Em
congresso no Rio, professor de Harvard diz que isso tem a ver com
tribalismo político: acreditamos naquilo que faz nossa tribo parecer
bem, mesmo que fatos não comprovem a ideia
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO* - O psicólogo e linguista canadense Steven Pinker
decidiu que queria ensinar e escrever sobre racionalidade humana. A
ideia era falar sobre ferramentas como lógica, probabilidade,
estatística, teoria da escolha racional, teoria dos jogos, correlação e
causalidade. No entanto, as pessoas estavam interessadas em outra coisa.
“Elas queriam saber por que o mundo estava enlouquecendo”, conta ele,
que é professor da Universidade Harvard, autor do best-seller Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress (O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo, no título em português) e já foi considerado, mais de uma vez, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.
“Por
que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? Notícias falsas? Em
tratamentos médicos malucos, como a homeopatia, mas ao mesmo tempo
negam as vacinas? Por que as pessoas acreditam em percepção
extra-sensorial? Clarividência? Ver o futuro e vidas passadas? É nisso
que as pessoas estão realmente interessadas, não tanto em por que somos
ruins em probabilidade e estatísticas”, disse ele neste sábado, 29,
durante participação no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e
Emoções, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 29 de junho.
Ele
segue aconselhando que as pessoas se dediquem às ferramentas básicas,
no entanto, lançou-se ao desafio das questões com as quais foi
confrontado. “São vários motivos, não apenas um”, fala.
Entre
eles, algumas crenças ou “intuições” humanas, como dualismo
(“acreditamos que cada humano tem um corpo e uma mente”), essencialismo
(“pensamos que os seres vivos têm algum tipo de substância invisível ou
química neles que os torna vivos, que lhes dá forma e poderes”) e
teleologia (tudo o que fazemos tem uma razão/propósito), mas, para
Pinker, o mais importante é o que ele chama de tribalismo político.
Para você
“Poucas
pessoas mudam de opinião por causa das notícias falsas. As notícias
falsas reforçam os preconceitos políticos delas”, afirma. “As pessoas se
dividem em setores, tribos ou coalizões, e as ideias que acreditam não
são as ideias que são verdadeiras, mas as ideias que fazem a coalizão
delas parecer mais inteligente, mais competente, mais moral e nobre do
que as outras tribos.”
E
é por isso que ele lança o seguinte desafio, que pode parecer óbvio,
mas, segundo ele, contra intuitivo para a natureza humana: “você deve
acreditar apenas em coisas para as quais há evidências, para as quais há
uma boa razão para acreditar que são verdadeiras”.
“Cheguei
à conclusão de que essa é a ideia mais radical na história humana”,
afirma. “É uma boa lição moral para os jovens: a ideia de que você pode
estar errado. Você deve deixar os fatos dizerem o que é certo e errado.
Esta é uma ideia muito estranha, exótica, não natural, mas é uma ideia
importante, e acho que temos que apoiar a ideia de que somos ignorantes
sobre a maioria das coisas.”
“A
única maneira de estar certo é tentar testar nossas ideias, tentar ver o
que as tornaria falsas, ver se elas sobrevivem a testes de
falsificação. Este é, basicamente, a mentalidade da revolução
científica, mas não penetrou toda a população, nem mesmo toda a
população de cientistas.”
Negacionismo
A
exacerbação desse tribalismo é o que, para Pinker, nos colocou cara a
cara com a negação da ciência. Mas como chegamos até aqui?
Ele
sugere duas respostas. A primeira é de que as redes sociais fazem as
pessoas viverem em bolhas. “Elas são uma máquina para reforçar o
tribalismo.” No entanto, ele acha que esse fenômeno não responde por
completo, nem mesmo é a mais importante explicação. Pinker avalia que,
ao longo das últimas décadas, houve um aumento significativo da
“segregação por educação e classe”.
“Cada
vez mais pessoas com diplomas universitários vivem próximas em áreas
urbanas centrais. Pessoas que não são tão graduadas vivem nos subúrbios
mais distantes ou nas áreas rurais”, pontua. “As pessoas são muito mais
propensas a apenas viver com pessoas que têm as mesmas crenças. É mais
fácil demonizar as pessoas que você nunca conheceu.”
‘É preciso despolitizar a ciência’
Alguns,
diz Pinker, avaliam que, para enfrentar o negacionismo científico, o
ideal seria ensinar mais ciência às pessoas. Ele não acha que essa seja a
solução.
“A maioria dos cientistas tem a teoria errada sobre por
que as pessoas negam a ciência. Eles pensam que as pessoas que negam a
mudança climática, vacinas ou a evolução humana são ignorantes. Na
verdade, se você der testes de alfabetização científica a eles, como ‘o
que é maior: um átomo ou um elétron?’, vão ter as mesmas pontuações do
que aqueles que acreditam.”
Isso nos leva de volta ao tribalismo.
Para ele, é preciso, então, tirar a ciência dessa polarização,
despolitizando-a. “Precisamos tornar as questões científicas não
alinhadas com um lado político ou outro, e restaurar a confiança nos
cientistas, nas agências governamentais, jornalistas e estatísticos.”
Como? “Temos que admitir quando somos ignorantes, e mudar de opinião à medida que as evidências mudam.”
“Não
somos anjos, não somos deuses, apenas fazemos o nosso melhor”, aponta.
“A ciência realmente descobriu algumas coisas. Existem realmente
células. Há realmente algo chamado DNA. Mas nunca estamos 100% certos.”
Esse
raciocínio, claro, pode nos levar ao completo ceticismo. No entanto,
Pinker destaca que o consenso é importante. É assim, por exemplo, que
determinamos e aplicamos políticas públicas. O psicólogo aponta o melhor
caminho para chegarmos até ele.
“Muitas vezes haverá
discordância, mas você realmente tem que dizer sim ou não. Por exemplo,
no caso de um paciente com alguns sintomas e alguns exames médicos, você
nunca tem 100% de certeza se ele tem uma doença ou não. Opera ou não
opera? Dá o remédio ou não dá?”
Aí, segundo ele, precisamos
acionar a teoria da decisão estatística. “Você analisa quão ruim seria
estar errado em cada direção. Ou seja, quão ruim se ela não tiver a
doença, um falso positivo, em que o paciente poderia passar por uma
cirurgia desnecessária, e quão ruim seria se você estivesse errado, um
falso negativo, se for um câncer, talvez ele cresça rapidamente.”
“Você
junta essas coisas e, pelo menos, isso lhe dá uma base racional para
tomar uma decisão quando não pode ter certeza da verdade.”
*O repórter viajou a convite do Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções
Ilustração de Adams Carvalho
-
Adams Carvalho/Folhapress
Instituto bancado por americano prepara maior teste clínico com psilocibina, composto de cogumelos 'mágicos'
[RESUMO] Bill Linton, empresário
de Wisconsin (EUA), fundou o Instituto Usona, iniciativa sem igual que
mescla, com objetivo de fomentar pesquisa clínica com psicodélicos,
fornecimento de substâncias para outros pesquisadores e instalações para
treinamento e futuro tratamento de doenças. Outro desafio é decifrar o
enigma do pensamento consciente, para o qual recrutou psiquiatras,
químicos e os organoides cerebrais do neurocientista brasileiro Stevens
Rehen.
Visionário: o lugar-comum aplicado a empresários encontra sua melhor expressão literal emBill Linton.
O senhor de cabelos brancos, calça jeans, camisa branca e paletó azul
marinho que tira os sapatos para entrar na ala terapêutica do Instituto Usona passaria por pessoa comum, não fossem as visões que o tornaram um protagonista na atual renascença psicodélica.
Linton fundou em 1978 a Promega, empresa de 2.100 funcionários que
fatura US$ 750 milhões anuais (R$ 4,2 bilhões) com insumos para
laboratórios biomédicos, como enzimas. Ele tirou do bolso os recursos
para erguer na cidade de Madison, no estado de Wisconsin (EUA), o
instituto que combina infraestrutura de spa com laboratórios avançados
de alteração da consciência, contando com apoio financeiro de nove
fundações e famílias doadoras.
O Usona está à frente do maior teste clínico em curso para tratar depressão com psilocibina,
composto psicoativo de cogumelos "mágicos". Um estudo de fase 3 vai
comparar resultados de 240 voluntários tratados com duas doses da
substância (5 mg e 25 mg) ou com placebo, em seis estados dos EUA, e os
acompanhará por 12 meses.
Os dados servirão para embasar pedido de licença dessa terapia psicodélica à FDA, agência de fármacos dos Estados Unidos. Se não houver percalços, a aprovação deve sair em 2027. Antes disso, quase certamente, a empresa britânica Compass Pathways obterá sua autorização para tratamento semelhante.
"Às vezes é melhor não ser o primeiro", diz Linton. "Queremos fazer
direito. Não estamos nisso para pagar dividendos a investidores. Há
muitas pessoas que podem se beneficiar. Mesmo que haja muitas
organizações, não será o bastante."
Estima-se que 1 bilhão de pessoas sofram com depressão, ansiedade e
outros transtornos de humor no mundo. Desses, mais de 100 milhões
manifestam a forma refratária de depressão, que não melhora com os
antidepressivos existentes.
A fixação do empresário com psicodélicos começou em 1967, o ano do
Verão do Amor, quando estudava química na Universidade da Califórnia em
Berkeley. Ali tomou LSD uma dúzia de vezes, mas deixou de lado os psicodélicos, que se tornaram ilegais na década seguinte.
Essas drogas reapareceram em seu radar quando a vizinha Betty
foi tragada pela depressão após diagnóstico de câncer terminal. Ela
participou de experimento com psilocibina na Universidade Johns Hopkins e
retornou transformada, livre da sensação de desgraça iminente e
agradecida por viver cada dia nos poucos meses que lhe restavam.
O episódio reacendeu o interesse de Linton, e ele passou a estudar
substâncias alteradoras da consciência, buscando contato com
pesquisadores da área. "O fato de uma molécula, uma vez apenas, poder
alterar a visão de vida e morte de uma pessoa é em si mesmo notável",
disse numa entrevista de 2022.
Em 2014, ele e a médica Malynn Utzinger fundaram o Usona, organização
de pesquisa médica sem fins lucrativos para acelerar a pesquisa com
psicodélicos, patrocinando testes clínicos e fornecendo esses compostos
para outros neurocientistas.
O prédio do Usona de 8.600 m2 ficou pronto em 2023. Logo
na entrada, uma instalação com dois andares de altura reúne centenas de
discos de resina sustentados por fios pendentes do teto, uma das dezenas
de obras de arte encomendadas para compor o ambiente em que predominam
pisos, vigas e forros de madeira.
O saguão se abre para um átrio amplo, com lareira de pedra ainda mais
alta rodeada de sofás e poltronas. À direita, cozinha e copa
comunitárias que já acomodaram uma centena de visitantes. Mais comuns
são grupos pequenos de participantes em treinamentos, como terapeutas,
enfermeiros e assistentes sociais que se preparam para o advento de
tratamentos psicodélicos.
A sala contígua para projeção de apresentações tem mesas encimadas
por luminárias de LED cujas hastes formam hexágonos, pentágonos e linhas
do esquema da molécula de psilocibina. A substância, originalmente
obtida de fungos do gênero Psilocybe, é produzida por síntese com alta pureza no Usona e fornecida também para pesquisadores de fora.
Além de três salas equipadas para futura realização de psicoterapia
apoiada por psicodélicos, as instalações incluem recintos para
"trabalhos somáticos", como descreve Linton no papel de cicerone: banho
turco, massagem, sauna seca e úmida, ducha "experiencial" com
combinações variadas de jatos, luzes e aromas.
A cada novo ambiente, o empresário se adianta para operar a tela
sensível ao toque e demonstrar controle de luz artificial e natural. O
mobiliário segue inspiração oriental, pontuada por estilos primitivistas
ou abstratos nos quadros.
Há um jardim interno com plantas tropicais, alcunhado Amazônia. Seu
propósito é a prática do conceito japonês de "shinrin-yoku" (banho de
floresta), mesmo em dias de inverno —em Madison, em um inverno ruim
podem acumular-se 2 metros de neve.
O ápice de sofisticação surge em um salão de pé direito alto onde se
encaixa uma escultura ou megalustre com 75 mil pontos de LED. O enxame
de diodos emite ondas de cores cambiantes, a acompanhar a música de
longos acordes. O efeito é lisérgico.
No começo de maio, quando se deu a visita, o Usona estava um tanto
deserto. São 28 funcionários, vários trabalhando de casa. O instituto já
recebeu cerca de mil visitantes desde a inauguração, mas não investe em
marketing. Quem aparece vem por divulgação pessoa a pessoa.
Se e quando vier esse precedente, tenderão a multiplicar-se demanda e
oferta por terapias psicodélicas legalizadas, hoje restritas a injeções
do anestésico dissociativo cetamina, ou ketamina, para depressão.
A visita termina na biblioteca ao estilo europeu do século 19
em que Linton coleciona objetos de boticários e antiquários. Ele chama a
atenção para uma escultura guatemalteca de cogumelo, em pedra, relíquia
milenar que lhe foi oferecida por Paul Stamets, dublê de pesquisador e
guru celebrizado no documentário "Fungos Fantásticos".
Na biblioteca, a situação se inverte, e o empresário passa a
entrevistar o jornalista sobre a ciência psicodélica no Brasil e os
cultos em torno da jurema-preta (Mimosa tenuiflora),
árvore da caatinga que contém dimetiltriptamina (DMT) e é objeto do
livro "No Reino Encantado de Jurema", no prelo pela editora Fósforo.
Fica evidente que o empresário conhece bem as substâncias. Além da
psilocibina, ele se mostra interessado em 5-MeO-DMT, psicodélico
presente no veneno do sapo-do-rio-colorado (Incilius alvarius) e
em rapés de indígenas da Amazônia, hoje sintetizado e estudado inclusive
no Usona. Pergunta sobre os testes com a substância realizados pelo neurocientista brasileiro Stevens Rehen, utilizando organoides cerebrais.
Rehen ocupa um dos vértices do triângulo de pesquisa no complexo
Promega/Usona, ao lado do químico Alexander Sherwood e dos médicos Mike
Davis e Charles Raison, responsáveis pelos testes clínicos com
psilocibina. O brasileiro e Sherwood estão na base do triângulo, pode-se
dizer, porque se ocupam da ciência mais fundamental.
Foi depois de ler artigos de Rehen sobre organoides e psicodélicos,
em 2018, que Linton encasquetou de conhecer o neurocientista do Idor
(Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino) e da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). Convidou-o para palestras no Fórum de Consciência que
ocorre anualmente no campus da empresa.
Chegou a voar para o Rio de Janeiro, pilotando o próprio jatinho,
para visitar o laboratório no Idor. Propôs-lhe sabático de um ano em
Madison, mas a pandemia e a doença da mãe de Rehen,que morreria algum tempo depois, adiaram tudo. O brasileiro só baixou na Promega em agosto de 2022.
A adaptação em Wisconsin caminhou tão bem que Rehen até se
matriculou com o filho Gael para aulas de jiu-jitsu, em horários
subsequentes, numa academia Gracie Barra. Aos 53 anos, é o mais velho da
turma.
Rehen se declara aficionado por aparelhos de monitoramento de saúde,
como um anel que se comunica com o celular. Ele quer se manter saudável e
trabalhar por ao menos mais 30 anos no que considera sua missão.
"Hoje tenho clareza de meu compromisso: contribuir com pesquisas
científicas sobre psicodélicos utilizando sistemas microfisiológicos que
podem revolucionar o campo, ao mesmo tempo que reduzem o uso de animais
em experimentos", diz, referindo-se aos organoides cerebrais. Até aqui,
era mais comum sacrificar roedores para isso.
Seu grupo já publicou trabalhos mostrando quais proteínas se alteram
quando os organoides, aglomerados de até 5 mm e milhões de células
neurais, são embebidos com psicodélicos. Para verificar isso, é preciso
destruir os minicérebros, mas no laboratório da Promega ele planeja dar
um salto.
A empresa lhe permite usar ferramentas de ponta, como várias técnicas
de bioluminescência, para etiquetar proteínas e acompanhar suas
trajetórias e quantidades em tempo real nos organoides, sem dissolvê-los
para análise proteômica. As esferas neurais poderão assim ser estudadas
por vários meses, repetindo doses ou comparando os efeitos de
substâncias, por exemplo.
Os organoides exibem atividade elétrica espontânea, o que se poderia
comparar, com boa vontade e imaginação, a uma forma de "pensamento".
Sendo possível reconhecer padrões nessa atividade e como eles variam sob
efeito de psicodélicos (que a intensificam) ou de anestésicos (que a
deprimem), a esperança é identificar os processos neurais mais básicos
do fenômeno da consciência.
Mesmo com todos os recursos à disposição, Rehen não se considera um
cientista expatriado ou exemplo de fuga de cérebros. "Hoje nossa ciência
é transnacional", ressalva.
Ele dedica pelo menos três horas por dia a reuniões online e
administração do laboratório no Idor. Passa três a quatro meses por ano
no Rio, quando inverte o esquema para trabalho remoto com a equipe em
Madison.
"Tenho muito orgulho do que estamos construindo", diz. "O que
interessou ao Usona e à Promega foi nossa maneira de pensar e fazer
ciência, toda forjada no Idor e na UFRJ, de 2005 a 2022, em colaboração
com colegas da Argentina e do Chile."
Assim como nos EUA, ele vê seu futuro aqui ligado à pesquisa básica
numa mescla de ambiente acadêmico e empresarial que combina múltiplos
conhecimentos, algo incomum e até malvisto na terra natal.
"A universidade [pública] insiste em uma lógica anacrônica de manter e
formar pesquisadores com perfil pouco flexível. Pesquisa, ensino,
extensão e inovação poderiam abranger uma diversidade maior de
habilidades, competências e possibilidades, o que atualmente não ocorre,
ainda mais sem financiamento adequado", desabafa o pesquisador,
especialista em levantar fundos da Finep, do BNDES e de empresas como a
L’Oréal para manter os estudos da equipe.
A diferença, no ambiente privilegiado da Promega e do Usona, é que
ele tem acesso imediato a insumos avançados de pesquisa sem precisar o
tempo todo submeter pedidos de financiamento. Tampouco precisa
preocupar-se com desenvolvimento de produtos. "A liberdade criativa é
total. As equipes nos ajudam a transformar as ideias em prática."
Um dos parceiros entusiasmados com os organoides que Rehen cultiva no
prédio Kornberg é Alex Sherwood. Seu laboratório de química médica fica
do outro lado da rua, no edifício Feynman (as construções da Promega
são batizadas com nomes de prêmios Nobel, como Roger Kornberg, agraciado em 2006, e Richard Feynman, em 1965).
Sherwood entrou no Usona em 2014, participando das primeiras
reuniões. Ele conta ter sido ideia de Linton contratar um especialista
em química médica. Já tinha em vista fornecer psicodélicos para
pesquisadores de outros grupos e esmiuçar a complexa interação entre
essas substâncias e receptores cerebrais.
Uma questão que intriga o químico é a capacidade de desencadear
alterações profundas da consciência estar presente em substâncias tão
diversas quanto o LSD (derivado de ergotaminas do fungo
esporão-do-centeio), a DMT da ayahuasca e da jurema-preta (uma
triptamina) e a mescalina (fenetilamina presente no cacto peiote).
Apesar das diferenças, todas atuam sobre receptores do neurotransmissor serotonina, às vezes chamado hormônio da felicidade. O denominador comum é o receptor 5HT2A, mas elas agem também sobre demais membros da família 5HT e outros receptores que reconhecem dopamina e ocitocina, por exemplo.
"São compostos promíscuos", diz Sherwood, "mas isso não é um
defeito, e sim uma característica". Ele acha que psicodélicos rompem o
paradigma de que cada droga atua sobre um alvo específico, como apertar
teclas isoladas de piano faz soarem notas distintas. Na sua visão, eles
se parecem mais com acordes, notas simultâneas cuja combinação produz
sonoridades peculiares sem perder o tom psicodélico.
Sua atividade no laboratório se assemelha à de um compositor que vai
testando acordes, manipulando aspectos químicos dessas substâncias para
verificar o que muda em seus efeitos. Aí entram os organoides de Rehen,
plateias vivas para testar as diferentes respostas dos tecidos neurais.
"Não poderia imaginar uma confluência mais apropriada de entidades
para começar a responder essas perguntas e desenvolver ferramentas para
entender isso tudo", diz sobre os organoides. "É um lugar entusiasmante
de se estar."
O vocabulário da neurofarmacologia se tornará mais sofisticado,
acredita Sherwood, para quem os termos "psicodélico" (mescalina, LSD,
DMT e psilocibina) ou "entactógeno" (MDMA) são tão genéricos quanto
falar em vinho tinto ou branco. Sua expectativa é distinguir as
diferenças varietais entre os compostos modificadores da consciência e o
tipo de modulação que exercem sobre ela.
Em uma volta pelo laboratório, ele exibe o cofre em que guarda as
substâncias controladas, em sua maioria sintetizadas ali mesmo, e o
livro de registro de entradas e saídas, uma exigência legal. As bancadas
repletas de frascos e resíduos se parecem pouco com laboratórios de
biologia, voltados a observar e não fabricar coisas.
"É mais uma oficina que um laboratório", define. Precisou montá-lo do
zero, no que contou com a ajuda da mulher, Chris. No começo sentia
falta do equivalente à gaveta da bagunça numa cozinha, onde se encontra
de tudo.
Sherwood reage em tom de piada à lembrança de Bruno Latour, o filósofo da ciência francês para quem nesses laboratórios se refogam conceitos com ninharias: "Nunca confie num químico que não goste de cozinhar", diz.
O pesquisador conta que seu acordo com Linton prevê que a ciência
básica sempre terá lugar no Usona. Não se trata só de aperfeiçoar a
manufatura a cargo da Promega: "Ciência e exploração, mover o campo
adiante".
Ele enxerga nos organoides um futuro menos reducionista para a
neurofarmacologia molecular, uma estratégia para obter informações que
possam equivaler a comportamentos. O reducionismo, afinal, não se presta
bem a desvendar os segredos do sistema nervoso central.
"Talvez haja uma trilha pela qual a gente possa começar a desenrolar
esses padrões de atividade [elétrica] e comportamento com esses feixes
ordenados de neurônios humanos", afirma.
Por outro lado, mesmo se dedicando a otimizar moléculas psicodélicas,
ele não vê muito potencial nos chamados psicoplastógenos, versões delas
que prescindam do efeito subjetivo, a viagem, retendo só a propriedade
de induzir novas conexões cerebrais. Como Linton e Rehen, acha que o
significado pessoal da experiência psicodélica importa tanto quanto a
neuroplasticidade para o benefício terapêutico.
"Psicoplastógenos poderiam mudar o indivíduo, mas não com uma direção
clara para se pilotar o navio. Você só tira as mãos do leme. E pode
apenas elevar o ruído no sistema", pondera. "A neuroplasticidade não é
inerentemente benéfica. Cocaína também induz neuroplasticidade."
Opinião semelhante defende Charles Raison,
psiquiatra do Usona que liderou o teste clínico anterior do instituto,
de fase 2, com psilocibina para depressão. Mas o médico ao menos não
descarta que possam funcionar os psicoplastógenos propostos em 2018 por
David Olson, da Universidade da Califórnia em Davis.
"Se eles forem possíveis, vão dominar o campo. Eu admiro esse cara",
diz. Uma pílula para tomar sábado à noite e acordar no domingo com
vontade de se exercitar ou de ir à igreja se encaixaria perfeitamente no
"american way", argumenta. Se tivesse muito dinheiro, afirma,
investiria nisso pronto a perder tudo.
Raison só tem dúvidas de que o efeito terapêutico de longo prazo
possa ser separado da consciência, objeto de toda sua carreira de
pesquisador. Psicodélicos são apenas o componente mais recente dessa
investigação, que começou com os benefícios da meditação e de
procedimentos para aumentar o calor corporal.
Ao iniciar a vida acadêmica na Universidade Emory, em Atlanta
(Geórgia), ele queria estudar a técnica de meditação Tummo, na qual
praticantes conseguem elevar a temperatura do corpo. Mestres na
modalidade, entretanto, não se dispuseram a servir de cobaias.
Raison diz que seu foco recaiu sobre os psicodélicos como ferramentas
para atingir estados alterados apenas quatro anos antes de ser
contratado pelo Usona em 2015. Era o elo que faltava em sua obsessão com
o poder causativo da consciência, cultivado em quase todas as culturas
antigas, que desenvolveram formas de meditação, aquecimento (banhos, saunas, temazcal) e uso de psicoativos.
O psiquiatra confessa ter um viés: ele prefere que a consciência seja
requisito da cura de transtornos afetivos. "Não quero essa metáfora de
máquina. Quero esse exemplo de que a consciência, a espiritualidade,
importa. Veremos. A ciência é cruel, ela leva embora muito do que você
acredita ser precioso."
*Colunista da Folha e autor de
livros como “Promessas do Genoma” (Editora Unesp, 2007) e “Psiconautas –
Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (Fósforo, 2021)
O psicólogo canadense Jordan Peterson, ícone da direita,
durante palestra em São Paulo, no dia 18 de junho
-
Greg Salibian/Fronteiras do Pensamento
Pensador foi aclamado por políticos, empresários e vendedor ambulante em noite de palestra em São Paulo
[RESUMO] Ícone da direita, o psicólogo canadenseJordan
Peterson já vendeu milhões de livros e arrasta multidões para vê-lo
mundo afora. Em passagem por São Paulo na semana passada, atraiu
políticos, milionários e celebridades da internet para ouvi-lo falar de
Caim, Abel e sacrifício. Neste relato, autor descreve como a movimentada
noite de palestra, embalada por ingressos salgados, Bach, uísque e
apertos de mão a R$ 1.300, espelhou a nova cara da direita e o futuro
político do Brasil.
"E se alguém jogasse uma bomba aqui? Com certeza, a direita
brasileira seria destruída para sempre." Sim, foi isso o que se ouviu na
fila de espera, gigantesca, na frente do Espaço Unimed, em São Paulo,
no último dia 18, enquanto cerca de 4.000 pessoas se preparavam para
assistir à palestra do doutor Jordan Peterson, provavelmente o intelectual públicomais pentelho do planeta.
"Pentelho? Como assim? Esses esquerdistas são foda. Ficam preocupados com essa história da Nubank, da Erika Hilton.
Estamos pouco nos lixando com isso. Você não entende nada: Jordan
salvou a minha vida", poderia responder algum fã ali presente. Naquele
lugar, a voz do povo era de fato a voz de Deus.
Salvar é uma palavra meio forte, mas é a exata sensação que se
respirava quando finalmente os portões do local se abriram e os que
estavam ali há mais de uma hora começaram a entrar, prontos para enfim
receber, via inspiração divina, o que o bom doutor tinha a dizer.
Porque Jordan Peterson é, de fato, o bom doutor. E não só isso: ele é o bom doutor que, graças ao seu talento, se tornou milionário.
Com seus livros ("Mapas do Significado", "12 Regras para a Vida", "Além
da Ordem") vendeu mais de 10 milhões de exemplares. O próximo, "We who
Wrestle with God" ("Nós que Lutamos contra Deus"), está previsto para
novembro.
Mas havia outra coisa que se respirava ali na entrada, antes de ir ao
palco, onde o público, que pagou no mínimo R$ 600 por ingresso, se
espalhava em diferentes setores, divididos por fitas de cores que iam do
azul ao preto, passando pelo amarelo. O que se respirava ali, além do
tesão por uma bomba que pudesse destruir todos os presentes, era "a
nostalgia do gulag".
A "nostalgia do gulag" é o seguinte: antes, durante e depois de Olavo de Carvalho, toda a direita brasileira —que simplesmente idolatra Jordan Peterson porque ele combate como poucos a política identitária, o comunismo e o ateísmo—sempre sonhou ir para uma Sibéria particular. No entanto, ela não tinha dinheiro para isso. Diferente da esquerda burguesa, a direita é pobre.
Então, para ter a Sibéria particular, a direita seguiu essa
estratégia: acusou todo mundo de persegui-la. Universidades, imprensa, o
Congresso, o Palácio do Planalto, mais recentemente o Supremo Tribunal
Federal. Faça sua escolha. Com isso, conquistou um público que,
humilhado por uma casta que não para de aumentar a morte e os impostos,
resolveu se revoltar com protestos. Como consequência, Dilma Rousseff foi expelida do poder. Ainda assim, a direita continuava miserável, no bolso e na cabeça.
A solução foi apelar para as redes sociais e vender cursos. Mais do
que isso: seus integrantes tornaram-se "influenciadores", os infames
"coaches de vida". Foi quando o dinheiro passou a cair como maná. A
esquerda alega que isso faz parte de uma conspiração internacional, mas
também não hesitou em imitar sua competidora. Agora com a grana correndo
a solta, a direita poderia ter o seu gulag. A diferença é que esse
lugar era nada mais, nada menos que o próprio Brasil.
Com a pandemia, a direita brasileira entrou em sua fase mais recente: a de ser o contraponto à cultura oficial. Teve até um levante de velhinhos no famoso 8 de janeiro para marcar essa passagem. Mesmo com a morte de Olavo de Carvalho e a derrota de Jair Bolsonaro em 2022,
ela não parou de crescer. Tornou-se, de fato, um país paralelo. Não à
toa, a empresa que mais simboliza esse movimento —e é a encarnação
suprema da "nostalgia do gulag"— se chama justamente Brasil Paralelo.
E também não por acaso, a empresa promoveu a visita de Jordan
Peterson, junto com a produtora oficial do evento, o grupo gaúcho
Fronteiras do Pensamento. O Brasil Paralelo, contudo, fez mais do que
divulgar a vinda do bom doutor. Praticamente o sequestrou para seus
próprios interesses.
O problema é que Jordan Peterson gostou disso, sofrendo da habitual
síndrome de Estocolmo, ao tirar fotos festivas com gente do naipe de
Eduardo Bolsonaro, em encontro intermediado por ninguém menos que o deputado federal Paulo Bilynskyj (PL-SP).
Se você, leitor, estivesse no Espaço Unimed no dia da palestra, iria
respirar essa atmosfera nostálgica da direita. Mas, se estivesse nos
camarotes, e não no gargarejo do palco, também iria respirar o cheiro
salgado dos pastéis e das fritas (R$ 35 a porção), o odor doce dos
fondues de chocolate, a fragrância dos vinhos que custavam, no mínimo,
R$ 120, e ouviria o tilintar dos cubos de gelo em copos cujas doses
milimétricas de uísque eram contabilizadas em R$ 45. Havia também outros
tipos de comida, com direito a hambúrger e cerveja, para pessoas menos
"descoladas".
Entre uma música de Bach e outra que tocava antes da
apresentação, só "descolados" circulavam ali. O elenco era vasto —e
profundo: do pré-candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), passando por Leda e Duda Nagle (mãe, jornalista, e filho, ator), a deputada federal Bia Kicis (PL- DF), o ator Juliano Cazarré, Marco Antonio Costa (ex-Jovem Pan), André Marinho (atual Jovem Pan), Caio Coppola (comentarista na CNN Brasil), o cientista político e ex-deputado Heni Ozi Cukier, o vereador de São Paulo Fernando Holiday (PL), Adolfo Sachsida (ex-ministro de Bolsonaro), até a influencer Lara Brenner , Gabriel Kanner (herdeiro da Riachuelo) e sua esposa, Marthina Brandt (miss Brasil 2015), ali estava a nostalgia do gulag transmutada no radical chique de direita (muito obrigado, Tom Wolfe).
E não eram apenas as celebridades deste Brasil paralelo. O economista Joel Pinheiro da Fonseca, colunista da Folha, também compareceu; Maria Homem,
psicanalista e professora da FAAP, que cobra R$ 1.700 por sessão avulsa
de terapia (via Skype), fez graça com Schopenhauer quando a palestra
finalmente terminou.
"Finalmente" é um termo exato porque o show —foi um show mesmo, pois Peterson se tornou uma espécie de Taylor Swift
do intelecto— durou quase duas horas. Quem prestou atenção no conteúdo
ficou com torcicolo. Afinal, o tema não era nada leve: sacrifício, Caim e
Abel, Abraão e Isaac. Enfim, o velho e conhecido problema do mal, o
tema que obceca —já podemos chamá-lo assim?— "Jordan".
Portanto, "Jordan" começou com um sacrifício a ser imposto ao seu
público tão querido: a abertura foi uma série de quatro músicas cantadas
por um aluno seu, Victor Swift (nada a ver com Taylor, graças a Deus), o
qual, com seu violão, simplesmente assassinou "Hallelujah", de Leonard Cohen (é melhor nem comentar as outras três).
Antes de Jordan entrar, veio sua esposa, "Tammy" (que o chama de "Dr.
Peterson"), aplaudida efusivamente —afinal de contas, não é qualquer
pessoa que consegue escapar de um câncer nos rins.
E eis que ele surgiu. Sozinho no palco, vestindo um terno que parecia figurino do longa "Coringa"
(2019), "Jordan" foi celebrado como o sacerdote que todos esperavam. O
show foi todo dele: por quase uma hora e meia, houve um passeio pelo
"significado político" da história bíblica de Caim e Abel, mas sobretudo
pelo fato de que "Deus é o juiz do sacrifício", sem que o bom doutor se
importasse com a definição exata do termo "sacrifício" (a violência
sagrada que molda o comportamento humano).
Na verdade, Abel não pratica rituais violentos para Deus, ao
contrário do seu irmão homicida, e sim oferendas pacíficas (agradecemos
esta distinção ao professor doutor Maurício Righi), e isto também foi
tratado de forma displicente. Mas quem está preocupado com rigor nessas
horas, não é mesmo?
No mundo do Brasil paralelo, o que importa é falar que "o maior
descendente de Caim nos tempos atuais é o marxismo" —uma afirmação
recebida pelo público com tamanha energia nos aplausos que era de se
perguntar se o próximo sacrifício a ser feito pelo filho maldito de Adão
e Eva não aconteceria na esquina ali ao lado.
É claro que aconteceria. Mas antes disso, o "gran finale": apertar as
mãos de Jordan e conversar com ele por alguns minutos. Havia, porém,
uma condição (feita sem o conhecimento prévio da produção): pagar US$
250 (cerca de R$ 1.380).
Quem se habilitou? Várias pessoas, a julgar por outra fila
longuíssima formada, desta vez com os radicais chiques da vez, entre
eles Nikolas Ferreira —que
não conseguia andar, tamanho o assédio das fãs, e depois escreveu no
seu Instagram, como legenda de sua foto com a estrela da noite: "Pick
your damn sacrifice" ("escolha o seu maldito sacrifício")— e Pablo Marçal,
cuja forma de se aproximar do palestrante foi astuta: deu a impressão
de que Jordan o conhecia há tempos; os dois se olharam como amigos, um
apertou a mão do outro e até se abraçaram.
Este gesto foi a prova de que a palestra de Jordan Peterson
simbolizou uma mudança no eixo de poder político do país. Os Bolsonaros
não estavam mais no topo da cadeia alimentar da direita; Nikolas e Pablo
eram, desta vez, a carne fresca.
E a imprensa, como sempre, desprezou o evento. Uma jornalista que
estava ali chegou a relatá-lo como se fosse uma "reunião de
reacionários". Na realidade, era o futuro, o mesmo futuro caótico eleito em 2018,
suspenso durante a pandemia e que agora, amadurecido e devidamente
financiado, deixará de ser o Brasil paralelo e será o Brasil oficial por
meio de uma única regra: o sacrifício em uma roupagem "descolada",
pleno da "nostalgia do gulag", criando assim uma terceira etapa na
carnificina da nossa violência sagrada —a síndrome de Caim.
Como reflexo disso, o bom doutor afirmou à produção oficial do
evento que não daria entrevistas. E não deu, exceto para um veículo de
imprensa: a Jovem Pan, representada pelo humorista André Marinho.
A razão dessa proeza é que Marinho é amigo de Robert F. Kennedy Jr., o candidato independente à Presidência dos EUA
e aliado de Jordan em causas mais do que polêmicas (guerra contra a
cultura woke, oposição a vacinas). É óbvio que um jornalista qualquer
jamais teria chance de trocar uma palavra com o palestrante. Afinal,
quem pode competir contra Camelot?
Ninguém, especialmente se levar em conta que, na saída do evento, por
volta das 22h30, três amigos, que ainda digeriam os insights sobre Caim
e Abel, foram em direção ao metrô mais próximo, a estação Barra Funda,
repleta de pessoas deitadas no chão e moradores de rua pedindo dinheiro.
Enquanto esperavam um táxi, um vendedor ambulante, chamado Douglas,
se aproximou e perguntou se eles queriam comprar um kit "dieta
balanceada" —na verdade, uma modesta caixa de brigadeiros caseiros (R$
10). Desconfiados, recusaram a oferta. Mas Douglas foi insistente e
soltou outra questão: "Quem estava ali dando show?". Não foi show, foi
uma palestra, responderam. "De quem?" Jordan Peterson. "Jordan Peterson?
Puxa, tão brincando? Sou fã dele! Li todos os livros."
O vendedor sacou o celular gasto pelo uso e mostrou, na tela, que de
fato tinha a obra completa do bom doutor. "Eu aplico as 12 regras da
vida dele todos os dias!" Sorridente, Douglas se despediu. Os três
amigos estavam completamente surpresos. Era o Brasil verdadeiro a se
sacrificar pelo Brasil paralelo (e, quiçá, oficial) que pagou uma
fortuna para apertar a mão de um mero homem.
* Doutor em ética e filosofia política pela USP, é autor de "A Tirania dos
Especialistas" (Civilização Brasileira) e "O Contágio da Mentira"
(Âyiné)
Botassem o Ariano Suassuna no fim da vida pra debater com o Trump e não sobrava uma migalha
Eu tinha uns vinte anos, era colaborador numa
novela da Globo e não sei por que cargas d’água fui parar num almoço com
uns executivos do canal. Havia muitos talheres, muitos copos, muitos
chefes e uma TV ligada, sem volume, no fundo do restaurante, no Projac.
No meio da conversa um mandachuva, que provavelmente tinha pegado o Boni no colo, feito cafuné no Chacrinha e dado chupeta pro Renato Aragão, olha pra TV e se cala.
Tava passando, em "Vale a Pena Ver de Novo", uma cena com uma dessas
grandes atrizes, não sei se a Renata Sorrah, a Laura Cardoso ou a
Marília Pêra.
Depois de uns segundos ele sorriu satisfeito, como um fazendeiro
admirando sua lavoura. Aí disse um negócio que nunca esqueci. "Você
reconhece boa atuação é assistindo TV sem volume".
De fato, sem sabermos o que a Renata Sorrah, a Laura Cardoso ou a
Marília Pêra falavam, percebíamos sua genialidade, em contraste com a
canastrice dos atores menores, que gritava na televisão muda.
Lembrei da cena nesta quinta, assistindo ao debate entre Trump e Biden.
Coloquei na CNN, mas a TV estava sem volume e demorei a achar o
controle certo. Por mais de um minuto, voltei àquele almoço de duas
décadas atrás –e, infelizmente, não vi no Biden nem a Renata Sorrah, nem
a Laura Cardoso e nem a Marília Pêra.
Que desastre, meus amigos. Que desastre. Qualquer estreante em
"Malhação" teria feito melhor. Trump era Rocky Balboa socando um Dom
Lázaro balbuciando "eu quero mamão". Era Arnold Schwarzenegger (em
qualquer filme) contra Daniel Day Lewis em "Meu pé esquerdo".
Mano! O país mais poderoso do mundo, o único que tem alguma chance de
liderar a luta contra a extrema direita, aos quarenta e cinco do
segundo tempo no jogo do apocalipse climático, com mais de 300 milhões
de habitantes, não conseguiu arrumar ninguém melhor pra concorrer à
presidência do que a Velha Surda de "A praça é nossa"?! Biden parece ter
sido escolhido a dedo— por um estrategista republicano.
A direita sempre tem a virilidade em alta conta. Até um homúnculo
como Mussolini era vendido como um Hércules, fazendo com que todos os
homúnculos da Itália reconhecessem como hercúleas suas existências
medíocres.
Vivemos uma crise da masculinidade. O homem hétero não é mais o rei
da cocada preta. A "defesa da família tradicional", conversa pra boi
dormir e gado acordar, que vem de Trumps, Bolsonaros e quetais, nada
mais é do que a promessa de voltarmos à época em que o homem branco e
hétero mandava na sua esposa, nos seus filhos, podia zoar o gay no
trabalho e desprezar todos os negros.
O slogan "Make América Great Again" podia ser mais explícito e mudar
para "Enlarge Your Penis". Um charuto pode ser apenas um charuto, claro,
mas desconfio que esses fuzis não sejam apenas fuzis.
Essa virilidade tosca do século 20, rediviva no 21, é ridícula,
claro, mas a virilidade, em si, não é. Queremos que um líder seja
corajoso, enfático, forte. Nada disso requer, especificamente,
testosterona. Margareth Tatcher, Angela Merkel, Marine Le Pen, Simone
Tebet, Dilma, Michele Obama não são imagens da fragilidade.
Tampouco precisa ser jovem, um candidato: botassem o Ariano Suassuna
no fim da vida pra debater com o Trump e não sobrava uma migalha
craquelada daquele bronzeamento artificial. A Erundina arrancava aquela
peruca com duas frases.
Por que, ó Deus, ó deusas, o Biden? Se não tem ninguém no partido
democrata, não podiam treinar o Tom Hanks? O Ross, de Friends? A Phoebe!
O Mickey Mouse? O Pateta? Eu? O Tiririca? Pior do que tá não fica.
* Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"
Precisamos educar-nos e educar nossos filhos no uso moderado e consciente da tecnologia
Os avanços da inteligência artificial
são enormes. O mundo tal como a gente o conhece hoje vai mudar. Um
monte de tarefas que hoje ainda fazemos sem vontade poderá ser feito
pela inteligência artificial. Porém, uma conexão que não é tão simples
de replicar através da tecnologia é a conexão humana.
O ChatGPT,
por exemplo, consegue mostrar certa empatia numa conversa, mas nós
sabemos que essa empatia não é real, mas um agregado de informações que
permite à tecnologia simular aquela empatia.
Hoje em dia temos perdido muitos espaços de socialização. Por
exemplo, cada vez é mais difícil que os adolescentes fiquem sem
telefones na hora das refeições. Muitos deles estão isolados o tempo
todo, perdendo a conexão com a natureza e com outros adolescentes.
As nossas conversas familiares têm sido reduzidas por causa das
redes sociais. Em vez de estar conectados com aqueles que estão por
perto, estamos procurando outros que estão longe. Adultos que antes
conversavam com as crianças durante a refeição estão respondendo e-mails
em vez de atender seus filhos. A tecnologia não é uma coisa ruim, longe
disso. Ela ajuda e muito no nosso dia a dia. Mas os adultos não estão
sabendo como lidar com ela.
Cada vez é mais infrequente a ligação de voz. Um exemplo da desumanização.
Fico preocupado com a nossa capacidade de desumanizar-nos. Essa
capacidade que já comprovamos em muito pouco tempo, o quanto pode mudar
nossos hábitos por causa da tecnologia. Como ela capturou nossas vidas
de modo a não mais perguntar para as pessoas com quem moramos: "como foi
teu dia?".
Não é incomum ir a um restaurante e ver quatro pessoas numa mesa e
todas elas com seu smartphone na mão, sem dirigir a palavra para nenhum
dos outros. Ou pessoas indo a um show muito mais focadas em gravar um
vídeo do que em curtir aquele momento mágico.
Em meio a essa situação, avança um problema demográfico enorme da baixa natalidade junto com um incremento da solidão.
Em muitos países, os governos têm criado um Ministério da Solidão
para atender as pessoas que sofrem de solidão, porque não têm ninguém
para falar e compartilhar a vida. A tecnologia pode nos ajudar a ficar
perto, porém também pode nos afastar. Muitos pais e mães não estão
sabendo como lidar com o uso dos tablets, mesmo nas escolas os limites
são difusos.
Com a inteligência artificial, esse cenário vai se complicar ainda
mais. A humanidade vai mudar muitos dos seus hábitos e formas de
trabalho, e também na vida pessoal muitas coisas mudarão. Precisamos
dominar a inteligência artificial e não sermos dominados por ela. Isso é
relevante porque a maioria das pessoas consome as redes sociais sem se
dar conta de quais são os comportamentos que vão mudando no cotidiano (e
falo também por mim).
A inteligência artificial vai demandar uma consciência ainda
maior por parte de nós, porque capilarmente se introduzirá na nossa
vida, ao ponto de nem sequer sabermos que estamos rodeados dela. As
coisas que sejam fruto do trabalho humano precisarão ser explicitadas.
Viveremos num mundo cheio de coisas que parecerão nossas, mas serão
construídas com inteligência artificial. A realidade será colocada em
dúvida. Mesmo as colunas num jornal, será o cara quem a escreveu ou ele
colocou uma indicação e foi escrita pela máquina?
Eu adoro a tecnologia e acho muito legal a inteligência artificial.
Porém, acredito que como humanos talvez não estejamos preparados para
esse salto quântico que se aproxima. Psicológica e emocionalmente, viver
num mundo onde a realidade e a ficção são quase impossíveis de
distinguir é um processo constrangedor. Psicológica e emocionalmente,
viver num mundo onde a tarefa que eu adorava fazer e era a minha
vocação, e agora é feita em segundos por uma máquina pode ser doloroso.
Psicológica e emocionalmente, precisamos preparar-nos e pensar quais
critérios internos e externos vão reger essa tecnologia.
Por quê? Porque desde o nascimento do primeiro smartphone a
tecnologia já mudou muito nosso comportamento. E isso só vai se
aprofundar. Precisamos educar-nos e educar nossos filhos no uso moderado
e consciente.
Caso contrário, vamos ter a melhor tecnologia nunca antes vista, certo, mas seremos escravos.
* Filósofo, mestre em Educação, doutor em Ciências Sociais, coach executivo e consultor em storytelling.
Mandatario. Un día despúes del
debate, Biden rindió homenaje a pioneros de la causa LGTBQ+, con la
leyenda de la música Elton John.
Foto: Mandel Ngan/AFP.
El internacionalista pone foco en la falta
de respeto hacia el presidente de EEUU en las redes sociales y por parte
de su oponente, lo que refleja el deterioro de valores que se vive en
el mundo.
En el partido demócrata se discute si es sostenible la candidatura de Joe Biden a la presidencia de EE.UU., luego del debate entre el mandatario y el republicano Donald Trump el pasado jueves en el que era previsible que este último saliera favorecido, según analistas. En Uruguay, Ignacio Bartesaghi, director del Instituto de Negocios Internacionales de la Universidad Católica (UCU)
afirma que desde hace meses existen estrategias diseñadas por si Biden
seguía desplomándose. “Esto es algo que vengo escuchando en círculos
cerrados desde hace tiempo, mucho antes del debate”, dijo el analista.
Sin embargo, el panorama luce incierto.
Se ha manejado la alternativa de una candidatura demócrata de la exprimera dama Michelle Obama, de la vicepresidenta Kamala Harris, del secretario de Estado Antony Blinken,
entre algunos gobernadores reconocidos aunque sin demasiado brillo
público, como Gretchen Whitmer (Michigan), Tim Walz (Minnesota), Roy
Cooper (Carolina del Norte), Josh Shapiro (Pensilvania) y, sobre todo,
Gavin Newsom (California). Pero Biden afirmó que no va a renunciar a su
candidatura y todo el conjunto de acontecimientos políticos, no solo de
ahora sino de los últimos años, asombra en un país que es potencia
mundial.
“Preocupa lo que está sucediendo en Estados Unidos,
porque ese país es un termómetro de lo que ocurre a nivel mundial”,
destaca Bartesaghi y lo fundamenta en esta entrevista con El País.
-¿Cómo
se entiende que los asesores de Biden hayan aceptado un debate que,
previsible o altamente probable, mostraría ciertas afectaciones de salud
del presidente?
-No se termina de entender, porque los
debates en EE.UU., si bien son esperados, no son obligatorios. No se
termina de entender ese grado de confianza que se le ha dado a Biden. Lo
que estamos viendo en EE.UU., no solo con este debate sino en general,
es un reflejo de lo que ocurre en el mundo occidental: un deterioro
institucional, de la cohesión social y una debilidad democrática, que es
alarmante. El problema no es solo en Estados Unidos, lo estamos
observando a nivel internacional y se agrava por lo que proyecta Estados
Unidos en el mundo, en términos históricos de institucionalidad. Fíjate
que Trump salió favorecido ante la opinión pública en un debate en el
que dijo que respetará los resultados de las elecciones “si son justas”,
que es precisamente lo que no reconoció la vez pasada; es decir,
condicionó su respuesta y puso en duda, aunque sin decirlo, las
instituciones. Y a pesar de ello, resultó favorecido en el debate ante
la opinión pública. Tampoco está claro qué piensa Trump sobre cómo se
puede resolver la guerra en Ucrania, la relación con Irán, si va a
sostener la OTAN, o qué va a hacer ante una cantidad de temas que inquietan a la comunidad internacional.
-¿Cómo queda la sociedad estadounidense ante esta situación?
-En
las redes sociales se intenta ridiculizar a Biden, hay una gran falta
de respeto, y la oposición se está agarrando de sus debilidades para
destruirlo. Eso que la comunidad estadounidense está haciendo con el
presidente Biden, de ridicularizarle, es una proyección de la debilidad
de EE.UU. como país, como sociedad. Uno no puede dejar de analizar que
la primera potencia mundial presenta estos dos candidatos a la
presidencia, uno muy debilitado y el otro totalitario. Habla muy mal de
cómo están las cosas, sobre todo con el rol importante que tendrá
Estados Unidos en los próximos años.
- Hay un segundo y último debate televisivo programado para setiembre, ¿piensa que se llevará a cabo?
-Si
Biden sigue siendo candidato tendrá que hacerlo. De lo contrario, sería
un mensaje muy negativo para los demócratas de que no pudieron con eso.
Muchas cosas pueden pasar hasta ese momento. Lo preocupante, repito, es
el mensaje al mundo que EE.UU. está dando con estos dos candidatos, que
muestran crisis de liderazgo y de las instituciones.
-¿Cómo es posible que se haya llegado a este
deterioro, en un país que otrora era reconocido precisamente por sus
valores e institucionalidad democrática?
-Estados
Unidos es un termómetro: lo que ocurre allí es lo que está sucediendo a
nivel internacional: una debilidad clara que abarca a los Estados, las
religiones, los valores humanos, los derechos humanos. Eso está
reflejado en las guerras, en las crisis sociales, en la poca tolerancia
en la convivencia, en los enfrentamientos tribales. El mundo está en una
ebullición de crisis y, en el caso del mundo occidental, se le agrega
la crisis del modelo democrático, que hay que reconocer que ya no a
todos les importa. Ciertamente, eso no le importa al votante de Trump,
al que perdió el trabajo o se siente amenazado por los migrantes. Ahí es
fácil incendiar la pradera, que es lo que busca el candidato Trump. La
polarización que existe explica también lo que está sucediendo con la
extrema derecha en Europa y lo que vamos a ver en Francia con las
elecciones de este domingo. En esta nueva época, se están reviendo los
patrones clásicos de relacionamiento, sin saber adónde nos van a llevar.
-¿Dónde está parado el Partido Demócrata en este momento?
-Cuando
se proyectaba la debilidad de Biden, uno imaginaba que la
vicepresidenta, que además se había mostrado fuerte en sus primeros
meses, iba a asumir un rol más protagónico, pero prácticamente
desapareció, es un actor poco importante en el gobierno estadounidense.
Ella debería cumplir un rol de sostén de Biden. Es razonable pensar que
la fortaleza pueda estar en la vicepresidencia, más en una situación
así. No es el caso de Trump, porque nadie duda de su vitalidad. Si Biden
mostrara debilidades, pero la fortaleza estuviera en su equipo de
gobierno y en una vicepresidenta potente, ganaría más el voto. Pero no
es el caso.
-¿Piensa que Trump representa más el núcleo de los republicanos que tiempo atrás?
-No.
Yo diría más bien que los republicanos han tenido que aceptar a Trump
como candidato, porque estar con él es llegar a la victoria. En su
momento, hubo una emergencia de Trump porque su estilo representaba la
anti-institucionalidad, con un discurso fuerte contra la migración y
todo lo que ya sabemos. Y la incomodidad política contra el
establishment, ya sea republicano o demócrata, sigue estando. Eso puede
hacer ganar de nuevo a Trump. Hoy muchos republicanos ven a Trump con
recelo, pero es el que arrasa y nadie cuestiona la fuerza de su
candidatura.
-¿Cómo interpreta que el Partido Demócrata no haya logrado que emerja otro candidato?
-El Partido Demócrata
se jugó a que, desde el punto de vista legal, iban a impedir la
posibilidad de que Trump se presentara como candidato. Esa es la única
explicación que le puedo dar. Si hubiera sido otro el candidato
republicano, más allá de la debilidad de Biden, él tendría ventaja.
Biden ahora dice “estoy viejo, pero digo la verdad”, y es de lo que se
tiene que agarrar. En las próximas semanas, cualquier cosa puede pasar.
Lo que veo es que los dos candidatos despiertan una sensación de
inseguridad en un país que es la primera potencia mundial; eso es, ante
lo que se viene, lo que más preocupa.
Por Mark Lemley (The New York Times) e Matt Wansley (The New York Times)
A concentração de poder nas mãos das Big Tech está sufocando a criatividade e a inovação no setor de tecnologia Foto: Brian Snyder/Reuters
Entenda como gigantes como Google e Microsoft estão cooptando startups inovadoras e limitando o progresso tecnológico
O Vale do Silício
se orgulha de ser um lugar de disrupção: startups desenvolvem novas
tecnologias, derrubam mercados existentes e superam empresas previamente
estabelecidas. Esse ciclo de destruição criativa nos trouxe o
computador pessoal, a internet e o smartphone, mas, nos últimos anos, um
punhado de empresas de tecnologia estabelecidas manteve seu domínio.
Por quê? Acreditamos que elas aprenderam a cooptar startups
potencialmente disruptivas antes que elas possam se tornar ameaças
competitivas.
A DeepMind, uma das primeiras startups de IA de destaque, foi adquirida pelo Google. A OpenAI, fundada como uma organização sem fins lucrativos e um contrapeso ao domínio do Google, recebeu US$ 13 bilhões da Microsoft. A Anthropic, uma startup fundada por engenheiros da OpenAI que desconfiaram da influência da Microsoft, levantou US$ 4 bilhões da Amazon e US$ 2 bilhões do Google.
Recentemente, foi divulgado que a Comissão Federal de Comércio estava investigando as negociações da Microsoft com a Inflection AI,
uma startup fundada por engenheiros da DeepMind que trabalhavam para o
Google. O governo parece estar interessado em saber se o acordo da
Microsoft para pagar à Inflection US$ 650 milhões em um acordo de
licenciamento - ao mesmo tempo em que a empresa estava destruindo a
startup, contratando a maior parte de sua equipe de engenharia - foi uma
forma de contornar as leis antitruste.
A
Microsoft defendeu sua parceria com a Inflection. Mas o governo tem
razão em se preocupar com esses acordos? Nós achamos que sim. No curto
prazo, as parcerias entre as startups de IA e as grandes empresas de
tecnologia proporcionam às startups as enormes somas de dinheiro e os
chips difíceis de obter que elas desejam. Mas, no longo prazo, é a
concorrência - e não a consolidação - que proporciona o progresso
tecnológico.
Os
gigantes da tecnologia de hoje já foram pequenas startups. Eles criaram
empresas ao descobrir como comercializar novas tecnologias - o
computador pessoal da Apple, o sistema operacional da Microsoft, o mercado online da Amazon, o mecanismo de busca do Google e a rede social do Facebook.
Essas novas tecnologias não competiram tanto com as empresas
estabelecidas, mas sim as contornaram, oferecendo novas maneiras de
fazer as coisas que alteraram as expectativas do mercado.
Mas
esse padrão de startups inovando, crescendo e ultrapassando as empresas
estabelecidas parece ter parado. Os gigantes da tecnologia são antigos.
Cada um deles foi fundado há mais de 20 anos - a Apple e a Microsoft na
década de 1970, a Amazon e o Google na década de 1990 e o Facebook em
2004. Por que não surgiu nenhum novo concorrente para desestabilizar o
mercado?
A
resposta não é que os gigantes da tecnologia de hoje sejam simplesmente
melhores em inovação. A melhor evidência disponível - dados de patentes
- sugere que as inovações têm maior probabilidade de vir de startups do
que de empresas estabelecidas. E isso também é o que a teoria econômica
prevê.
Uma
empresa estabelecida com uma grande participação de mercado tem menos
incentivo para inovar porque as novas vendas que uma inovação geraria
poderiam canibalizar as vendas de seus produtos existentes. Engenheiros
talentosos são menos entusiasmados com ações de uma grande empresa que
não estão vinculadas ao valor do projeto em que estão trabalhando do que
com ações de uma startup que pode crescer exponencialmente, e os
gerentes estabelecidos são recompensados pelo desenvolvimento de
melhorias incrementais que satisfaçam seus clientes atuais, em vez de
inovações disruptivas que possam desvalorizar as habilidades e os
relacionamentos que lhes dão poder.
Os
gigantes da tecnologia aprenderam a interromper o ciclo de disrupção.
Eles investem em startups que desenvolvem tecnologias disruptivas, o que
lhes dá inteligência sobre ameaças competitivas e a capacidade de
influenciar a direção das startups. A parceria da Microsoft com a OpenAI
ilustra o problema. Em novembro, Satya Nadella,
executivo-chefe da Microsoft, disse que mesmo que a OpenAI desaparecesse
repentinamente, seus clientes não teriam motivo para se preocupar,
porque “temos as pessoas, temos a computação, temos os dados, temos
tudo”.
É
claro que as empresas estabelecidas sempre tiveram a ganhar com o
sufocamento da concorrência. Empresas de tecnologia mais antigas, como a
Intel e a Cisco,
entenderam o valor da aquisição de startups com produtos
complementares. O que é diferente hoje é que os executivos de tecnologia
aprenderam que mesmo as startups fora de seus mercados principais podem
se tornar ameaças competitivas perigosas, e o tamanho dos gigantes da
tecnologia de hoje lhes dá o dinheiro para cooptar essas ameaças. Quando
a Microsoft foi julgada por violações antitruste no final da década de
1990, ela foi avaliada em dezenas de bilhões de dólares. Agora, ela está
avaliada em mais de US$ 3 trilhões.
Além
de seu dinheiro, os gigantes da tecnologia podem alavancar o acesso a
seus dados e redes, recompensando as startups que cooperam e punindo as
que competem. De fato, esse é um dos argumentos do governo em seu novo
processo antitruste contra a Apple (a Apple negou essas alegações e
pediu que o caso fosse arquivado). Elas também podem usar suas conexões
na política para incentivar a regulamentação que serve como um fosso
competitivo.
Você se lembra daqueles anúncios do Facebook que
defendiam uma maior regulamentação da internet? O Facebook não os estava
comprando para caridade. As propostas do Facebook “consistem, em grande
parte, na implementação de requisitos para sistemas de moderação de
conteúdo que o Facebook já havia implementado anteriormente”, conclui o
site de investigações tecnológicas The Markup. Isso lhe daria uma vantagem de pioneiro em relação à concorrência.
Quando
essas táticas não conseguem fazer com que uma startup deixe de
competir, os gigantes da tecnologia podem simplesmente comprá-la.Mark Zuckerberg deixou isso claro em um e-mail para um colega antes de o Facebook comprar o Instagram. Se startups como o Instagram “crescerem em grande escala”, escreveu ele, “elas poderão nos perturbar muito”.
Os
gigantes da tecnologia também cultivam relacionamentos repetidos com
investidores. As startups são investimentos de risco, portanto, para que
um fundo de risco tenha sucesso, pelo menos uma das empresas de seu
portfólio deve gerar retornos exponenciais. Como as ofertas públicas
iniciais diminuíram, os investidores têm se voltado cada vez mais para
as aquisições a fim de obter esses retornos.
Investidores
sabem que apenas um pequeno número de empresas pode adquirir uma
startup por esse tipo de preço, portanto, eles mantêm amizade com as
grandes empresas de tecnologia na esperança de direcionar suas startups
para acordos com as empresas estabelecidas. É por isso que alguns
importantes investidores se opõem a uma fiscalização antitruste mais
rigorosa: é ruim para os negócios.
As aquisições agressivas de startups por grandes empresas de tecnologia ameaçam o futuro da inovação. Foto:Seth Wenig/AP
A
cooptação pode parecer inofensiva no curto prazo. Algumas parcerias
entre empresas estabelecidas e startups são produtivas. Além disso, as
aquisições proporcionam aos investidores os retornos necessários para
convencer seus financiadores a investir mais capital na próxima onda de
startups.
A cooptação, por sua vez, prejudica o progresso
tecnológico. Quando um dos gigantes da tecnologia compra uma startup,
ele pode desativar a tecnologia da startup ou pode desviar o pessoal e
os ativos da startup para suas próprias necessidades de inovação, e
mesmo que não faça nada disso, os obstáculos estruturais que inibem a
inovação nas grandes empresas estabelecidas podem minar a criatividade
dos funcionários da startup adquirida. A IA parece uma tecnologia
disruptiva clássica, mas, à medida que as startups disruptivas que foram
pioneiras nessa tecnologia forem sendo vinculadas às grandes empresas
de tecnologia, uma a uma, ela poderá se tornar nada mais do que uma
forma de automatizar os mecanismos de busca.
O governo Biden pode
intervir para começar a resolver esse problema. No início deste ano, a
FTC anunciou que estava investigando os acordos da Big Tech com empresas
de IA. Esse é um começo promissor, mas precisamos mudar as regras que
possibilitam a cooptação.
Em primeiro lugar, o Congresso dos EUA
deve expandir a lei de “diretorias interligadas” - que proíbe que os
diretores ou executivos de uma empresa atuem como diretores ou
executivos de seus concorrentes - para impedir que os gigantes da
tecnologia coloquem seus funcionários em conselhos de startups. Em
segundo lugar, os tribunais devem penalizar as empresas dominantes que
discriminam o acesso a seus dados ou redes com base no fato de a empresa
ser um concorrente em potencial. Em terceiro lugar, à medida que o
Congresso se mobiliza para regulamentar a IA, ele deve ter o cuidado de
redigir regras que não fortaleçam as empresas estabelecidas.
Por
fim, o governo deve identificar uma lista de tecnologias potencialmente
disruptivas - começaríamos com a IA e a realidade virtual - e anunciar
que contestará todas as fusões entre os gigantes da tecnologia e as
startups que desenvolvem essas tecnologias. Essa política pode
dificultar a vida dos investidores que gostam de dar palestras sobre
disrupção e depois tomar um drinque com seus amigos da área de
desenvolvimento corporativo da Microsoft, mas seria uma boa notícia para
os fundadores que querem vender produtos para os clientes, e não
startups para monopólios. E seria bom para os consumidores, que dependem
da concorrência, mas passaram muito tempo sem ela.
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Jardim de Luxemburgo, sempre uma exposição a céu aberto/Fotos de Ana Claudia Rodrigues e Juremir Machado da Silva
Todo
mundo sabe que Paris cultiva o moderno como parte de uma tradição.
Estilos e épocas se misturam para dar o ar mais contemporâneo. Vai do
charme de um quadro lilás num hotel do Quartier Latin…
…até
a ousadia radical de Vuiton, que inova até no tapume de suas obras. Uma
mala em tamanho de edifício para proteger o canteiro de obras na rica,
prestigiosa e luxuosa avenida Champs-Elysées.
Nas exposições Paris sempre dá show de novidades. Vai da galeria a céu aberto nas grades do Jardim de Luxemburgo…
Até
as obras-primas da arte contemporânea na Bolsa do Comércio, que exibe a
Coleção François Pinault. Uma piscadela para Voltaire, “O mundo como ele vai”, com sua “Comédia Humana”, seus espelhos… e sua fábrica de ruínas. Tudo é mostrado.
Nada é dito sem ironia.
Na recepção, Pablo Picasse em pessoa, ou em provocação.
Paris é tão louca que ainda tem fila em cinema.
Debate político permite que três candidatos falem pelos cotovelos.
Enfim, Paris é uma janela para o tempo.
No caso, verão, 30 graus.
Paris, de fato, é uma festa.
Uma festa inclusive da análise sociológicas dos fatos.