sexta-feira, 15 de maio de 2015

Não estou fechada para balanço, mas também não tenho pressa de amar

 Nara Rúbia Ribeiro*
 sozinha

As pessoas andam apressadas demais. Eu, não. Gosto de ver a vida com a paciência de quem já visitou os primórdios do mundo. Peço licença ao silêncio e cantarolo, vez ou outra, alguma canção de Caymi. É incrível como toda pressa se esconde diante da mansidão de Caymi, envergonhada: “Minha jangada vai sair pro mar”… E ela sai, mesmo que o mar seja de utopias, de incertezas, mesmo que ninguém me acompanhe. A propósito, esclareço que iniciei esta crônica para dizer que não tenho pressa de amar.

Na espera de que algo aconteça, perdemos, despercebidos, o acontecido. Eu aprendi a fazer amor com o tempo. A enamorar-me dos ponteiros do relógio. Aprendi com Drummond que amor é verbo intransitivo e amo sem precisar de um outro específico, sem projetar nele as minhas frustrações e carências, sem exigir carícias, sem mendigar atenção. E estou pronta e viva a tudo o que do Universo recebo e diante dele eu me curso, em gratidão.
Eis algumas razões da minha ausência de pressa…

1 – A minha solidão nunca está sozinha.
Tenho muitos eus. Estar sozinha comigo mesma faz com que seja possível esse diálogo entre as várias partes de mim, de sorte que eu venha a compreender-me de modo total e perene.

2 – A única história de amor que nos complementa é o amor próprio.
Ninguém se complementa no outro. Não raro, o que fazemos é nele projetar as nossas lacunas, fazendo-o escravo das nossas dores e álibi da nossa fraqueza, culpando-o por nossa carência infinita. Estar com o outro para dele algo receber é desconhecer as bases da afetividade mútua.
É necessário que nos amemos a ponto de cortejarmos, secretamente, a nossa própria companhia, enamorados de nós mesmos.

3 – Não é que eu tenha medo de amar. O que temo são desamores disfarçados de afeição.
As pessoas querem demasiadamente um amor. Mas poucos estão preparados para ver, no outro, a beleza do seu sorriso, a força de suas marcas de expressão, a grandeza das entrelinhas daquilo que ele fala.

O que se quer é a desesperada companhia, o prazer carnal, é ver-se aceito no outro. Raros são os que percebem que esse querer, em regra, faz do outro um objeto para a nossa pessoal realização, prova maior do nosso egoísmo.

4 – Passei por metamorfoses e amo como se “metamorfosse
Já passei por muitas crises existenciais. Diversas tiveram por gatilho amores não correspondidos, relacionamentos desfeitos, términos mal alinhavados, coração retalhado, vastidões de vazios. Mas, após passar por tantas metamorfoses, a minha alma ama como se o amor fosse um fim em si mesmo. Como se eu me enamorasse de amar. Como se o meu mar de sentimentos metamorfosse.

E a minha jangada sempre sai pro mar… Esse é o trabalho da minha alma e, como dizia Caymi, “um peixe bom” todos os dias “eu vou trazer”, afinal, a vida só tem propósito para  aquele  que não espera por outro para arquitetar o próprio viver.

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*Escritora, advogada e professora universitária.Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.Mia Couto oficia

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