Filho de um diplomata, Matthew MacLeod Taylor só conheceu o país onde nasceu duas décadas depois. Em 1993, o jovem recém formado em Ciência Política visitou o Brasil pela primeira vez. Ficou até 1997, curioso em descobrir o país deixado pela família quando ele tinha 10 meses.
Em 2003, voltou novamente e tornou-se um brasilianista nascido no Brasil – apesar de ele não gostar do título dado a estrangeiros especialistas em assuntos locais. Americano por ser filho de diplomata, Taylor fez graduação na Princeton University e mestrado e doutorado na Georgetown University.
Aos 39 anos, é professor da Universidade de São Paulo (USP) e se dedica a estudos sobre políticas públicas, reforma de Estado, Judiciário, corrupção e accountability (termo em inglês para responsabilização). Nesta entrevista, Taylor faz uma análise dos primeiros meses de governo da presidente Dilma Rousseff, que nesta semana esteve sob os holofotes internacionais por conta da passagem por Nova York, e dos desafios do país.
Zero Hora – Como o senhor vê os primeiros meses do governo Dilma?
Matthew Taylor – Fico impressionado com a capacidade de Dilma de superar os desafios que a confrontaram logo no início do governo, mas tenho uma preocupação maior em relação ao longo prazo. Minha questão é: o que o Brasil está conseguindo fazer para se preparar para o futuro, que talvez não seja tão próspero como se imagina hoje? Tem se visto poucas reformas, seja no campo político e institucional, seja no campo econômico. Não houve investimento para levar adiante uma reforma que pudesse enfrentar a morosidade do Judiciário, a corrupção e outros desafios que seriam mais fáceis de resolver em período de crescimento econômico.
ZH – Esse cenário é uma repetição do que ocorreu no governo Lula?
Taylor – Precisamos reconhecer os avanços no campo das políticas públicas, principalmente os programas sociais. Houve também continuidade da política econômica. Mas não houve uma visão de mais longo prazo.
ZH – O governo Dilma perdeu quatro ministros por suspeitas de corrupção. O que falta para o Brasil reduzir essa chaga?
Taylor – O maior problema que o Brasil enfrenta é a falta de responsabilização. Não culpo nenhum juiz ou ministro em particular. O sistema jurídico acaba criando empecilhos para qualquer tipo de responsabilização, em especial dos políticos. Portanto, existem poucos custos para quem se envolve em atos de corrupção. Os políticos têm privilégios. E o Judiciário permite recursos demais, que criam a nítida possibilidade de prescrição de pena. Apesar da reforma de 2004, o Judiciário acaba privilegiando certos atores, principalmente políticos, dificultando a responsabilização e criando uma situação perniciosa. Sempre há notícias sobre escândalos, mas, um ou dois anos depois, não se observam punições.
"O juiz que trabalha para responsabilizar
os corruptos, se seguir a lei ao pé da letra,
tem enorme dificuldade de impor
qualquer tipo de punição."
ZH – Como o senhor analisa a atuação da Polícia Federal?
Taylor – O grande número de operações é motivado pelo fato de o próprio policial não acreditar em outra punição que possa ser imposta a não ser a punição reputacional. Ou seja, a imposição de custos à reputação dos envolvidos. Assim, é melhor para o policial prender alguém e deixar a mídia mostrar a pessoa sendo levada em camburão porque ele sabe que logo ela estará solta e que o assunto será esquecido.
ZH – O Judiciário costuma dizer que aplica leis feitas pelo Legislativo. A legislação é suficiente para combater a corrupção?
Taylor – O problema é um sistema institucional viciado. Se seguidas à risca pelo Judiciário, as leis prejudicam a luta contra a corrupção. O juiz que trabalha para responsabilizar os corruptos, se seguir a lei ao pé da letra, tem enorme dificuldade de impor qualquer tipo de punição. A legislação contribui para a impunidade. Entre os problemas, estão por exemplo, a vulgarização do habeas corpus, a prescrição precoce dos crimes e a redução de sentença por boa conduta.
ZH – A Justiça só pune os mais pobres?
Taylor – Em qualquer país, quem tem recursos para contratar um bom advogado tem melhores chances de fugir da punição. Mas oportunidades abertas para as pessoas com bons advogados são maiores no Brasil do que em qualquer outro país que eu conheça.
ZH – O brasileiro é mais leniente com a corrupção?
Taylor – Discordo desse argumento cultural. Muitos brasileiros vão para a Europa ou aos Estados Unidos e não se escuta nada sobre atos de corrupção deles nesses países. Existem incentivos que surgem da falta de responsabilização no cotidiano: se a pessoa vê que ninguém é punido, porque ela vai respeitar a lei? Não é um problema cultural intransponível. É um problema que pode ser vencido com responsabilização em todas as esferas. Isso poderia mudar o comportamento de políticos, instituições e cidadão. Mas, por enquanto, estamos presos num ciclo pernicioso e negativo.
ZH – De quem é a iniciativa para fazer essa reforma?
Taylor – Não acredito em soluções repentinas. O fato é que o Brasil tem construído, nos últimos 25 anos, um sistema de responsabilização muito mais forte do que havia no regime militar. Temos de ressaltar o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União e o fortalecimento do Judiciário. Tudo isso contribui. E duvido de qualquer sugestão de reforma da noite para o dia. A mudança só ocorre de maneira gradual. Uma das mudanças mais positivas que tenho observado é a mobilização ativa da sociedade civil. Essas organizações foram responsáveis, por exemplo, pela Lei da Ficha Limpa, que nunca seria levada adiante apenas pelos políticos. Tem de haver um movimento da sociedade. O Executivo também poderia liderar essa reforma, mas não vejo isso no atual governo.
"O Bolsa-Família é ótimo, mas se pode
criar algo ainda mais profundo na sociedade.
Pode ser uma reforma na educação
ou uma reforma que racionalize
a máquina pública sem necessariamente
desfazer a importância do Estado para
a política econômica."
ZH – Por quê?
Taylor – Creio que envolve um problema político. A coalizão de hoje, que é muito parecida com as que sustentaram os governos Fernando Henrique e Lula, é uma coalizão predatória. A forma como as coalizões são compostas no Brasil acaba dando muito poder ao Executivo desde que ele faça vista grossa para o clientelismo e para o uso da máquina pública pelos partidos aliados. Apesar de um grande número de partidos no Congresso, e de os partidos terem sido minoritários, os últimos presidentes conseguiram construir grandes coalizões no Congresso. Isso é bom para o Executivo e para a governabilidade, mas tem um alto custo em termos de probidade. Mesmo que o presidente se esforce para escolher ministros sem ficha corrida, às vezes as escolhas são impostas pelos aliados.
ZH – Mas esse não é um problema de democracias como a brasileira, em que nenhum partido tem maioria no parlamento? A solução seria reduzir o número de legendas?
Taylor – A democracia consociativa, que procura resguardar a representação de minorias, cria o desafio de formar grandes coalizões compostas muitas vezes de pequenos partidos. Mas nem sempre isso resulta em distribuição de cargos da maneira como é feita no Brasil. O fato de existirem 37 ministros é prova disso. Menos de 10 ministérios são integralmente controlados pelo Executivo, como a Fazenda e o Planejamento. Os outros ministros têm muita autonomia, e não é de se surpreender que, muitas vezes, estes acabem privilegiando interesses específicos em seus redutos eleitorais ou interesses partidários. Esse é um problema do presidencialismo de coalizão brasileiro. Isso tem a ver com o grande número de partidos, mas também tem relação com a impunidade.
ZH – Por onde começar a reforma que o senhor prega?
Taylor – A questão hoje é pensar em como um país pode se tornar mundialmente competitivo no século 21. O Brasil não está competitivo nas questões tributária, educacional e de infraestrutura. São três áreas em que o governo federal poderia realizar reformas importantes. Mas acho que se está deixando de lado uma oportunidade de criar um marco que vai além do Bolsa-Família. O Bolsa-Família é ótimo, mas se pode criar algo ainda mais profundo na sociedade. Pode ser uma reforma na educação ou uma reforma que racionalize a máquina pública sem necessariamente desfazer a importância do Estado para a política econômica. Falta uma plataforma audaciosa ao governo Dilma.
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Reportagem por LEANDRO FONTOURA
leandro.fontoura@zerohora.com.br
Fonte: ZH on line, 25/09/2011
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