domingo, 17 de maio de 2015

Gaúchos promovem encontros para discutir 'crise de identidade' local

 

Crise amorosa, existencial, profissional. São inúmeras as razões que levam as pessoas a procurar ajuda psicológica. Mas, no Rio Grande do Sul, há ainda outro motivo: ser gaúcho. 

O diagnóstico do mal-estar que está colocando os gaúchos no divã é o ponto de partida de uma série de debates promovidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Associação Psicanalítica de Porto Alegre. 

O objetivo do projeto "NósOutros Gaúchos" é tentar entender as origens da angústia que nem o bairrismo de seus moradores consegue mais disfarçar. A visão dos "outros" sobre a cultura gaúcha também será debatida. 

No primeiro encontro, em Porto Alegre, foram discutidos dois dos sintomas que, segundo o psicanalista Jaime Betts, provocam sofrimento na população local: a exaltação e a falta de consenso sobre qualquer tipo de assunto. 

Eles podem parecer abstratos, mas Betts afirma que afetam a vida dos indivíduos a ponto de levá-los a procurar psicoterapia. O hino do Rio Grande do Sul, por exemplo, prega que as "façanhas" dos gaúchos sirvam de modelo a toda Terra, enquanto no Twitter os locais se gabam ao falar do Estado usando a hashtag #RSmelhoremtudo ao lado. 

"A exaltação significa justamente o oposto: sentimento de inferioridade", explica Betts, diretor da associação. 

Até mesmo o fato de não desgrudarem do chimarrão representa, segundo Betts, a baixa autoestima coletiva, originada na própria história do Estado. O mito do gaúcho herói se baseia na luta dos antepassados para criar a República Farroupilha. 

Na verdadeira Guerra dos Farrapos (1835-45), porém, os separatistas eram minoria. "Com mais erudição, as pessoas percebem que essa identidade não serve para nada, a não ser para gerar sofrimento", afirma o historiador Tau Golin, da Universidade de Passo Fundo (UPF) e que participou do primeiro encontro. 

A falta de consenso em tudo afeta também relacionamentos. Segundo o psicanalista Betts, o diálogo é difícil mesmo dentro das famílias. 

Mas, se os fatos não convencem, o humor é a melhor saída. Há mais de 30 anos o personagem Analista de Bagé, do escritor Luis Fernando Verissimo, satiriza o gaúcho "bagual". Em um de seus contos, ele diz ao paciente: "Depressa que eu estou com a salinha cheia de louco". 

ANALISTA DE BAGÉ
 
O Analista de Bagé, personagem criado nos anos 80 pelo escritor Luis Fernando Verissimo, falou com a Folha por e-mail. As crônicas do consultório do psicanalista formado em Paris, com especialização em Passo Fundo (RS), estão entre as preferidas do autor. 

Folha - Quais os principais problemas dos gaúchos que procuram seu consultório hoje?
Analista de Bagé - O que mais aparece é identidade sexual indefinida (ninguém mais sabe se é gay ou se é coisa passageira, tchê) e sentimento edipiano mal resolvido com relação à Dilma. 

Os gaúchos são mal compreendidos pelo resto do país ou há motivo para achá-los diferentes?
Nós é que não entendemos o Brasil, tchê. Está certo, vocês têm a desculpa de não serem gaúchos. Mas podiam pelo menos disfarçá. 

Como a psicanálise explica a cuia e a bomba de chimarrão?
A cuia representa o seio materno, mas a bomba não é um símbolo fálico, que ideia! 

O sr. continua vinculado à Sociedade Psicanalítica de Bagé, no CTG Rincão da Sublimação Consciente?
Fui expulso. Não teve nada a ver com minha oposição às ideias ortodoxas da Sociedade. É que fiz xixi na piscina. 

A terapia do joelhaço continua eficaz?
Continua, e já foi, inclusive, adotada em outros países.
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Reportagem por   AULA SPERB
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CAXIAS DO SUL (RS)
Charge por  Edgar Vasques/Reprodução
Fonte: Folha online, 17/05/2015

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