Ontem, tive um insight. Apesar de ser apreciadora do romance profético Admirável mundo novo
de Aldous Huxley , livro que li na faculdade indicado pelo meu
professor de Filosofia ( o brilhante Felipe Pondé) e citar Bauman em
muitas de minhas aulas no curso de Comunicação Social, apenas ontem
juntei lé com cré e talvez tenha descoberto o porquê da série de
desastres afetivos vivenciados por mim.
Ontem, antes de ir para mais uma aula, senti um misto de melancolia e
alívio ao mesmo tempo. Continuo defendendo a ideia de que o amor existe e
de que muitos casais conseguem construir relações estáveis e
duradouras. Continuo acreditando na beleza de um casamento longo,
pautado pelas renúncias mútuas e pelo companheirismo irrestrito.
Mas por outro lado, comecei a perceber que talvez este tipo de amor
resignado, doce, companheiro, fiel, esteja cada vez mais raro e
encontrá-lo se tornou quase um golpe de sorte como ganhar na loteria.
Baumam, o sociólogo polonês que já publicou mais de 60 livros ( mais de
30 traduzidos para o português) defendeu em suas obras a liquidez da
pós-modernidade. Entre seus livros famosos estão Amor líquido, Modernidade líquida, Vidas desperdiçadas e Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.
Bauman critica veementemente o consumismo e a liquidez das relações.
Hoje tudo é feito para ser usado e descartado, desde objetos até
empregos, relações de amizade e relações conjugais. Vivemos a Era do
descarte. Costumo dizer em minhas aulas baseada nos textos que leio que o
Marketing é a ciência do século XXI. Tudo passa pelo Marketing porque
tudo virou produto.
O jornalismo está cada vez mais comprometido com o consumismo ao
invés de denunciar a realidade. A educação está se transformando numa
das categorias mais vis de comércio, a arte cada vez mais silenciada, as
novelas cada vez mais distantes da cultura popular e cada vez mais
atreladas à cultura de massa, os prestadores de serviços de um modo
geral cada vez mais preocupados com a autoimagem e o status, incluindo
médicos e advogados. E nas relações pessoais, tudo é página virada do
meu folhetim, como diria Chico Buarque.
Objetos, empregos e relações foram feitos para serem descartados
brevemente. Tudo precisa ser cool e light. Começamos ignorar que é no
peso que nos fortalecemos, que aprendemos, que ensinamos, que deixamos
um pouco de nós aos outros e os outros deixam algo deles para nós. O
amor de uma mulher por seu filhinho é cool e light? Se o bebê adoece e
corre risco de morte , a mãe simplesmente entende que aquela relação já
cumpriu o seu ciclo? E é aí que entra o pensamento do escritor Aldous
Huxley.
Quem não se envolve, quem não ama, quem não sofre, não vive. Sobrevive. No livro Admirável mundo novo,
as pessoas não podem encontrar mais de três vezes o mesmo parceiro
sexual. Transar é cool. Se envolver, se apaixonar, amar verdadeiramente é
pesado, doentio, imoral, passível de punição. As pessoas não param de
tomar cápsulas para se sentirem artificialmente felizes. Alguma
semelhança com o nosso tempo?
Talvez aquele amor perseverante, feito para durar tenha se perdido junto
com o último ou penúltimo modelo de Smartphone e alguns casais
iluminados conseguiram sobreviver a este lixão afetivo em que se
transformou a vida da maioria das pessoas, mesmo contra a vontade delas.
Os desafios que deveriam fortalecer as relações , são os principais
motivos de descarte. Ficou complicado demais? Melhor partir para outra.
Obviamente algumas relações devem acabar mesmo. Alguém que coloca a
nossa sanidade física e emocional em risco não merece ser o nosso
parceiro. O problema é que a menor das incompatibilidades vira motivo
para o the end.
Não aceito e nunca aceitarei este tipo pobre de relação. Um ano com o
João, seis meses com o Pedro, dois anos com o Tiago. Com um dei boas
risadas e visitei a Grécia. Com outro, me dei bem na cama e aprendi a
comer comida tailandesa. Com o terceiro, tive altos papos e aprendi mais
sobre mim ( os exemplos citados são ficcionais). Não! Não quero fazer
uma coleção de experiências , um mosaico de amores , onde tiro uma lição
de cada relação. Quero o amor do vovô e da vovó: chato, implicante,
cansativo, mas cheio de afeto, cuidado e integridade. E se não puder
tê-lo, prefiro a solidão. Para mim não há nada mais pesado do que uma
vida cool.
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