A Universidade é o local ideal onde a fé e a cultura devem procurar a Verdade. O serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior quer ajudar a este diálogo, auxiliando as instituições a reposicionaram-se na sua função de levar os alunos a fazerem perguntas. No início das suas funções enquanto assistente nacional deste serviço o padre Eduardo Duque traça à Agência ECCLESIA os principais objetivos que gostaria de desenvolver, independentemente de quem, no futuro governo, venha a assumir a tutela.
Agência Ecclesia (AE) - Dias após a divulgação da sua nomeação pela
Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou como objetivo a
necessidade de que cada diocese tenha um responsável pela pastoral
universitária. Que realidade lê na pastoral do ensino superior para
formular essa meta?
Padre Eduardo Duque (ED) - Todas as instituições precisam de
um motor: se esse motor andar bem, a instituição anda bem. Se em cada
diocese houver alguém que seja o motor, então a pastoral universitária
terá expressão, porque neste momento, não tem representatividade
suficiente. Algumas dioceses não têm representação na pastoral nacional.
AE - Que consequências encontra dessa falta?
ED - O país não está bem representado: as realidades, as
vivências religiosas. Encontramos uma pastoral nacional centrada em
Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Aveiro, mas todas as outras zonas
possivelmente não estarão tão bem representadas. Uma das minhas
preocupações é que em cada diocese haja um motor, alguém que puxe,
alguém que convoque e provoque este encontro entre a Universidade e a
Igreja. Caso contrário, a nossa missão não faz sentido.
AE - Até para ajudar alguns responsáveis a trabalhar com os jovens nesse meio, porque muitos não saberão como…
ED - Um dos desafios que estou a sentir, que tenho vindo a
sentir, e agora de uma forma mais explícita, é fazer o que não fizeram
comigo. Comecei na pastoral universitária (em Braga, ndr) sem
formação e a tentar fazer pastoral de forma caseira: tentando
aproximar-me das pessoas, sugerindo alguns encontros, ver o que se
fazia. Se tivermos uma pastoral universitária mais unificada e
simultaneamente, em todas as dioceses, estaríamos a otimizar recursos e
estratégias para quem está a começar.
Creio que seria muito importante propor futuramente uma formação para
que esse motor, antes de assumir funções, possa preparar-se para o
início do ano. No fundo possa fazer a experiencia e aprender o que é a
pastoral universitária, que atividades se fazem, qual é a missão da
Igreja na Universidade.
Se assim for a pessoa desenvolverá funções com maior segurança, bem
alimentado para poder alimentar os estudantes, professores e
funcionários.
AE - Como é que se deve desenhar a presença da Igreja no meio universitário?
ED - Uma das coisas que me é muito querida é o diálogo entre a
fé e a cultura. Creio que existe uma falta de sintonia entre as duas e
devemos ajudar a mostrar que não são duas dimensões do ser humano mas
que ambas coabitam no mesmo espaço, na nossa vida, na mesma pessoa.
Estas duas dimensões interagem. Do meu ponto de vista, se integradas e,
de facto se caminhassem juntas, não saberíamos separá-las: uma fé que
caminha passo a passo na Universidade, uma fé que caminha pouco a pouco
com a cultura da pessoa e, simultaneamente, a cultura que vai à procura
de razões, de verdade.
Quer a fé quer a cultura têm de procurar a verdade e o local ideal é a
Universidade, porque a Universidade ensina a fazer perguntas, não dá
respostas, ou dá poucas. Deveria levar a pessoa a fazer perguntas.
O estudante vai procurar as respostas nos livros, nos apontamentos,
online, etc. Mas acima de tudo o professor devia desafiar o aluno. É a
cultura que desafia o individuo que tem fé. A pessoa que tem fé,
simultaneamente, está a ser desafiada e está a responder àquele ato. Os
tempos que estamos a viver são propícios para esta caminhada.
Isto leva-nos a pensar que durante muito tempo a Igreja viu a
modernidade como um bicho papão e deu-se uma grande separação.
Atualmente, está a dar-se uma aproximação, a Igreja caminha e está em
todos os meios, caminha com as dificuldades e alegrias das pessoas. Se é
esta Igreja que caminha, então é altura para nós potenciarmos e
mostrarmos que há um caminho a fazer, que é o caminho da pessoa -
mostrar que a pessoa que tem esta dimensão religiosa, uma dimensão da
procura, é também a pessoa que procura a sua realização e, dentro de si,
ser melhor pessoa. E isto acontece onde? Na pessoa. Nós somos um só.
Fernando Savater, inspirado numa ideia aristotélica, dizia que existe
um problema quando nós pensamos que somos um só. Nós somos um só em
várias dimensões, mas a pessoa torna-se mais rica quando ela própria
aprende a conviver com as suas várias realidades. Em si faz a própria
simbiose. Aquela pessoa que sente este chamamento de Jesus está
simultaneamente a cultivar-se.
AE - Nesse encontro, poderíamos colocar a fé e a ciência, tantas vezes vistas como antagonistas?
ED - Eu não assumiria esta missão se pensasse de outra forma. A
Universidade é o local ideal para se procurar a verdade. A verdade é o
diálogo entre a fé e a ciência.
Na Antiguidade havia uma razão que dava sentido a tudo. Essa razão
aproximava-se muito da cosmologia religiosa. A religião explicava tudo.
Entretanto, esta razão explicadora foi-se diferenciando em vários
saberes, várias ciências e encontramos uma razão diferenciada.
Max Webber diz que é desta diferenciação da razão que proliferam várias
esferas de sentido, várias esferas de valor. É aqui, nesta razão
diferenciada, que acontece um encontro mais verdadeiro. Na expressão de
Webber, como existem muitas esferas de sentido, a pessoa tem muitos
caminhos para eleger e procurar.
A grande questão é: nesta oferta com tanta diferenciação da razão nós
procurarmos o nosso caminho e cada pessoa deve fazer esse caminho, a
procura da verdade. Para quem é crente e cristão, a sua verdade é o
encontro com Cristo. Os tempos que vivemos são brilhantes para que cada
ser humano encontre esta verdade.
São João da Cruz tem uma frase interessante, porque diz que perder-se
na estrada é encontrar o caminho. A razão diferenciada é a grande
estrada e, às vezes, perder-se nesta estrada é encontrar o caminho. No
meio destes saberes, da pluralidade de tanta oferta tão típica da
pós-modernidade, saber encontrar o seu caminho e a sua verdade é
estupendo.
Creio que dá simultaneamente uma frescura à vida, torna-a mais leve.
Temos de tornar a nossa vida mais leve, não só para nos sentirmos bem
mas também para a transmitir aos outros. Em tempos tão difíceis, é
importante saber escolher. Para isso é preciso ter razões para escolher
bem.
AE - Recentemente o Secretário de Estado do Ensino Superior, José
Ferreira Gomes, afirmou a necessidade de, perante os desafios
demográficos, a Universidade se reinventar. Que contributo pode a Igreja
dar a esta reinvenção do ensino superior?
ED - Creio que Portugal - não só o nosso país mas outros
igualmente - vai ter de fazer uma séria reflexão sobre o Ensino
Superior, porque pode estar a enveredar por um caminho de
racionalização.
Poderemos não vir a ter alunos para todas as Universidades, o que
levará a um redimensionamento das instituições que, naturalmente, estão
muito preocupadas com números, em cativar os alunos e menos em propor
pensamento, em procurar a verdade de que falamos.
Claro que é importante ter alunos, tal como é importante ajustar a
oferta às necessidades do mercado. Mas que a Universidade seja o local
onde cada aluno possa encontrar a verdade; onde os professores não sejam
simples funcionários, mas aqueles que professam a verdade. Então o
aluno é tocado por aquele docente perante o que lhe está a ser ensinado.
Creio que vale a pena repensar as Universidades em Portugal e neste
sentido, se assim pudermos contribuir, aportando uma ou outra ideia, no
sentido de lutarmos contra um pensamento muito neoliberal. Ajudarmos a
que a Universidade seja o local da procura da verdade e não tanto a
instituição que anda no afã de encontrar alunos para a sua subsistência.
AE - A Igreja deseja ser condutora da procura da verdade, do bem e
da beleza, também aqui na pastoral do ensino superior, como explicou,
mas não podemos esquecer que a presença da Igreja na Universidade é
também um ponto de apoio social e económico para muitos alunos…
ED - Nos últimos anos a Pastoral do Ensino Superior fez uma
reflexão em torno dessa questão, que se poderá colocar novamente, porque
haverá alunos que continuam a não ter as suas necessidades básicas
satisfeitas para ingressar no ensino superior.
Em Braga – e falo de Braga porque, neste aspeto, é a realidade que
conheço melhor – ajudamos imenso vários alunos, em especial vindos do
PALOP. São alunos que chegam a Portugal à procura de um país cor de
rosa, onde possam estudar e simultaneamente encontrar trabalho para
compensar o pagamento das propinas. Mas este Portugal, hoje, não existe.
É preciso pensar se muitos dos alunos que vêm dos PALOP estão de facto
bem conscientes da nossa realidade económica e social para que não
venham enganados.
Temos ajudado muitos alunos, é verdade, alguns portugueses também.
Creio que valerá a pena fazer uma reflexão conjunta e, talvez numa das
próximas reuniões, pensar sobre a melhor forma e, no fundo, fazer um
diagnóstico da procura e apoio por parte dos alunos.
AE - Alguns para não desistirem dos seus cursos...
ED - Vamos acompanhando algumas situações, todavia em
conjunto, este ano não fizemos uma análise desta questão. Gostaria de a
fazer em breve para repensar a nossa forma de ajuda e estar
verdadeiramente junto dos estudantes porque é essa a nossa missão.
AE - O Ensino Superior sofreu, com o último governo, uma
«descategorização», estando sobe a alçada de uma secretaria de Estado. O
ministro Nuno Crato está a encerrar funções e o padre Eduardo Duque
está a iniciá-las. Como gostaria que fosse a parceria estabelecida com o
futuro governo nesta área, independentemente de se manter como
secretaria de Estado ou como ministério?
ED – Independentemente de quem vai estar em funções, seja o
professor Nuno Crato ou outro no lugar, o que me preocupa não é a pessoa
em si mas o modelo de Universidade porque implica uma pessoa.
O que queremos para a nossa sociedade? Que tipo de pessoa queremos? O
nosso contributo pode ser mais nessa reflexão. Não só mandatados pela
Doutrina Social da Igreja, ajudando quem precisa, mas também no domínio
da reflexão.
O que podemos fazer para contribuir para criar uma Universidade mais
autêntica, que ajude a formar melhor as pessoas, que cada pessoa ganhe
autoconsciência?
Creio que a nossa posição deverá ser neste caminho, independentemente
de quem venha a ser responsável prelo setor. O mais importante seria
resgatar a Universidade de um caminho tão preocupado com números – e a
questão demográfica vai colocar-se indubitavelmente – mas retirar a
Universidade destas preocupações e levá-la para o seu local certo que,
acreditamos, é ajudar a formar homens e mulheres.
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Reportagem por Lígia Silveira 22 de Maio de 2015
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/entrevistas/universidade-fe-e-cultura/
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