Enzo Bianchi*
"Belas imagens, mas que desapareciam velozmente, porque a fé
racional me impelia a compreender que o paraíso não era um lugar, e sim
uma condição de comunhão com o Senhor".
Todo cristão que recita o “Credo”, a profissão de fé, diz: “Creio na
ressurreição da carne e na vida eterna. Amém”, e este crer não é
periférico, mas fundamental na fé cristã. O cristão crê, portanto, que
haja um após a morte, uma vida plena para sempre, na qual não haverá
mais pranto, nem dor, nem doença, nem morte, mas a alegria eterna da comunhão,
através de Jesus Cristo, com Deus e com os homens e as mulheres salvos
ou salvas por Ele. Também eu, enquanto cristão e monge, partilho desta
esperança, mas confesso que o meu imaginário é muito pessoal e se
modificou nas diversas estações de minha vida. A questão que se me põe:
“Como imaginas o paraíso?”, me impele, portanto, a dar diversas
respostas.
Acima de tudo, o paraíso
é uma imagem que nos é transmitida quando somos pequeninos, e assim foi
também para mim. Quando morreu minha mamãe eu tinha somente oito anos.
Perguntava para onde tinha ido, porque ainda não conseguia compreender a morte,
e me respondiam: está no paraíso, num belo jardim, e lá passeará entre
as abróteas, flores muito perfumadas. Assim, portanto, eu imaginava o
paraíso e esperava ir para lá em breve, para reencontra minha mamãe e
ver estas flores perfumadas que ninguém sabia descrever-me, porque em
Monferrato ninguém jamais as vira.
Com a juventude e os estudos bíblicos, elaborei outras imagens,
frequentemente em contraposição ao possível resultado oposto: os
infernos, lugar de perdição, longe de Deus e de todos os outros.
O paraíso assumia as imagens da Bíblia que eu lia e estudava: um lugar pleno de luz, no qual jamais havia noite; um lugar de paz, sem litígios, disputas, violências, guerras; um banquete com abundância de comidas requintadas e de vinhos refinados; tanta música e a possibilidade de estar juntos, numa festa contínua... Belas imagens, mas que desapareciam velozmente, porque a fé racional me impelia a compreender que o paraíso não era um lugar, e sim uma condição de comunhão com o Senhor. Agradava-me, todavia, a imagem da refeição com pratos sempre novos e de gosto extraordinário, da escuta de músicas que tornavam a eternidade suportável...
Depois as imagens do paraíso ainda mudaram, entre dúvidas, renovação
da esperança, às vezes também cansaço das próprias imagens e desejo de
renová-las. Agora que sou idoso, o paraíso ou a saída contrária do inferno
estão sempre mais próximos: não escondo certo pavor que me habita no
pensamento da morte, porque creio no julgamento de Deus sobre minhas
responsabilidades, sobre meu agir que tem sido bom ou mau. Espero
principalmente que ninguém vá ao inferno; mas, se alguém for, então – me
digo – corro o riso de também eu ir para lá, pois não me sinto tão
diverso dos outros no consentir ao egoísmo que me habita. E as imagens
do paraíso, como idoso? Sumiram. Hoje não consigo dizer, não consigo
imaginar, não ouso sequer pensar em dizer algo que o descreva. Na minha
fé só existe uma coisa: uma grande comunhão em Jesus Cristo, na qual reinará o amor.
Estou convencido que, quem o amou aqui na terra, o encontrará também lá, e assim continuarão o nosso amor e a nossa amizade.
Se eu pensasse em ir para lá e não encontrar mais os meus amigos,
preferirei não ir para lá! Espero reencontrar esta terra que tanto amei,
certamente por Deus transfigurada, mas ainda esta terra com suas
colinas, suas vinhas e seus bosques... Sim, gostaria que continuassem as
“histórias de amor” vividas aqui: antes, que retornassem aquelas que se
interromperam e, sem ciúmes nem concorrências, pudéssemos todos juntos
bebere nas taças do vinho do amor. Para fazer-vos sorrir, caros
leitores, vos confesso que tenho outro medo: de terminar, sim, no
paraíso, mas junto a pessoas que não me agradavam, embora irmãos ou
irmãos na fé e talvez também de renomada santidade. Não, isto
propriamente não! Mas talvez, se Deus me salvar, terei mudado tanto que
suportarei também isto. Contanto que o Senhor não me faça perder os
amigos, aqueles que amei bem e aqueles que amei mal: vou querê-los comigo.
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*Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo puvblicado no sítio Il Fatto Quotidiano, 18-05-2015.
A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: IHU online, 21/05/2015
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