Uma bailarina que tem apenas uma perna, um militar que participou
em missões de paz e dois desempregados contam por que são felizes.
Afinal, o que é a felicidade?
“Sim, sou feliz. Já fui um pouco menos, mas nunca cheguei a ser
infeliz”. Tranquila e descontraída, Mickaella Dantas recorda ao
Observador a experiência que a marcou mas também lhe deu a conhecer a
vocação: a dança. Aquele que podia ter sido o motivo de muita
infelicidade acabou, pelo contrário, por ser uma oportunidade de mudar
toda a trajetória de uma vida.
“Esta experiência fez toda a
diferença. Se não tivesse acontecido talvez não tivesse chegado ao meu
trabalho artístico. Adoro trabalhar”. E é nos palcos que ela trabalha,
dançando com a sua “perna e meia”.
Com a mesma convicção com que decidiu amputar a perna, aos 11 anos, Mickaella escolheu ir atrás do seu destino, sem tristezas ou lamentações.
“As coisas más existem e estão aí. Não adianta fechar os olhos. Às
vezes precisamos de sentir infelicidade. Ajuda a crescer”, afirma.
Entre
sorrisos, vai relembrando o início da sua carreira de bailarina.
“Depois da amputação fui para Natal [Brasil]. Conheci a professora
Monique. Ela impulsionou uma geração. Falou-me da companhia de dança
inclusiva Roda-viva e disse-me que devia contactá-los”.
Assim fez
e, “menos de um ano após a amputação”, entrou na companhia, conheceu a
dança contemporânea e participou em espetáculos. “O primeiro foi em
Natal, mas a primeira tournée foi na Madeira, com o grupo de Henrique Amoedo”.
Após
um convite decidiu embarcar numa outra aventura. Foi dançar para a
Madeira, onde esteve até há pouco tempo e, recentemente, veio para
Lisboa. Gosta da capital, “de conhecer outros artistas”, mas confessa
sentir saudades das ilhas.
Já participou num espetáculo com a companhia britânica Candoco e está a colaborar com a associação CasaBranca e com o grupo Dançando com a Diferença. Pelo caminho fica a formação em turismo e o mundo dos ralis.
Pequena e elegante, corpo de bailarina e sorriso de menina, Mickaela conta a sua história e diz que não há receitas para a felicidade.
Sublinha que gosta de olhar para “o lado positivo da
vida” mas acrescenta que tem “uma positividade diferente”. “Sou um pouco
bruta”, confessa.
Considera que as suas origens indígenas e africanas lhe dão “uma
resistência própria” e uma “grande capacidade de adaptação”. Olha o
mundo com o vigor dos 25 anos de idade e abre os olhos para dizer que
aquilo que a faz mais feliz “é o trabalho”. “Faço aquilo que gosto.”
Felicidades
feitas de infelicidades. “Sou feliz. Acredito em Deus. Tenho uma grande
amizade com ele”, brinca. “É importante ter fé seja em Deus, nos
orixás, no buda, no que seja, fé em nós próprios. Acho que as pessoas
deviam relativizar a sua existência”.
Não se imagina a regressar
ao Brasil, nem a ficar em Lisboa. “A Madeira é o meu lugar”, diz
sorrindo. Os projetos não param de surgir e Mickaella vê-se “daqui a um
ano a treinar circo contemporâneo”.
O caminho faz-se caminhando e Mickaella Dantas tem “o mundo todo caminhando junto comigo”.
“As coisas más existem e estão aí. Não adianta
fechar os
olhos. Às vezes precisamos
de sentir infelicidade.
Ajuda a crescer.”
Ser feliz onde menos se espera
Quando pensamos
em felicidade pensamos em coisas boas, que nos transmitem energias
positivas. Será, por isso, difícil de compreender que num cenário de
guerra possa haver felicidade. É justamente aqui que entra a
subjetividade do conceito. “A felicidade é relativa”, considera Hélio
Beleza.
Este ex-paraquedista de 29 anos fez carreira lá fora e
integrou várias missões de paz em países em guerra, como no Kosovo ou no
Afeganistão. Ao Observador confessa que era “feliz. Fazia aquilo que
gostava”. A felicidade para este jovem é “tudo o que o faça sorrir”.
Mas será que é possível aprender-se a ser feliz? Hélio acredita que sim: “Eu estou a aprender. Podemos estar muito mal, mas há sempre alguma coisa que nos faz rir.”
A
opinião de Hélio não está muito longe do que dizem os estudos
científicos. A professora e investigadora do Instituto Superior de
Psicologia Aplicada (ISPA) Maria João Gouveia sublinha que “a literatura
mostra que 40% da variação do nível de felicidade nas pessoas depende do seu comportamento face à vida.
Depende da atitude perante a vida”. Quer isto dizer que “temos uma
grande margem de mudança”. Se quisermos, considera a psicóloga, podemos
aprender a ser felizes: “A vida é o que nos ensina. Aprendemos a lidar
melhor com as circunstâncias que não controlamos”.
O segredo,
revela Maria João Gouveia, “é perceber o que podemos controlar e
controlar essas circunstâncias. Vamos aprendendo com os nossos erros e
com os erros dos outros. É preciso pensar naquilo que nos faz menos
felizes e naquilo que podemos modificar. E concentrarmo-nos nisso”.
"40% da variação do nível de felicidade nas pessoas
depende do seu comportamento
face à vida."
Mas afinal o que é isso da felicidade?
“Na literatura existem duas perspetivas sobre a felicidade”, explica
Maria João Gouveia, professora e investigadora do ISPA. Na área
científica foge-se do termo felicidade e usa-se a “designação de
bem-estar subjetivo”, mas basicamente quando se fala em felicidade
fala-se numa perspetiva hedónica, que “tem que ver com a noção de nos
sentirmos bem e satisfeitos com a vida face às expectativas que temos
dela”, e numa perspetiva eudemónica, em que o sujeito “quer sentir-se
bem e quer funcionar bem face ao objetivo de vida que idealizou”.
Se
por um lado há quem defenda que a felicidade depende de um estado de
alma, outros defendem que é algo interior e outros ainda acreditam que
os fatores externos, nomeadamente os outros, são importantes para sermos
felizes. Será isto tudo ou coisa nenhuma?
“Tudo isso contribui
para a felicidade”, diz Maria João Gouveia. Mas tal como o conceito é
relativo e varia de sujeito para sujeito, também não existem receitas simples ou milagrosas para se ser feliz.
Maria João Gouveia diz, por isso, que “devemos pensar em cada situação,
naquilo que podemos controlar e não darmos valor àquilo que não
controlamos. Em cada circunstância saber ver o que é positivo e útil na
minha vida. Centrar-me naquilo que sou capaz de construir”.
E se a
teoria funciona para os sujeitos acaba também por ser aplicada a nível
da sociedade. Na literatura abundam estudos sobre o tema, como por
exemplo o Relatório da Felicidade no Mundo 2015, que coloca a Suíça em primeiro lugar e Portugal em 88.º lugar.
O que nos dizem estes estudos?
“Dizem alguma coisa. Há estudos publicados, cada vez com medidas mais
complexas, sobre as dimensões da felicidade. Mas fazendo uma pergunta
simples como “és feliz?” numa escala de zero a dez já podemos comparar.
Sabemos, por exemplo, que os latino-americanos têm níveis bastante
elevados de felicidade. Os sentimentos positivos estão muito presentes.
Das pequenas coisas retiram prazer”.
“A felicidade não é só explicada pelo rendimento per capita
dos países”, diz Maria João Gouveia. “Hoje fala-se num indicador de
felicidade para medir a riqueza de um país. O Reino do Butão foi o
primeiro a falar nesta questão. Estes estudos o que nos dizem é que há
uma crescente preocupação com a questão da felicidade”.
Ainda assim, os portugueses ficam longe de serem felizes nos rankings.
“Na literatura somos dos povos menos felizes”. A investigadora do ISPA,
que se tem debruçado sobre a área do bem-estar subjetivo explica que
tal circunstância tem que ver com “perceção de felicidade. Em
Portugal, a falta de controlo na circunstância política e o peso que o
Estado tem nas várias dimensões da vida dos portugueses tem impacto
negativo na perceção de felicidade”.
“Felicidade é ter saúde, é ter casa, é ter família.”
Dinheiro e felicidade
Emanuel Meira tem 33 anos e está desempregado. Emigrou de Angola para
Portugal em busca de melhores condições de vida e por aqui pretende
continuar. É pai de quatro filhos, mas mesmo com o orçamento familiar à
justa, Emanuel diz-nos que o “dinheiro não traz felicidade. O que traz é
bem-estar. Eu dou muito mais valor à minha família do que ao dinheiro.
Felicidade é estar com quem amo”.
A mesma opinião tem Ermelinda Xavier. Também ela está sem emprego e
frequenta um curso profissional de cabeleireira. Com 36 anos, Ermelinda
tem três filhos e um neto a seu cargo. Não é fácil gerir as coisas, mas
confessa que está feliz. “Agora estou feliz porque encontrei o curso, a
minha vocação”. Tal como para Emanuel, para Ermelinda a felicidade não
passa pelo dinheiro: “Felicidade é ter saúde, é ter casa, é ter
família”.
E a verdade é que a literatura mostra mesmo isso: o dinheiro, por si só, não traz felicidade.
“Os ricos e os pobres não têm grandes diferenças de felicidade a partir
do momento em que têm as necessidades básicas asseguradas. Ou seja, não
é o rendimento que explica a diferença de felicidade entre as pessoas”,
explica Maria João Gouveia.
Esta professora universitária
acrescenta que “está estudado que, por exemplo, quem recebe o prémio do
Euromilhões fica muito feliz no momento, mas depois os níveis de
felicidade descem para valores normais”. E isto acontece tanto em caso
de coisas positivas como de coisas negativas. “É a tal aprendizagem”,
sublinha Maria João Gouveia. “Há um reequilíbrio entre a felicidade e a
infelicidade”.
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Reportagem por Maria Dionísio
Fonte: O Observador, site de Portugal, 10/05/2015
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