sexta-feira, 1 de maio de 2015

A morte de um filósofo alemão

Juremir Machado da Silva*

Uwe-Justus Wenzel. In: Neue Züricher Zeitung, dia 22 de abril de 2015.
Uma homenagem póstuma ao falecimento do Michael Theunissen

Uma outra vida que não a oferecida

No dia 18 de abril – conforme veio a domínio público – faleceu em Berlim o filósofo Michael Theunissen.

Despertava suspeita nele todos aqueles filósofos “que perdem sua reputação na relevância pública e reagem a este estado de coisas se oferecendo de modo servil à publicidade”. Michael Theunissen revelou isso numa entrevista que foi divulgada na Neue Zürcher Zeitung por ocasião do seu septuagésimo aniversário em 2002. Com tal afirmação, ele não tinha em mente apenas aqueles colegas que tomam a arte de viver e a terapia como tendência e atividade principal da filosofia, mas também aqueles que oferecem assessoria política e, nesse caso, limitam-se a espelhar ideologias políticas. Tal prática Michael Theunissen certamente não apresentou; mesmo em outros espaços – como, por exemplo, o da publicidade acadêmica – ele raramente apareceu.

Ele se distingue de seus colegas – poucos anos mais velhos e ainda publicamente ativos – Jürgen Habermas, Hermann Lübbe e Robert Spaemann. Juntamente com estes e com outros filósofos, como Ernst Tugendhat, Dieter Henrich e Odo Marquard, Michael Theunissen deve ser certamente lembrado mesmo que por outras razões, porém com a mesma intensidade: todos iniciaram seus estudos após a Segunda Guerra Mundial e têm a seu favor, ou não, o fato de que eles cunharam – seja do mesmo lado, seja um contra o outro – essencialmente a filosofia de língua alemã de pouco tempo atrás, mesmo, assessoriamente, suscitando também a atenção da opinião pública ou não.

Theunissen também não concebeu a filosofia como um mero exercício acadêmico – desfazendo assim a associação de que a filosofia é algo afastado da vida. A filosofia era concebida por ele, se não como realista, assim, todavia, como significativa para a vida. Foi esse espírito cultural e histórico que ele buscou apresentar quando lecionou nas universidades de Berna, Heidelberg e Berlim.

A seu modo ele se referiu a Goethe e, ocasionalmente, citou o verso correspondente ao “Divã do Oriente e Ocidente“ (1819): “Quem não sabe dar conta de três mil anos permanece no escuro como um inexperiente e passa a querer viver dia a dia”. Contudo, na rememoração da história da proveniência – sobretudo por meio de uma interpretação sutil, meticulosa e cuidadosa dos clássicos filosóficos – Theunissen não parou aí. Ele tinha a convicção de que a filosofia tem a função de sugerir “uma vida alternativa à convencional” e, assim, preencher uma carência contemporânea que brota de um mal-estar, a saber, que não há alternativas a este modo de vida que levamos.

Theunissen defendia, vivenciava e ensinava que a filosofia tem sua origem e pulsão a partir dessa carência. Em outras palavras, a filosofia, contrariamente ao que se diz, não surge tão somente da admiração, mas da experiência do sofrimento. Como ele formulou certa vez, “os homens deixariam de filosofar se existisse um mundo sem sofrimento”. 

O pensamento de Theunissen ganhou força dialética a partir da tensão entre Kierkegaard e Hegel, Heidegger e Adorno, e moveu-se justamente em torno dessa perspectiva existencial, mantendo-se bastante próximo da Teologia. E foi aí mesmo, quando ele parecia se afastar de uma doutrina religiosa, que ele constatou como ponto de partida do seu embasamento filosófico a autoalienação de seu tempo: a experiência de não saber mais “quem nós somos enquanto seres humanos e o que nós devemos ser enquanto seres humanos”. A partir dessa experiência, a filosofia recebe sua legitimidade e adquire sua primeira orientação “negativista” – não daquilo que deve ser, mas daquilo que não deve ser. Theunissen defendida, neste sentido, um negativismo filosófico.

E qual seria a orientação última de sua filosofia? Jürgen Habermas percebeu no pensamento de Theunissen um “contorno filosófico” do Evangelho. De fato, Theunissen, nascido em 1932 numa casa paterna pertencente à Igreja Confessante, foi inserido no protestantismo confessional; anos mais tarde viria a admitir que exercia – pelo menos também – uma “filosofia religiosa”. Embora “religiosa”, esta filosofia não se limitou ao cristianismo, como bem mostra sua monumental obra da maturidade: “Píndaro. A sorte humana e a virada do tempo” [Pindar. Menschenlos und Wende der Zeit] (2000), uma obra sobre o antigo poeta Píndaro, que retrata a vida cotidiana dos homens e do Deus do tempo, mas que tem no cristianismo seu ponto gravitacional de existência.
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Tradutor: Christian Iber, Porto Alegre, abril de 2015.
* Sociólogo. Professor universitário. Escritor.
Fonte: Correio do Povo, 01/05/2015
imagem da Internet

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