sábado, 10 de setembro de 2011

Livre pensar é só pensar


Longe do poder, 
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso 
reinventa-se como uma usina de ideias e
uma fonte de inspiração. 
ALFA conversou com ele sobre liberdade, 
drogas, álcool, pais, filhos e, 
claro, Lula 

Por Vicente Vilardaga. Foto da Internet

No mês passado, pouco antes de tirar alguns dias de férias, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estava animado com a participação em um programa de TV e com a entrada no ar do site Observador Político, um espaço interativo e aberto ao público, criado para abrigar todo tipo de discussão relevante e estimular as pessoas a pensar. Nessa nova etapa de sua vida, FHC está longe de parecer um político em busca de votos ou um conselheiro enfadonho. É um livre-pensador corajoso e inspirador. “Hoje, não estou mais preocupado se vão achar isso ou aquilo. Não me comporto como chefe de partido, porque isso eu não sou, e tenho uma relação de tolerância com quem pensa diferente de mim. Veja você agora: celebrei meu aniversário e estavam todos os partidos lá: PT, PSOL, DEM, PMDB e outros”, disse para ALFA.
Seu instituto, criado há sete anos, vai muito além de cultuar a memória do período em que foi presidente. Funciona como uma usina de ideias, um think tank, com uma agenda de assuntos atuais. É um ambiente futurista, transparente, com portas de vidro automáticas e exposições permanentes, instalado no sexto andar de um edifício no Vale do Anhangabaú, no coração de São Paulo, com vista para o Viaduto do Chá. Ao lado de sua mesa de trabalho, há um retrato do pai, o general Leônidas Cardoso, tirado pelo fotógrafo Rui Porto na década de 40, quando sua família se mudou para a capital paulista. “É uma foto admirável, que tem mais de 60 anos. Na época, meu pai era deputado pelo PTB com o apoio dos sindicatos e, embora fosse militar, era liberal e progressista. Ele me influenciou bastante”, lembra o ex-presidente. FHC não poderia imaginar que, a esta altura, estaria debatendo o problema das drogas — e situando-se do lado mais avançado.

MUITO ALÉM DA POLÍTICA

MACONHEIRO – Fui chamado de maconheiro pelo (ex-prefeito de São Paulo) Jânio Quadros e mantive sempre uma posição de dignidade. Nunca tive uma experiência pessoal com drogas. Dei uma entrevista para a jornalista Miriam Leitão e disse que senti cheiro de maconha nos Estados Unidos com uns primos meus e não gostei. O Jânio usou a informação na eleição e isso teve um efeito bastante devastador: perdi a prefeitura.

PATERNIDADE – Eu nunca falei sobre o Tomás e, se agora fizeram o exame de DNA mostrando que ele não é meu filho, também não vou falar. Vou preservá-lo totalmente. No afeto e nos recursos. Totalmente. É um assunto fora de discussão. E eu gosto muito dele. Isso é que é importante.

NADA É PRECISO – Peso neste momento 80 quilos. Não tenho tendência a engordar. E como bem – tenho uma alimentação saudável e variada. Viajo muito e, portanto, mudo sempre de comida. Quando estava no Palácio da Alvorada, nadava todo dia. Gosto bastante de nadar. Sou muito ruim nos esportes, mas, quando era jovem e morava no Rio, ia frequentemente à praia. Sempre fiz exercícios, e, sobretudo, nunca fumei. Por isso, tenho uma boa condição física. (...) Quando vou para chácara, em Ibiúna, interior do Estado, e quando não está frio, porque a água lá é gelada, eu nado. Senão, tenho uma academia em que, duas ou três vezes por semana, faço aquela coisa de máquinas, musculação, flexões e outros exercícios.

DEUS – Fui acusado de ser ateu, mas não fui presidente da República duas vezes? Então o efeito é relativo. Você não pode chegar numa campanha e pregar contra a religião. Você tem de respeitar as religiões e mesmo a questão de Deus. Você não tem de perguntar se eu acredito, você tem de perguntar se eu respeito. Acreditar é foro íntimo. Agora, seria muita soberba dizer que não acredito – porque tem o mistério. De onde viemos, qual o sentido da vida? Não sei. Se alguém acha que o sentido é Deus, é Deus. Ser absolutamente materialista é tão equivocado como ser fundamentalista religioso.

CHEGA DE FANATISMO – Temos de discutir com todos os grupos religiosos. Lá no Rio, o pessoal da Igreja Católica metido na luta conta a Aids procurou os membros da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. A droga vai ao lado da Aids. Se você não dá apoio, se você na dá seringa, há um aumento de doença. Alguns setores da Igreja Católica estão entendendo que precisam ter uma posição mais aberta. Eu não sei muito sobre as igrejas protestantes, mas elas, por outro lado, se baseiam na vontade do indivíduo. Entre os pentecostais, o maior problema que vejo é o fanatismo. Eles progrediram acolhendo as pessoas e criando redes de apoio, mas é preciso evitar as ideias fundamentalistas.

LIBERDADE DE ESCOLHA – No Brasil, a moral tem de ser coletiva, de todos, do Estado. É nosso catolicismo somado à nossa “estadolatria”. Nos países com formação protestante e com capitalismo mais competitivo, é diferente: cada um é responsável. Você vai para a Holanda – eu fui falar sobre drogas com jovens nas escolas de lá – e os meninos dizem que eles próprios têm de decidir. No Brasil, ninguém acredita que as pessoas decidam nada. Como nós não somos de tradição liberal, é mais complicado, porque as pessoas não reivindicam seu direito de escolha. É o Estado quem escolhe, a igreja quem escolhe. Mas há um avanço aqui, na direção de uma sociedade globalizada, e o direito de escolha começa a pesar mais. Na Holanda, não se aceitam interferências. Perguntei a um rapaz que estava encarregado de administrar heroína aos viciados se eles induziam as pessoas a se cuidar. “Não. Nós respeitamos a decisão”, disse. Eles não fazem nem propaganda de que as drogas fazem mal.

LULA LÁ – Às vezes, o Lula provoca, eu reajo, não sei o quê. Mas é quase um jogo. Eu não vou voltar a disputar eleições, mas acho que ele, nesta altura, pensa em voltar. Não sei se daqui a dois ou três anos ele vai ter o mesmo pensamento. Vai depender da Dilma. Cá entre nós, eu acho que seria melhor para o Lula e para todos nós que ele não voltasse.
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Leia a íntegra da reportagem na ALFA de agosto. 
Fonte: ALFA Nº 12 - Agosto 2011,pág. 74-79

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