LIBERATO VIEIRA DA CUNHA*
Uma leitora me pergunta se ainda escrevo à mão. Respondo-lhe que sim. Mesmo na era da informática, redijo minhas crônicas, contos e romances primeiro no papel, numa página modelo A-4, para só depois transportar o texto para o computador.
Tenho uma letra bonita e me orgulho dela. É ainda herança do curso primário do Colégio das Dores, onde tínhamos aulas de caligrafia. Tínhamos também lápis bem apontados e penas de aço que a gente tinha que molhar de tempo em tempo no tinteiro embutido na própria classe.
Nunca me senti diminuído por isso – era um exercício de disciplina. Depois, pela altura do quarto ano, ganhei minha primeira caneta. Era uma Compactor alemã, a que devotei especial estima. Tinha que ser reabastecida pelo menos uma vez por semana, mas quem se importava com isso?
Da Compactor evoluí para uma Parker 51, isso já no ginásio, e despertava a inveja de meus colegas de aula. Era realmente um primor de eficiência e de elegância. A tinta era Azul Real Lavável e eu achava que não poderia haver outra mais perfeita.
Depois me perdi, dividido entre um milhão de canetas. Começou o império das esferográficas, que se mantém firme e sólido até hoje. Mas eu me conservo fiel aos modelos antigos.
Já não tenho Compactors ou Parkers, embora dê sempre jeito de procurar suas herdeiras.
"Antes de converter em bits e bytes
o que componho, me agrada ver cada
texto em intimidade com o papel.
É algo doce e indefinível, como o súbito olhar
de uma mulher amada."
E sabem por quê?
Porque escrever tem tudo a ver com o toque da caneta no papel. Há uma sintonia anímica entre ambos e um suave estímulo à criatividade.
Meu livro mais longo e de maior sucesso – As Torrentes de Santaclara –, de 608 páginas impressas, foi todo ele escrito à mão, para só depois ser datilografado, pois os tempos ainda eram pré-informática. O mesmo sucedeu com outro romance, O Homem que Colecionava Manhãs, que mereceu críticas consagradoras, de Wilson Martins a Luiz Antônio de Assis Brasil.
Não é diverso com meus volumes de crônicas e contos, todos primeiro manuscritos, para depois serem transpostos aos meios eletrônicos.
Nada tenho contra o computador ou a internet. Mas olho ambos como um segundo estágio do processo de criação.
Antes de converter em bits e bytes o que componho, me agrada ver cada texto em intimidade com o papel. É algo doce e indefinível, como o súbito olhar de uma mulher amada.
------------------------------* Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 27/09/2011
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