XXIV Fórum da Liberdade
Carlos Affonso de Souza:
“acesso à internet deve ser reconhecido como um direito fundamental da pessoa”
Doutor em Direito Civil e vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) e da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, Carlos Affonso Pereira de Souza participará da 24ª edição do Fórum da Liberdade. Na próxima terça-feira, Souza estará presente no painel Inovação e tendências: olhando o futuro. Confira abaixo algumas de suas ideias em uma entrevista exclusiva concedida por e-mail a ZH Dinheiro.
Na próxima terça-feira, Souza estará presente no painel Inovação e tendências: olhando o futuro. Confira abaixo algumas de suas ideias em uma entrevista exclusiva concedida por e-mail com exclusividade ao Blog do Fórum da Liberdade.
Blog – O tema do Fórum da Liberdade deste ano é liberdade na área digital. Em sua opinião, de que forma a internet contribuiu para ampliar a noção de liberdade?
Carlos Affonso Pereira de Souza – A internet ampliou de forma impressionante o processo de inovação nas mais variadas áreas de produção do conhecimento humano: nas ciências e nas artes, na política e no direito. Se é verdade que o Brasil ainda enfrenta o desafio da exclusão digital, o que é até mesmo natural em um país de dimensões continentais, não é difícil perceber como o acesso à internet modifica a vida das pessoas, impactando como elas enxergam o mundo e como o indivíduo se insere nele.
Uma das transformações mais evidentes que a internet proporcionou foi a revolução nas formas de criação e acesso à informação e à cultura. Se pensarmos apenas no caso da música, o primeiro programa mundialmente popular para a troca de arquivos, o Napster, ao surgir em1999, revolucionou o conceito de acesso à música. Nenhuma loja física de CDs tinha à sua disposição, de forma tão fácil, um acervo daquele tamanho. Um autor americano chega a dizer que, a partir do Napster, todo serviço de música deve partir do pressuposto de que o consumidor sempre espera encontrar uma “celestial jukebox”.
Só que toda essa liberdade no compartilhamento de arquivos musicais tinha um problema: a maioria das músicas ali disponibilizadas era assim feita de forma ilegal. E aqui encontramos um dilema muito interessante sobre a liberdade na internet: se por um lado o progresso tecnológico avança e expande as fronteiras da liberdade, é sempre preciso estar atento para como as leis dos diversos países acompanham ou impedem os potenciais dessa revolução.
Blog – Muito se fala sobre o poder da internet para provocar mudanças sociais e políticas, como a queda de algumas ditaduras no Oriente Médio. O senhor acredita que o papel da internet nessas transformações foi supervalorizado ou, realmente, a web tem importância determinante nesse tipo de mudança social?
Souza – A internet, e especialmente as redes sociais, tiveram um papel muito relevante para as revoluções do Norte da África e para os movimentos seguintes no Oriente Médio. Dois importante fatores demonstram esse ponto. Em primeiro lugar é importante afirmar que a rede social sozinha não faz uma revolução. É claro que a internet, a rede, precisa de pessoas que saibam utilizar os recursos oferecidos e tirem dessa ferramenta todo o seu potencial de comunicação e organização política e social. Nesse particular, os egípcios e os tunisianos foram especialmente hábeis na utilização das redes sociais para organizar as manifestações e fazer repercutir o clima de insatisfação política que levou à queda de seus respectivos governos.
Mas se é verdade que a rede social sozinha não faz a revolução, a retirada, o corte da internet, como ocorreu no Egito, ofereceu um ingrediente que apenas reforçou a importância da rede para esses movimentos. No momento em que o jovem egípcio se viu privado de comunicação por celular e internet, estava mais do que evidente como aquele governo não compartilhava dos mesmos valores de uma juventude que se encontra cada vez mais conectada e que usa as redes sociais como uma extensão natural dos contatos e das interações que ocorrem em sua vida cotidiana. Nesse sentido, o corte da internet no Egito apenas reforçou a importância da rede para a derrubada do governo de Mubarak. E aqui não temos os dados empíricos, mas é provável que muita gente tenha levado o conflito para as ruas quando se viu sem internet em casa ou nos locais de acesso coletivo.
Um segundo fator é justamente perceber quem são as pessoas por trás desses movimentos. E nesse ponto fica bastante claro que as revoluções na Tunísia e no Egito foram lideradas por jovens que, usando as redes sociais, mobilizaram boa parte das manifestações e da comunicação desse movimento. Se por um lado é claro que condições políticas, econômicas e sociais favoreceram ao clima de insurreição, certamente os jovens conectados através das redes sociais puderam organizar e dar voz à certa insatisfação que precisa justamente dessa condução que a internet, como ferramenta de comunicação, oferece.
Blog – Como o senhor avalia as tentativas de alguns governos de censurar a internet ou de criar leis que restrinjam a liberdade de expressão na rede?
Souza – O acesso à internet deve ser reconhecido como um direito fundamental da pessoa. Sendo assim, tentativas legislativas de se bloquear o acesso à rede, como foi proposto na França para aqueles que baixarem conteúdo protegido por direitos autorais, deveriam ser repensadas. Por outro lado, se é verdade que o velho bordão da internet não ser mais uma “terra sem fronteiras”, já que os países conseguem fazer valer as suas leis na rede através da identificação do país a partir do qual a pessoa se conecta, recursos tecnológicos são aperfeiçoados a cada dia para contornar esse tipo de bloqueio.
Nesse sentido, existe uma verdadeira lógica de gato e rato entre as tentativas de controle e as formas de superar o bloqueio ao conteúdo na rede. Essa história ilustra justamente o potencial inerente à internet para a liberdade de expressão e como as velhas formas de controle do discurso encontram dificuldade em se fazer realmente efetivas.
-----------------------------------------Fonte: ZHDinheiro online, 11.04/2011
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