sábado, 13 de outubro de 2012

“É preciso ser bobo, errar e não parar de tentar”

ENTREVISTA MICHELL ZAPPA

 

Consultor disputado em todo o planeta, Michell Zappa aconselha profissionais e empresas a identificar antes da concorrência qual aspecto de sua atividade será afetado pela maré montante da revolução tecnológica

Michell Zappa vive de imaginar o futuro. Além de nome e sobrenome com ar estrangeiro e letras dobradas, apresenta-se como technology futurist (futurista de tecnologia). O site de sua empresa, a respeitada Envisioning Technology (envisioningtech.com), referência entre mentes digitais, é todo em inglês e lista seus projetos mais recentes, além de alguns dos destinos que o solicitam para conferências esboçando um universo que ainda está por surgir. Mas Zappa, nascido em Estocolmo, na Suécia, é filho de mãe brasileira e pai português – língua que sugere para a entrevista logo no primeiro contato com Zero Hora. Cursou Propaganda e Marketing na ESPM, em São Paulo, e morou também em Amsterdã e Londres. Está agora na Alemanha, com planos de retornar à capital paulista em novembro.

O empresário se dedica a pesquisas em indústrias distintas. Clientes contatam a Envisioning Technology para identificar e entender os rumos do negócio em seus respetivos setores – educação, saúde, finanças, eletrodomésticos, automóveis. Aos 30 anos, criatura do seu tempo, Zappa produz em constante movimento – trabalha muito em cafés, aeroportos e espaços de coworking. No tempo livre, gosta de viajar (mais) e fotografar.

Ao longo da última semana, de Berlim, o fã de ficção científica falou, por e-mail – preferiu evitar o Skype em razão do ruído que geralmente o circunda em espaços públicos –, sobre cenários prováveis para os próximos anos, tecnologias emergentes, grandes inovadores e singelas revoluções.

– Toda ideia, toda revolução, toda transformação e toda mudança acontecem com um primeiro passo. É inevitável o começo ser pequeno. Como quer que essa ideia seja depois do sucesso? Você está trabalhando para ganhar dinheiro, para precisar trabalhar pouco, para salvar o mundo? – afirmou.

Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.

Zero Hora – Como você definiria “inovação”?

Michell Zappa –
Na minha concepção, a melhor definição de inovação é fazer aquilo que ainda não foi feito. Pela natureza da incerteza, a grande maioria de projetos inovadores tende a não dar certo – mas isso não faz deles fracassos. Thomas Edison tem uma frase que define bem essa filosofia: “I have not failed. I’ve just found 10.000 ways that won’t work” (“Eu não falhei. Apenas descobri 10 mil possibilidades que não deram certo”).

ZH – Por que a maioria tende a não dar certo? Você depara com mais sucessos ou fracassos?

Zappa –
Errar é fundamental para garantir que suas ideias são suficientemente arrojadas. Se você acertar todas as suas apostas, é sinal de que não está fazendo apostas muito difíceis. O erro mais recorrente no universo de tecnologia é apostar em tecnologias demasiadamente avançadas ou atrasadas. Nesta indústria, o timing é fundamental. E saber onde a maré tecnológica estará quando você lançar seu negócio é seu maior desafio.

ZH – Seu site pessoal (michellzappa.com) informa que seu trabalho procura explicar para onde a sociedade está se dirigindo, num futuro próximo, a partir dos desenvolvimentos tecnológicos da atualidade. Como se faz isso?

Zappa –
Alan Kay, um cientista da computação, disse que “a melhor forma de prever o futuro é inventando-o”. Eu acredito que empresas, organizações e governos podem tomar decisões que tomam em plena consideração o futuro. E acredito que tem maneiras de identificar cenários plausíveis para nosso futuro breve. Quando você apresenta um cenário contundente que explica para onde as coisas estão se movimentando, você passa a acreditar que a sua empresa (ou o seu país) pode fazer alguma coisa para melhorar o futuro.

ZH – Muitos dos seus projetos estão focados em áreas como saúde e educação, que interferem na vida de todo mundo.

Zappa –
Posso falar de educação, em particular, que foi o primeiro grande projeto de uma só indústria que desenvolvemos. Sou profundamente interessado em divulgar aquilo que acredito que vai influenciar a vida de estudantes, e como escolas e professores devem se preparar para esse futuro. Já tive a oportunidade de palestrar em escolas e poder descrever essa minha opinião, mas decidi que uma visualização teria maior impacto. A partir daí, desenvolvi e publiquei a visualização, que inclusive já foi traduzida para quatro línguas por educadores que queriam colaborar.

ZH – Você está projetando o smartphone de 2017. Como é pensado um projeto para daqui a cinco anos?

Zappa –
Tentei isolar alguns fatores que são altamente influenciados por avanços tecnológicos, tais como a Lei de Moore, que dita que processadores dobram em velocidade a cada 18 meses. Tentei também contemplar algumas previsões de avanços em armazenar energia, algumas tecnologias cujos “roadmaps” são publicamente disponíveis (como 4G/5G). E, em contrapartida, procurei dissecar aquilo que não muda na vida de um usuário de smartphone, como o tamanho de sua bolsa ou bolso, ou o tamanho da mão e a distância que se segura o aparelho do corpo. É nessa intersecção entre as coisas que mudam previsivelmente, e aquilo que dificilmente mudará, que tento descrever cenários possíveis.

ZH – Inovação parece também um conceito muito associado à idade – mentes jovens e criativas, talentos precoces. Você tem a mesma impressão? Como ficam os “não jovens” nesse caso? Pode-se trabalhar um potencial inovador mesmo em estágios mais avançados da carreira e da vida?

Zappa –
Concordo que mentes jovens tendem a ser mais inovadoras, mas isso é um resultado direto de ainda não terem experimentado sucesso. Sucesso, em todas as suas facetas (desde apostar numa empresa bem-sucedida até a estratégia de como conseguir uma promoção no emprego) tem um lado perigoso: a pessoa se apega a tentar reproduzi-lo em outros cenários. E isso, infelizmente, leva a soluções antiquadas – por definição – e práticas defasadas. É uma equação incrivelmente sensível e tende a se manifestar, cada vez mais, conforme o nosso conhecimento profissional cresce. Poucos são os empresários e inovadores que não tiveram medo de reinventar soluções e correr o risco de errar apesar de terem obtido sucesso no passado – mas todos os grandes inovadores (Jobs, Disney, Edison, Branson etc) tenderam a fazer isso.

ZH – Imaginar o futuro é um recurso muito frequente em obras de ficção, e há filmes e livros que imprimem um encantamento duradouro na mente do público. A série De Volta para o Futuro, por exemplo, criou, nos anos 80, um carro capaz de viajar no tempo. Inovar é também sonhar com o absurdo, com o aparentemente impossível, é ousar sem se constranger com as críticas ao redor?

Zappa –
Ficção científica compõe uma parte enorme do meu repertório, e desde sempre leio, assisto e acompanho todo tipo de Sci-Fi. Não é à toa que decidi apostar em estudar o futuro, e até hoje uso inspiração do mundo de ficção científica em minha pesquisa e minhas previsões. Inclusive, o método que uso para explicar cenários futuros em minhas palestras chama-se Sci-Fi Scaffolding, meio que “andaimes de ficção científica”, que procuram exatamente se inspirar em ficção para imaginar a realidade.

ZH – Quem são os mais destacados inovadores da atualidade?

Zappa –
Elon Musk, Peter Thiel, Sebastian Thrun e Peter Diamandis. Os quatro são de origens globais (Musk nasceu na África do Sul, Thrun e Thiel, na Alemanha, e Diamandis é de origem grega; veja perfis ao lado) e encontraram o sucesso em inovações tecnológicas de alto impacto no Vale do Silício. Entre eles, estão reinventando automóveis, transporte, educação, financiamento, longevidade, exploração espacial. Ou seja, eles não temem resolver problemas de escala global. Isso, para mim, é genuinamente inovador.

ZH – Quais são as principais tendências em inovação? De que áreas virão as grandes inovações nos próximos anos?

Zappa –
Todas. Tecnologia é como uma maré levantando – ela avança em todas as indústrias de forma simultânea. Não existe mais atividade econômica que não seja impactada pela tecnologia. Claro que algumas são mais sensíveis a essa transformação do que outras, mas, em escala maior, todas as áreas da economia terão que lidar com esse avanço. A melhor dica para um empresário é saber identificar qual aspecto de seu negócio vai ser transformado por essa maré antes de sua concorrência fazer o mesmo. Ou antes de alguém que nem é visto como concorrente chegar para transformar a sua indústria.

ZH – Uma ideia simples pode significar uma grande inovação? Ou as grandes mudanças estão necessariamente ligadas a processos mais complexos de criação?

Zappa –
Uma ideia simples pode se tornar uma grande inovação, mas inovações só se manifestam em grande escala quando são implementadas de maneira significativa na sociedade. O processo de incubação social varia de indústria a indústria, mas, de maneira geral, não há demanda para que a inovação em si seja fundamentalmente complexa. O fator que mais influencia essa equação é quão complexo o setor em si já é. Pegue a indústria aeronáutica, por exemplo. Existem, efetivamente, quatro grandes fabricantes de aeronaves no mundo (Airbus, Embraer, Bombardier, Boeing), e todos produzem artefatos tecnológicos extremamente complexos cujo desenvolvimento dura décadas. Não há inovação “simples” que irá romper com a indústria aeronáutica. Um inovador genial não consegue fabricar uma aeronave radicalmente melhor ou diferente em sua garagem. Porém, isso não significa que não haja soluções mais simples e inovadoras para o setor de transporte – tal como o Hyperloop, proposta para transportar pessoas numa mescla de trem e avião.

“Haverá grandes avanços em transporte”

Neste trecho da entrevista, Michell Zappa fala sobre a velocidade das transformações e seu impacto da inovação na vida cotidiana:
 ZH – Uma grande ideia nasce pronta? É preciso esperar pelo dia em que se vai acordar com aquela ideia revolucionária em mente? Ou o inovador pode exercitar seu lado criativo enquanto percorre o trajeto que o levará a conceber algo realmente relevante?

Zappa –
Tem muitos exemplos de ambos os lados dessa pergunta. Muitos sonhadores, empreendedores, investidores, inventores começaram com uma ideia enorme de como mudar o mundo e conseguiram chegar lá atravessando todos os passos intermediários. Steve Jobs vem à mente – ele parecia, desde sempre, ter a noção de como interagiríamos com computadores, mas teve a perspicácia de chegar lá com muitos passos pequenos. Em palestras de 30 anos atrás, ele descrevia um futuro onde carregaríamos computadores do tamanho de uma revista, que poderia acessar informações sobre qualquer assunto do mundo, de qualquer lugar do planeta. Ele estava, essencialmente, descrevendo o iPad, só que numa época onde o único paradigma computacional era o do mainframe. É incrível imaginar que alguém já teve essa visão toda. E, por outro lado, acho que tem muitas instâncias onde um pequeno passo inovador, extremamente bem implementado, pode levar a transformações enormes. Os fundadores do Google, Sergei Brin e Larry Page: estudantes que descobrem uma maneira melhor de interpretar o valor relativo de um pedaço de conteúdo para uma busca específica. O Google rapidamente revolucionou o segmento de buscas online, mas só com a injeção enorme de capital que AdWords trouxe alguns anos depois que começaram a encarar maiores problemas computacionais (como automóveis autônomos, Google Glass etc).

ZH – Inovar é necessariamente revolucionar, um movimento de amplo alcance, ou basta que uma inovação melhore um pequeno universo ao seu redor?

Zappa –
Toda ideia, toda revolução, toda transformação e toda mudança acontecem com um primeiro passo. É inevitável o começo ser pequeno. A única pergunta que você deve se fazer é: como quer que essa ideia seja depois do sucesso? Você está trabalhando para ganhar dinheiro, para precisar trabalhar pouco, para salvar o mundo? Sabendo por que você está trabalhando dita como você vai prosseguir depois do primeiro passo.

ZH – Fala-se em não se contentar com o óbvio, ir além, ousar. Que conceitos podem ser incorporados ao dia a dia das pessoas?

Zappa –
“Be hungry. Be foolish” (“Seja voraz. Seja bobo”): palavras frequentemente citadas por Steve Jobs. É preciso ter uma vontade enorme de ser voraz. É preciso ser bobo, errar e não parar de tentar.

ZH – Que grandes inovações são indispensáveis na sua rotina?

Zappa –
Comunicação ubíqua. A disponibilidade de conectividade rápida, barata e de confiança muda tudo para mim. Eu trabalho muito em cafés, espaços de coworking, aviões e aeroportos. Estou sempre com algum dispositivo em mãos, mas a infraestrutura global de comunicação está muito aquém da ubiquidade. A dor de cabeça de adquirir chips 3G pré-pagos em cada país que visito ou ter de procurar cafés com Wi-Fi de qualidade acumula rápido. Não vejo a hora de olhar para trás, para 2012, e desacreditar que um dia, no passado recente, houve tanta dificuldade para simplesmente acessar a internet.

ZH – O profissional de hoje, nas mais diferentes áreas de atuação, precisa estar sempre projetando o futuro? É uma questão de sobrevivência – do emprego, do negócio, da carreira?

Zappa –
Sim. Sempre esteve, mas a velocidade de transformação ainda não era rápida o suficiente para isso se fazer notável. Hoje, e cada vez mais no futuro, as transformações – de paradigmas, tecnologias, soluções e até problemas a serem resolvidos – se alteram em velocidade crescente. E não vão desacelerar. Hoje essa taxa de transformação está em seu nível mais baixo.

ZH – Como você imagina sua vida daqui a cinco, 10, 15 anos?

Zappa –
Muita mudança no universo biológico. Desde sensores rastreando todo movimento externo e interno de nossos corpos até modificações biológicas optativas. Em 15 anos, começaremos a ver o começo da revolução que teremos com avanços em biotecnologia, que terá como resultado um grande avanço em tratamentos e diagnósticos. Também haverá grandes avanços em transporte e trânsito. Espero que, em 15 anos, tenhamos uma presença considerável de carros e caminhões autônomos, por exemplo.

ZH – Trabalhando com tecnologia, você passa mais tempo pensando em 2012 ou no futuro?

Zappa –
Enquanto empresário, preciso manter um equilíbrio saudável entre onde você quer ver a sua empresa daqui a cinco ou 10 anos, e decidir o que fazer no dia a dia. A distância do presente até o futuro é muito menor do que parece, e tento construir o meu negócio com fundações fortes e bem contempladas para garantir que o projeto possa crescer na melhor direção.
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larissa.roso@zerohora.com.br
POR LARISSA ROSO
Fonte: ZH on line, 13/10/2012
OS QUATRO GRANDES
Com ideias para automóveis, transporte, educação, financiamento, longevidade e exploração espacial, quem são os maiores inovadores da atualidade, na opinião de Michell Zappa:
Elon Musk
Sul-africano naturalizado americano, 41 anos, cursou Física e Economia na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos
Inventor do Tesla, o primeiro carro elétrico esportivo.
Está trabalhando no projeto do Hyperloop, com a ideia de transportar pessoas numa mistura de trem com avião.
Fundador da Space Exploration Technologies (SpaceX), empresa que desenvolve e fabrica foguetes e naves espaciais.
Peter Diamandis
Americano de origem grega, 51 anos, frequentou o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Escola de Medicina de Harvard
Fundador da Singularity U (instituição de educação sem fins lucrativos no Vale do Silício, nos Estados Unidos), da Planetary Resources (desenvolve veículos espaciais de baixo custo para a exploração de asteroides) e da X-Prize Foundation (organização sem fins lucrativos que planeja e administra competições públicas para estimular o desenvolvimento de tecnologias que ajudem a resolver os maiores desafios da humanidade).
Peter Thiel
Alemão, 45 anos, formado em Direito pela Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA)
Cofundador do Singularity Institute, que estuda a inteligência artificial.
Investe em pesquisas antienvelhecimento por meio da SENS Foundation, com o objetivo de permitir que as pessoas tenham vidas radicalmente mais longas e saudáveis.
Sebastian Thrun
Alemão, 45 anos, graduado pelas universidades de Bonn e Hildesheim, na Alemanha
Executivo do Google, fundador do Google X Lab, desenvolve a tecnologia dos carros sem motorista da empresa.
Cofundador da Udacity, instituição digital com o objetivo de democratizar a educação, oferecendo aulas gratuitas para alunos de qualquer lugar.

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