Minha caixa do Facebook se abre e lá
aparece um rapaz (nunca uma moça, nesse caso): “qual o sentido da
vida?”, ele pergunta. É claro que no primeiro impulso todo filósofo
gostaria de dizer: “nenhum”. Filósofo que é filósofo não perde a chance
de constranger um jovem. Todavia, às vezes tento contar até vinte, de
modo a poder dar uma resposta antes de professor que de filósofo. No
Brasil de hoje, talvez alguns precisem mais de professores que de
filósofos.
O sentido da vida, para nós, filósofos
contemporâneos, não é diferente do sentido da vida vislumbrado por todos
os intelectuais que abandonaram Platão e Hegel. A vida não está presa
ao sentido do cosmos ou do mundo. A região das Ideias ou das Formas, que
põe o mundo acima de nós, ou o Espírito, que produz o mundo junto
conosco, esses dois tipos de realismo criados por Platão e Hegel (sim,
há toda uma bibliografia de língua francesa e alemã que os trata como
idealistas, eu sei – isso não muda nada), não têm muitos adeptos entre
nós. Preferimos dizer que o mundo não tem qualquer sentido inerente e
que, portanto, a vida deve ser interpretada como a nossa vida
individual, e a esta temos que dar, nós mesmos, um sentido. Que cada um
de nós levante de manhã e se comporte como o animal prenhe de semântica
que, enfim, é o que somos.
Muitas pessoas pensam que fazem isso,
mas apenas escamoteiam o platonismo e/ou o hegelianismo que nelas está
embutido, mas sem qualquer filosofia e, sim, como mero senso comum,
talvez o pior de todo o senso comum já visto. Ou seja, boa parte de nós
quer encontrar em um algum ponto o Real, e então moldar sua vida segundo
tal Realidade. Deus, cidade, nação, pátria, partido, clã, time de
futebol, vingança, “biologia”, mulher pelada, nosso “eu” etc. – há
dezenas de elementos que imaginamos que não foram criados por nós e que
podemos acreditar que são o Real. Ora, se são o Real, e então detém os
valores que exigimos que sejam perenes. Acreditando nisso, podemos
denomina-los de “verdadeiros” e, com tal axiologia pronta nas mãos,
fundamos uma ética e uma moral. Ótimo! Acreditamo-nos como humanos
dignos do mundo.
A proposta da filosofia contemporânea,
que eu endosso, é um pouco mais ousada. O mundo não tem sentido, e cada
um de nós põe o sentido que quer nele. Mas, para falarmos aí em querer,
temos de admitir algo um tanto simples: que o nosso querer é delineado a
partir de uma geografia e uma história, e o máximo que podemos fazer
quanto a isso, em sentido de ganhar liberdade, é reconhecer tal coisa ao
notarmos de modo inteligente outras geografias e outras histórias. Ou
atravessamos nosso tempo e lugar para então voltar a ele, ou teremos
pouco a acrescentar no “sentido da vida” que pomos para nós além do que
aquele que outros já puseram para nós.
Na linguagem de Sloterdijk: temos de
construir novamente e sempre mais uma vez nossa esfera, exibir nossos
dotes de “designer de interiores”, repor as promessas de nossas mães de
que “tudo vai ficar bem”, que assumimos como nossas mesmas como
autopromessa, e então ir adiante. Na linguagem de Rorty: temos de ser
etnocêntricos críticos, ou seja, criar valores sabendo que os nossos
valores dados pela nossa geografia e nossa história contém muita coisa
que não conseguiremos abrir mão. Na minha linguagem: temos de atravessar
a soleira da casa de nossos pais, colocar uma perna para fora levando
nosso cérebro para longe, mas voltando sempre, e isso temos que fazer na
oração. Ter a capacidade de dar sentido a vida é exatamente esse
esforço, concomitante ao esforço de saber rezar. A oração (1)
nada é senão a volta para a casa, em pensamento, onde nossos
antepassados se manifestam como deuses. Quando na oração falamos “pai”,
não raro estamos chamando nosso pai terrestre ou parente equivalente,
pedindo a ele que nos reponha os valores de casa, que nos dê algo
familiar no mundo estranho, e que com isso possamos colocar algum vetor nosso nesse mundo.
Quem não sabe rezar dificilmente
consegue colocar um sentido para a vida. Mas quem sabe rezar porque
aprendeu nas igrejas, nunca terá sentido algum posto por si mesmo, só um
sentido parcial, que se faz total, o sentido do dinheiro. Mas o
dinheiro, sabemos bem, é mais um dos elementos que não têm sentido, é
coisa de pastor.
(1) Sobre a oração, ver: Ghiraldelli, P. Filosofia, amores e companhia. São Paulo-Barueri: Manole, 2010.
-----------------
* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/sentido-da-vida/20/05/2015
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário