segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Relógio cuco

RUBENS RICUPERO*
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Se a Suíça arrisca fixar a cotação
do franco suíço em euros é porque
a situação está para
além de preta

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Não é verdade, como pretende Orson Welles em "O Terceiro Homem", que o relógio cuco tenha sido a única contribuição da Suíça à civilização.
Basta pensar na Cruz Vermelha, em Rousseau, Benjamin Constant, Madame de Stael, Pestalozzi, Le Corbusier, Piaget, Giacometti, Godard, elenco mais impressionante que o de alguns gigantes pela própria natureza.
Eis que o relógio cuco dá nova contribuição ao soar o alarme contra o perigo mortal da anarquia do câmbio. Ninguém no mundo se compara aos suíços em cautela e horror do não convencional. Se arriscam fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta.
A diferença entre nós e eles é que, como os sicilianos, eles jamais ameaçam: preferem agir sem preanuncio. Nós somos incendiários nas declarações e tímidos na ação e não apenas por amor à bravata.
É que os suíços podem arrostar ataques especulativos com alguma chance de sair com vida.
Nós, sempre no fio da navalha, corremos o risco de soprarmos em inflação que já arde em cima da palha seca se tomarmos medidas ousadas como o corte do juro ou o controle de capitais.
Por isso nos limitamos por muito tempo a denunciar a guerra cambial no G20 e a pedir à Organização Mundial do Comércio que estude o efeito do câmbio no comércio. São gestos louváveis, mas anódinos, pois o mundo vive em situação de anarquia cambial, isso é, ausência total de normas e governo na matéria.
"Os pragmáticos helvécios
concluíram que,  na falta de remédios internacionais,
o remédio é cada
 um cuidar de si.
Se der certo e outros
como o Japão seguirem
o exemplo, aumentará
a pressão sobre a moeda brasileira."
Desde que Nixon abandonou em 1971 o sistema de taxas fixas de Bretton Woods, virou letra morta o artigo 4º do acordo do FMI relativo a disciplinas cambiais.
Dizia-se na época que, após meses de turbulência, o câmbio flutuante produziria seu próprio equilíbrio. Estamos esperando há 40 anos e as tempestades já obrigaram a intervenções urgentes como as dos acordos do Plaza e do Louvre.
Na OMC o panorama não é mais animador. O artigo 15 do acordo geral dispõe que os países devem se abster de manipular as moedas a fim de não frustrar os objetivos do acordo. Como nunca se definiu o que significa "manipular" e "frustrar", nada se pode fazer.
Não existem recursos legais: antidumping cambial, taxas contra o subsídio indireto da manipulação, tudo carece de base jurídica.
Os pragmáticos helvécios concluíram que, na falta de remédios internacionais, o remédio é cada um cuidar de si. Se der certo e outros como o Japão seguirem o exemplo, aumentará a pressão sobre a moeda brasileira. Fez bem, assim, o governo em deixar de se queixar ao bispo e começar a tomar medidas.
Entre elas, o início da redução do juro e a elevação do IOF sobre capitais especulativos trouxeram alívio temporário no câmbio, graças também ao recrudescimento da crise mundial. Nada garante que dure. Estagnada devido ao câmbio, a indústria pouco se beneficiou até agora da explosão do consumo, capturada quase toda pelas importações.
Se a crise apertar, a única saída será aproveitar a demanda interna para crescer. Para isso o remédio são ações mais fortes para estancar a hemorragia cambial. Sem dúvida é arriscado, mas como no dilema de Trotsky: risco em avançar, morte segura se ficarmos parados.
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* Diplomata de carreira. Ex ministro da Fazenda (1994). Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), mandatos de 1995 a 1999 e de 1999 a 2004. Escreve na Folha quinzenalmente.
Fonte: Folha on line, 19/09/2011
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