Ethevaldo Siqueira*
O mundo está diante de um novo risco de colapso. Agora, de suas comunicações de banda larga e, em especial, da internet. Esse apocalipse pode ser resultado da convergência de mídias e do crescimento explosivo e desordenado dos diversos tipos de conteúdos, em especial de vídeo.
Vejam estes fatos: a cada minuto são postadas 36 horas de vídeo apenas no YouTube. O que mais preocupa os especialistas é o crescimento exponencial dos dispositivos de comunicação móvel, cujo total poderá chegar a 55 bilhões em 2020, ou seja, quase 6 vezes a população do planeta, aí incluídos aqueles utilizados para conexão entre pessoas, bem como entre máquinas.
No final de 2011, o mundo quebrará a barreira dos 6 bilhões de usuários de celular. A expansão dos smartphones e tablets cresce a mais de 20% ao ano.
Não se trata de sensacionalismo. A advertência é de ninguém menos que o secretário-geral da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadoun Touré.
Não se trata de sensacionalismo. A advertência é de ninguém menos que o secretário-geral da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadoun Touré.
Na semana passada, durante o evento Futurecom, em São Paulo, ele declarou que "as redes mundiais de banda larga poderão entrar em congestionamento incontrolável e até em colapso, até 2015, se governos, agências reguladoras, operadoras de telecomunicações, provedores de serviço e produtores de conteúdo não estabelecerem novos padrões de regulamentação".
Apelo aos surdos. Touré diz que seu apelo até aqui não tem sensibilizado os responsáveis pelas soluções. Ele recorda, também, que, no passado, todas as formas de telecomunicações eram fortemente reguladas - do ponto de vista puramente técnico.
a barreira dos 6 bilhões de
usuários de celular.
A expansão dos smartphones e
tablets cresce a mais
de 20% ao ano."
E exemplifica: "Imaginem o caos que o mundo enfrentaria hoje se o espectro de frequências radioelétricas fosse utilizado sem os cuidados impostos pelos regulamentos nacionais e internacionais".
Mesmo na atualidade, raros são os serviços de telecomunicações não licenciados ou livres de fiscalização, como Wi-Fi ou Bluetooth. Não se trata de nenhum controle político ou ideológico sobre a internet ou sobre os meios de comunicação de massa em geral.
"A questão", explica Hamadoun Touré, "se assemelha à do congestionamento de uma estrada que, a cada dia, recebe milhares de novos veículos sem ser ampliada para dar vazão ao tráfego. Não é difícil prever que, sem o devido alargamento, a velocidade dos veículos tenderá a zero."
O grande acordo. É claro que a solução não se resume à simples ampliação das redes de banda larga, mas, também, em formas de regulação do próprio processo de convergência de serviços. Para o secretário-geral da UIT, "é preciso que as empresas de telecomunicações, de um lado, e os produtores de conteúdo, de outro - incluindo aí os grandes provedores de internet, as grandes redes sociais e as empresas de comunicação de massa - cheguem a um acordo sobre o uso da infraestrutura comum".
Que fazer diante desse risco? Touré diz que sua esperança está numa reunião mundial que será realizada em Dubai, em novembro de 2012: "Desejo intensamente que nessa reunião mundial dos 193 países associados da UIT consigamos convencer a todos ou, pelo menos, à maioria, da gravidade dos riscos que nos ameaçam a todos e das providências que devem ser tomadas".
O último regulamento internacional do uso de redes é de 1988 e já se tornou totalmente obsoleto, com a chegada da internet, a digitalização da telefonia, a explosão da comunicação sem fio e da mobilidade e, em especial, da expansão da banda larga.
Como agência especializada das Nações Unidas, responsável pelas regras do uso das telecomunicações, regulação de frequências e de serviços para todos os países, a UIT não tem poder impositivo ou mandatório sobre os países-membros.
Sua atuação tem de buscar adesão puramente consensual e atuar com recomendações essencialmente técnicas.
O risco de colapso das redes e as dificuldades de convencer o mundo da gravidade desse perigo se parecem de alguma forma com as previsões de líderes como Al Gore, que há anos vêm pregando sobre os problemas do aquecimento global, de mudanças climáticas, da poluição e da escassez de recursos naturais, como a água doce.
A UIT tem tido a mesma dificuldade em sensibilizar os muitos atores envolvidos nesse processo de convergência tecnológica e de serviços.
Bug do milênio? Lembram-se do "bug do milênio" - anunciado aos quatro ventos como o risco de colapso de todos os computadores do planeta exatamente na passagem do último dia de 1999 para o primeiro do ano 2000?
É provável que o risco fosse verdadeiro, mas a maioria das empresas investiu na atualização de seus programas de segurança e nada aconteceu, praticamente.
Isso levou muita gente a supor que as previsões catastróficas fossem um grande trote ou golpe para vender soluções, sistemas e equipamentos de segurança. O que surpreende agora é a reação de muitas pessoas, que se irritam com a simples advertência dos líderes. E, para contestá-los, criam teorias conspiratórias, como se as advertências sobre o risco do colapso escondessem apenas interesses em provocar intencionalmente o pânico entre empresas e pessoas, para vender soluções ou mudar as relações de poder.
A questão não é prever o colapso, mas conscientizar o mundo de que, se as medidas certas não forem adotadas, o colapso pode ocorrer.
----------------------------------------*Jornalista, escritor e consultor especializado em telecomunicações, eletrônica de entretenimento e novas tecnologias da informação. Colunista do jornal O Estado de S.Paulo e rádio CBN
Fonte: Estadão on line, 18/09/2011
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