Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Jean Baudrillard fez o melhor livro sobre o 11 de Setembro, "Power Inferno". Abro minha coluna para ele:
"Por que, antes de mais nada, as Twin Towers? Por que as duas torres gêmeas do World Trade Center? Todos os grandes buildings de Manhattan, até então, participavam de uma verticalidade competitiva, responsável pelo célebre panorama arquitetônico da cidade. Essa imagem mudou em 1973 com a construção do World Trade Center. A efígie do sistema passou do obelisco e da pirâmide para o cartão perfurado e o grafismo estatístico. Esse grafismo arquitetônico encarna um sistema não mais de concorrência, mas digital e contábil, no qual a concorrência desaparece em prol das redes e do monopólio.
O fato de que eram duas significa a perda de toda a referência original. Se houvesse apenas uma, o monopólio não estaria perfeitamente encarnado. Somente a duplicação do signo acaba realmente com o que ele designa. Há um fascínio particular nessa duplicação. Por mais altas que sejam, as duas torres, contudo, significam um ponto final na verticalidade. Elas não são da mesma raça que os outros buildings. Culminam no exato reflexo uma da outra. Os buildings do Rockefeller Center ainda projetavam suas fachadas de vidro e aço numa especularidade infinita da cidade. As torres não têm mais fachada nem rosto (...)".
"Vendo-as desabar sozinhas,
como numa implosão, tinha-se a impressão
de que estavam suicidando-se em resposta
ao suicídio dos aviões suicidas".
"Deve-se, portanto, supor que o desabamento das torres - acontecimento ele próprio único na história das cidades modernas - prefigura a concretização dramática dessa forma de arquitetura e do sistema por ela encarnado. Como pura modelização informática, financeira, contábil, digital, eram o cérebro dele. Ao atacá-las, os terroristas atingiram, portanto, o centro nevrálgico do sistema. A violência do global também passa pela arquitetura, pelo horror de viver e de trabalhar nesses sarcófagos de vidro, aço e concreto. O pavor de morrer aí é inseparável do pavor de aí viver. A contestação dessa violência passa também pela destruição dessa arquitetura.
Esses monstros arquitetônicos sempre suscitaram um fascínio ambíguo, uma forma contraditória de atração e de repulsão, e, portanto, em algum lugar, um desejo secreto de vê-las desaparecer. No caso das Twin, acrescenta-se a isso tudo essa simetria perfeita e essa condição de gêmeas, com certeza uma qualidade estética, mas, sobretudo, um crime contra a forma, uma tautologia da forma, que provoca a tentação de quebrá-la. A própria destruição respeitou essa simetria: duplo impacto com alguns minutos de intervalo - suspense que leva a crer ainda que possa tratar-se de um acidente; mais uma vez é o segundo impacto que assina o ato terrorista. O desabamento das torres é o acontecimento simbólico maior. Imaginem se elas não tivessem desabado, ou que apenas uma delas desabasse, o efeito não seria de modo algum o mesmo. A prova gritante da fragilidade da potência mundial não teria sido a mesma. As torres, que eram o emblema dessa potência, ainda a encarnam nesse fim dramático, que lembra um suicídio. Vendo-as desabar sozinhas, como numa implosão, tinha-se a impressão de que estavam suicidando-se em resposta ao suicídio dos aviões suicidas".
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 11/09/2011
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