Para o professor de Harvard, a ditadura dos mercados ameaça
a democracia e a soberania das nações
JOSÉ FUCS
O economista Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, é um crítico implacável do processo de globalização econômica, centrado na abertura comercial e financeira. Em seu novo livro, The globalization paradox: democracy and the future of the world economy (O paradoxo da globalização: democracia e o futuro da economia mundial), recém-lançado nos Estados Unidos, ele diz que a ditadura dos mercados foi longe demais e representa uma ameaça à democracia e à soberania das nações. Segundo Rodrik, os países que se deram melhor na globalização não foram aqueles que abriram de forma indiscriminada suas fronteiras, mas os que se integraram de forma gradual na economia mundial e adotaram políticas comerciais e industriais para desenvolver e diversificar suas economias.
ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor fala sobre o “paradoxo da globalização”. Que paradoxo é esse?
Dani Rodrik – São dois paradoxos. O primeiro é que a globalização demanda instrumentos muito fortes de governança que dependem de governos nacionais. Ao mesmo tempo, os governos nacionais representam o principal obstáculo para o aprofundamento da globalização. O segundo é que uma globalização saudável é aquela que não ultrapassa os limites dos interesses nacionais. Uma globalização mais equilibrada com os interesses das nações é muito mais saudável para a economia mundial do que o que eu chamo de hiperglobalização, que é o estímulo à abertura indiscriminada do comércio e das finanças.
ÉPOCA – Por que o senhor acredita que a globalização deve ter um limite?
Rodrik – Isso tem ligação com o primeiro paradoxo. A globalização precisa de mecanismos de regulação, estabilização, legitimação, que só os governos nacionais podem fornecer. E esses governos têm um caráter eminentemente nacional. A única forma de implementar a hiperglobalização é pelo enfraquecimento dos mecanismos nacionais de governança. Isso não é bom, porque pode levar a questionamentos sobre a legitimidade do sistema internacional de comércio ou a instabilidades financeiras como a atual crise global.
ÉPOCA – A globalização e o livre-comércio não beneficiam os países e as populações?
Rodrik – É uma questão de equilíbrio. Os países que se deram melhor com a globalização não foram aqueles que abriram suas economias de forma indiscriminada. Os países mais bem-sucedidos foram os asiáticos, como Japão, China, Coreia do Sul e Índia, que se integraram na economia mundial, mas de acordo com suas próprias regras. Eles abriram suas economias de forma gradual e adotaram políticas comerciais e industriais para promover e diversificar suas economias. Conseguiram se beneficiar da globalização, mas adotaram medidas para restringir o comércio e o fluxo de capitais que são conflitantes com a ideia de uma economia aberta.
"No Brasil, muitos setores da
economia não teriam
crescido sem a proteção
que receberam no passado"
ÉPOCA – Se os países não abrirem suas economias, a ineficiência vai aumentar. No final, as empresas e os consumidores pagarão a conta. Isso não é um contrassenso?
Rodrik – Há uma compensação. A imposição de restrições ao comércio e ao capital gera custos adicionais, mas traz benefícios. Um país vulnerável ao hot money e ao fluxo de capitais não será bem-sucedido. Em relação ao comércio, sabemos que os países emergentes não se desenvolvem e se industrializam automaticamente. Isso não é algo que o mercado faz por si mesmo. Então, acaba havendo uma compensação entre a elevação do custo para o consumidor e para as empresas, provocada pela adoção de restrições ao comércio e ao fluxo de capitais, e os benefícios trazidos por uma economia mais forte, na qual se estimulam alguns setores que de outra forma não poderiam se desenvolver.
ÉPOCA – No Brasil, havia uma política de reserva de mercado na área de informática para estimular a indústria local. Só que, além de o setor não ter se desenvolvido, os computadores eram caros, o contrabando se multiplicou e o Brasil perdeu terreno para outros países, que abriram seus mercados na área. Isso não é algo a evitar?
Rodrik – A política brasileira de informática foi claramente um fracasso, pelas razões que você mencionou. Mas em muitos outros setores a política industrial do país foi um sucesso. A indústria aeronáutica, a siderúrgica e outros setores importantes da economia brasileira não teriam se desenvolvido sem o estímulo e a proteção que receberam no passado. Em geral, o resultado das primeiras políticas industriais do país foi muito positivo. O índice brasileiro de produtividade melhorou muito durante a era de “substituição das importações”. Isso revela que é preciso manter um equilíbrio entre a integração na economia global e o estímulo ao desenvolvimento da indústria nacional. Não significa que a implementação dessas políticas será sempre bem-sucedida. Mas acredito que, se os governos não implementarem políticas industriais para estimular o crescimento das empresas locais, estarão cometendo um erro.
ÉPOCA – Por que a globalização é uma ameaça à democracia e à soberania das nações?
Rodrik – Porque, se você quiser ter mercados globais totalmente integrados, um processo que eu chamo de “hiperglobalização”, significa que você precisa ter um conjunto de regras comuns. Isso quer dizer que você precisa ter regras comuns para adequação de capital para os bancos poderem operar internacionalmente, sem custos adicionais. Significa que precisa haver regras comuns para saúde e segurança, para as grandes multinacionais poderem operar sem ter custos diferentes em cada local. Significa, enfim, que é preciso ter regras comuns em quesitos como tributos para as empresas. Se um país quiser ter impostos mais altos, as empresas irão para outro lugar, onde eles são menores. Para ter um mercado global tão integrado quanto os mercados domésticos, é necessário ter políticas comuns em nível internacional. Isso estreitaria, de forma progressiva, o espaço para que os políticos locais respondessem às necessidades de seu eleitorado. Você estaria reduzindo o espaço para a promoção de políticas normalmente identificadas com a democracia.
ÉPOCA – A globalização foi longe demais?
Rodrik – Em relação à globalização financeira e de algumas áreas de comércio, fomos longe demais. Mas há outras áreas em que a globalização andou muito pouco. Uma área sobre a qual falamos pouco é a mobilidade do trabalho. Em termos de mobilidade global de trabalhadores, principalmente os não especializados, estamos basicamente no mesmo lugar que em 1950. Se os políticos do mundo quiserem aumentar a eficiência da economia global, acho que haveria ganhos muito maiores com o relaxamento das restrições à mobilidade de trabalhadores do que nas áreas comercial e financeira.
ÉPOCA – Em sua opinião, o processo de globalização será retomado nos mesmos moldes de antes da crise atual?
Rodrik – Haverá uma grande mudança, a partir do novo papel que a China está assumindo na economia mundial. Não vamos voltar mais ao velho modelo centrado nos EUA e na Europa Ocidental. No novo modelo, a China e alguns outros países, como o Brasil, vão desempenhar papéis cada vez mais importantes na determinação das regras do jogo. A China é um país que põe em evidência a independência e a soberania nacional. A delegação de autoridade para organizações internacionais e multilaterais terá um limite. A nova face da economia mundial já está criando grandes dificuldades para um mundo governado pelos mercados e pela governança global.
DANI RODRIK
QUEM É
Economista de 53 anos, nascido na Turquia e radicado nos EUA desde os anos 70. Professor de economia e política internacional na Universidade Harvard
ONDE ESTUDOU
Formou-se em economia na Universidade Harvard. Fez mestrado e doutorado na Universidade Princeton
O QUE PUBLICOU
Escreveu The globalization paradox: democracy and the future of the world economy, recém-lançado nos EUA, e Has Globalization gone too far?, ambos sem tradução no Brasil, entre outros
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Fonte: Revista ÉPOCA online, 07/04/2011
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