelúcia é o de Lord Sebastian Flyte no romance "Brideshead Revisited". Seu urso, Aloysius, obviamente não encorajava comportamentos voltados para o social: seu dono desaparece, arruinado e alcoólatra, em Fez. Mas como Lord Flyte é uma pessoa inventada por Evelyn Waugh, seu exemplo pode não ser conclusivo.
Sreedhari Desai, a acadêmica que realizou a pesquisa, afirma que os brinquedos nos tornam mais éticos porque os associamos com crianças e com pureza. Até mesmo um pacote de lápis de cor, diz ela, pode nos tornar 20% menos propensos a trapacear. Encher conselhos de administração com brinquedos de nossa infância poderia fazer maravilhas pela ética corporativa. Se ela estiver certa, a trilha sonora no escritório não deveria mais ser música de fundo chata, e sim "The Wheels on the Bus", ou "Heads, Shoulders, Knees and Toes".
Talvez isso não seja uma loucura completa. Asnos são mantidos junto com cavalos de corrida para acalmá-los. E certamente é verdade que a presença de crianças de verdade melhora nosso comportamento. Eu percebi que quando colegas aparecem no trabalho com os filhos, as pessoas não xingam tanto e se interessam pelas crianças, parecendo sensibilizadas e dizendo "ahhhh" com frequência.
Mas levar um bebê de verdade ao trabalho como auxílio ético tem várias desvantagens. Os bebês fazem barulho e distraem a gente, e não é nada maravilhoso para eles participar de longas reuniões o dia todo. Por outro lado, os ursinhos de pelúcia sempre têm um comportamento impecável, uma tolerância elevada ao tédio e representam um modelo excelente a ser seguido.
No entanto, sua influência benéfica durante meu pronunciamento não foi decisiva, uma vez que as pessoas tendem a prestar atenção educadamente de qualquer jeito. Portanto, eu proporcionei aos ursos de pelúcia um segundo teste, mais duro, plantando meus três brinquedos fofos na sala de reuniões de pauta do FT na parte da manhã. Esta pode ser uma ocasião cruel e alimentada pela testosterona, com duas dezenas de jornalistas implacáveis discutindo política e outras coisas, e desse modo eu estava ansiosa para ver se os bichinhos de pelúcia iriam amenizar um pouco as coisas.
Mas os resultados não foram tão promissores. Os jornalistas que chegavam à sala de reuniões olhavam para os ursos com ar suspeito, preferindo se sentar perto do editor, em vez de um ursinho de pelúcia fofo.
A reunião transcorreu conforme o usual, com o único problema surgindo quando um dos participantes começou a imaginar que os ursos poderiam estar escondendo câmeras e chamou a segurança. Depois de recuperar os ursos, eu os posicionei em torno de minha mesa. Um colega que passou por ali me olhou com ar de preocupação e perguntou se tudo estava bem em casa. Outro disse que a criatura com um único olho estava provocando arrepios nele. Portanto, com jornalistas os ursos de pelúcia parecem não ter o tal efeito ético.
No entanto, eu percebi que os brinquedos no trabalho provocam um outro efeito. Conheço um homem que tem um caminhão basculante de brinquedo em sua mesa, com o qual ele brinca quando está ao telefone. Mas se alguém se aproxima e começa a brincar com seu caminhão ele fica perturbado. Pode ser concebível que os brinquedos nos impeçam de agir de maneira antiética, uma vez que eles nos fazem lembrar de quando éramos crianças. Mas posso imaginar uma tese contrária na qual alguém em Harvard poderia passar alguns anos trabalhando: os brinquedos no local de trabalho não nos fazem pensar como bebês, eles nos fazem agir como eles.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 16/09/2011
Imagem da Internet

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