A lembrança de eventos trágicos pode abrigar sentimentos amargos (Reprodução/Internet)
Todas as guerras acabam, e a longa batalha dos EUA
contra os jihadistas não será nenhuma exceção
Manter na memória a lembrança de eventos trágicos é humanamente necessário, mas não se deve fingir que é um exercício completamente inocente. Neste 11 de setembro, o décimo aniversário dos ataques ao World Trade Center, o memorial às vitimas dos atentados será oficialmente inaugurado na presença de parentes de vítimas, autoridades do governo norte-americano, turistas e nova-iorquinos comuns. A seguinte frase, o último trecho de uma declaração cravada no memorial, será revelada pela primeira vez:
“Que as vidas lembradas, as obras reconhecidas, e o espírito despertado pela luz eterna fortaleça nossa determinação para preservar a liberdade, e inspirar um fim à ignorância, ódio e intolerância”.
Não há nada moralmente problemático em lembrar os mortos e honrar o heroísmo das equipes de resgate, mas a ideia de “fortalecer a nossa determinação para preservar a liberdade” é tudo menos um ato de piedade inocente. A finalidade de todas as comemorações públicas é o estímulo à solidariedade coletiva. Eventos oficiais para marcar datas servem para reafirmar a lealdade do grupo e não para estabelecer precisão histórica ou apresentar um evento em toda a sua complexidade moral e política. As cerimônias pelo décimo aniversário do 11 de Setembro acontecerão neste espírito. Lembrar não significa apenas reviver o passado. A lembrança de eventos trágicos pode também abrigar um sentimento amargo de justiça ou vingança muito depois das armas terem sido abaixadas.
Uma nuvem de fumaça cobriu o céu do sul do Manhattan (Reprodução/Internet)
Pearl Harbor do século 21
Poucos dias depois do atentado em Nova York e Washington, o então presidente George Bush comparou o 11 de setembro ao ataque a Pearl Harbor, ocorrido em 7 de dezembro de 1941. Foi uma comparação adequada somente no sentido de que o destino da memória de Pearl Harbor mostra como a lembrança de traumas históricos relativamente recentes se desbotam e perdem força em pouco tempo. Quantos norte-americanos realmente lembram dos 1.177 marinheiros mortos naquele dia? Certamente, quase nenhum tem raiva dos japoneses a cada dia 7 de dezembro. Aquela guerra acabou, não somente no plano físico mas também no coração das pessoas. E todas as guerras acabam. A longa batalha contra os jihadistas não será nenhuma exceção, embora isso seja inimaginável no momento.
É hora de considerar para que serve o tipo de memória coletiva que será promovida durante a cerimônia do décimo aniversário do 11/9, e quais são os riscos que ela traz. Para fazer isso, deve-se considerar a possibilidade de que em alguns momentos e em alguns contextos, esquecer é melhor que lembrar.
"A grande autora sul-africana
Nadine Gordimer dizia que escritores devem escrever
como se já estivessem mortos.
Pedir às pessoas que renunciem
à lembrança do 11 de setembro,
ou pelo menos que vislumbrem essa possibilidade,
equivale a pedir que ajam como se
já estivessem mortas."
Talvez estejamos muito influenciados pelas palavras de George Santayana: “Quem não se lembra do passado está condenado a repeti-lo”, uma frase que ignora totalmente o fato de que a história, como o comportamento psicológico individual, é pelo menos parcialmente governada pelo que Freud chamou de “a cadeia inconsciente de repetição”.
Como foi demonstrado pelo alívio e a alegria que surgiram espontaneamente em muitas partes dos EUA quando Obama anunciou que Osama bin Laden estava morto, as feridas ainda estão bem abertas. Por enquanto, não se pode falar em esquecer, ou nem mesmo em perdoar. Mas não é cedo demais para considerarmos a possibilidade de que a paz nunca será possível sem, eventualmente, abraçarmos o esquecimento e o perdão.
A grande autora sul-africana Nadine Gordimer dizia que escritores devem escrever como se já estivessem mortos. Pedir às pessoas que renunciem à lembrança do 11 de setembro, ou pelo menos que vislumbrem essa possibilidade, equivale a pedir que ajam como se já estivessem mortas. Será possível abrir mão da memória de nossas feridas em algum momento? Espero que sim. E logo após as cerimônias de comemoração no Marco Zero de Nova York seria um bom momento para começar.
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Fontes: Harper´s - The limits of rememberance
http://opiniaoenoticia.com.br 11/09/2011
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