segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Deus, esse desconhecido conhecido

 Leonardo Boff*
Nos dias 5 e 6 de outubro, em Assis, realizou-se mais uma edição do Átrio dos Gentios, iniciativa do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, voltada para a questão de Deus. O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, e o cardeal Gianfranco Ravasi, à frente do Conselho e famoso exegeta bíblico, fizeram um diálogo instigante sobre Deus, esse desconhecido.

Com o Átrio dos Gentios faz-se um esforço de levar ao diálogo crentes e não crentes. O Átrio era o espaço ao redor do templo de Jerusalém acessível aos gentios (pagãos) que, de resto, jamais poderiam entrar no templo. Agora, procura-se tirar os interditos para que todos possam aceder ao templo.

A este propósito me permito uma reflexão que me acompanha ao largo de toda a vida de teólogo: pensar Deus para além das objetivações religiosas (metafísicas) e procurar interpretá-lo como Mistério sempre desconhecido e, ao mesmo tempo, sempre conhecido. Por que este caminho? Einstein nos oferece uma pista: ”O homem que não tem os olhos abertos para o Mistério passará pela vida sem nunca ver nada”.

Efetivamente, para onde quer que dirijamos o olhar, para o grande e para o pequeno, para fora e para dentro, para o alto e para o baixo, para todos os lados, encontramos o Mistério. O Mistério não é o desconhecido. É o conhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais. Ao tentar conhecê-lo, percebemos que nossa sede e fome de conhecimento nunca se sacia. No mesmo momento em que O conhecemos, Ele se nos escapa na direção do desconhecido. Perseguimo-lo sem cessar, e mesmo assim Ele fica sempre Mistério em todo o conhecimento, causando-nos atração invencível, temor profundo e reverência irresistível. O Mistério simplesmente é.

Minha tese de base é esta: no princípio era o Mistério. O Mistério era Deus. Deus é o Mistério. Deus é Mistério para nós e para Si mesmo.

É Mistério para nós na medida em que nunca acabamos de  conhecê-Lo nem pela razão nem pelo amor. Cada encontro deixa uma ausência que leva a outro encontro. Cada conhecimento abre outra janela para um novo conhecimento. O Mistério de Deus não é o limite do conhecimento mas o ilimitado do conhecimento. É o amor que não conhece repouso. O Mistério não cabe em nenhum esquema nem vem aprisionado nas malhas de alguma religião, Igreja ou doutrina. Ele está sempre por ser conhecido.

O Mistério é uma Presença ausente. Mas também, uma Ausência presente. Manifesta-se na nossa absoluta insatisfação, que incansavelmente e em vão busca satisfação. Neste transitar entre Presença e Ausência se realiza o ser humano, trágico e feliz, inteiro mas inacabado.

Deus é Mistério em si mesmo e para si mesmo. Deus é Mistério em si mesmo, porque sua natureza é Mistério. Vale dizer: Deus enquanto Mistério se autoconhece e no entanto nunca tem fim seu autoconhecimento. O conhecimento de sua natureza de Mistério é cada vez inteiro e pleno e, ao mesmo tempo, sempre aberto para nova plenitude, ficando sempre Mistério, eterno e infinito para si mesmo. Se assim não fosse, não seria o que é: Mistério. Portanto, Ele é um absoluto Dinamismo sem limites.

Deus é Mistério para si mesmo, quer dizer: por mais que Ele se autoconheça, nunca esgota este seu conhecimento. Está aberto a um futuro que é realmente futuro. Portanto, algo que ainda não é dado, mas que pode se dar como novo para Ele mesmo. Com a encarnação Deus começou a ser aquilo que antes não era. Portanto, em Deus há um devir, um tornar-se.

Mas o Mistério, por um dinamismo intrínseco, permanentemente se revela e se autocomunica. Sai de si e conhece e ama o novo que emerge d'Ele. O que vai se emergir não é reprodução do mesmo. Mas sempre distinto e novo, também para Ele. À diferença do enigma que, conhecido, se desfaz, o Mistério quanto mais conhecido mais aparece como desconhecido, quer dizer, como Mistério que convida para mais conhecimento e para maior amor.

Dizer Deus-Mistério é expressar um dinamismo sem resto, uma vida sem entropia, uma irrupção sem perda, um devir sem interrupção, um eterno vir-a-ser sempre sendo e uma beleza sempre nova e diferente que jamais fenece. Mistério é Mistério, agora e sempre, desde toda a eternidade e por toda a eternidade.

Diante do Mistério se afogam as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. O que nos cabe é o silêncio, a reverência, a adoração e a contemplação. Estas são as atitudes adequadas ao Mistério.

Assumindo tal compreensão, se derrubam todos os muros. Já não haverá mais o Atrio dos Gentios, e tambem não existirá mais templo. Deus não tem religião, porque Ele é simplesmente o Mistério que liga e re-liga tudo, cada pessoa e o inteiro universo. O Mistério nos penetra e n'Ele estamos mergulhados.
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Leonardo Boff,  teólogo e filósofo, é autor de 'Experimentar Deus: A transparência de todas as coisas (Vozes, 2002) -  lboff@leonardoboff.com
Fonte: JB on line, 15/10/2012
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