RAQUEL WEISS*
Nick Allen, da Universidade de Oxford, será um dos conferencistas
Num mundo em que o novo surge a cada instante, com uma velocidade
crescente, fazendo-nos olhar sempre à frente, ansiosos pelas novas
descobertas, pelas novas tecnologias, pelas novas tendências, por tudo
que será a grande sensação da próxima estação, olhar para o passado
parece quase um contrassenso.
Mas é justamente a isso que se propõe a Escola de Altos Estudos As Formas Elementares da Vida Religiosa (www.durkheim-br.org), a se realizar de 15 a 18 de outubro, no Salão do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados (Ilea), no Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O evento, a ser acompanhado por outros, como o seminário Sociologias do Século 21, em novembro, é parte das comemorações dos 40 anos de fundação do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS.
Mais controverso e relevante livro lançado em vida pelo sociólogo francês Émile Durkheim (1858 – 1917), As Formas Elementares da Vida Religiosa completa este ano um século de publicação sem que sua condição de obra-chave da história da sociologia tenha sido abalada. Nesse livro, a teoria de Durkheim atinge um ponto alto, condensando conceitos e ideias que antes haviam sido apresentados como hipóteses vagas e insights pouco desenvolvidos. Seu caráter polêmico deve-se especialmente ao modo como o autor trata o tema que está no próprio título: a vida religiosa.
Embora o livro consista em uma análise de um tipo específico de religião, o totemismo, praticado sob diversas formas por numerosas tribos australianas, o autor não pretendia tratar de uma religião específica. Seu objetivo maior era encontrar as formas – e não o conteúdo – mais básicas de toda e qualquer religião, de modo a ser possível compreender a razão de ser desse fenômeno, que, segundo o autor, seriam as crenças e os ritos, definidos respectivamente como ideias sagradas e práticas sagradas.
Mas o que mais causou polêmica nisso foi a afirmação do autor de que todas as religiões são verdadeiras. Naquele momento, a sociedade francesa encontrava-se profundamente dividida entre aqueles que defendiam versões radicais de suas religiões, especialmente o catolicismo, e aqueles que defendiam o ateísmo radical, que implicaria o combate a qualquer forma de vida religiosa. Portanto, não é difícil compreender por que a afirmação de que “todas as religiões são verdadeiras” foi atacada por todos os lados. Ora, se todas as religiões são verdadeiras, então a minha não é a única verdadeira. E se são verdadeiras, não são meros delírios que devem ser combatidos a todo custo.
Mas o que é que o autor queria dizer com essa afirmação que gerou tanta polêmica? Na realidade, tal argumento está na própria origem da possibilidade de uma das áreas mais importantes da sociologia, a sociologia da religião, na medida em que o que ele estava dizendo é que toda religião é verdadeira porque é uma criação social. Não só. Toda religião constitui a expressão metamorfoseada, simbólica, transfigurada da própria vida coletiva, que é algo tão real como o ar que respiramos.
Essa vida coletiva, embora esteja presente o tempo todo, é particularmente sentida e produzida no momento de intensa aproximação de corpos e consciências voltados na direção de um propósito comum. Nessas situações a força da vida coletiva é percebida pelos indivíduos como um afluxo de energia: ele se sente mais vivo, mais forte. Essa energia é chamada pelo autor de efervescência e, segundo minha interpretação, trata-se do elemento mais atual dessa obra.
É a efervescência que está na base de toda vida religiosa, na medida em que é a percepção dessa força excepcionalmente intensa que faz com que surja o sentimento do sagrado. E, em contrapartida, é a religião que recria continuamente a vida coletiva, na medida em que promove ritos que reforçam as crenças que, em última instância, são a própria alma da vida coletiva. Tudo isso nos faz perceber a religião de uma nova maneira.
Portanto, olhar para o passado é tentar aprender com aquilo que foi escrito há cem anos, percebendo tudo que tem a nos dizer sobre o mundo em que vivemos. Isso me faz recordar algo que disse o bailarino Vaslav Nijinsky, comentando a coreografia que criou para a peça de Igor Stravinsky: tivemos de retroceder mil anos na história para que pudéssemos dar um grande salto para o futuro.
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*Professora da UFRGS, diretora do Centro Brasileiro de Estudos Durkheimianos e co-organizadora de “David Émile Durkheim” (Editora da UFPR, 2011)
Mas é justamente a isso que se propõe a Escola de Altos Estudos As Formas Elementares da Vida Religiosa (www.durkheim-br.org), a se realizar de 15 a 18 de outubro, no Salão do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados (Ilea), no Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O evento, a ser acompanhado por outros, como o seminário Sociologias do Século 21, em novembro, é parte das comemorações dos 40 anos de fundação do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS.
Mais controverso e relevante livro lançado em vida pelo sociólogo francês Émile Durkheim (1858 – 1917), As Formas Elementares da Vida Religiosa completa este ano um século de publicação sem que sua condição de obra-chave da história da sociologia tenha sido abalada. Nesse livro, a teoria de Durkheim atinge um ponto alto, condensando conceitos e ideias que antes haviam sido apresentados como hipóteses vagas e insights pouco desenvolvidos. Seu caráter polêmico deve-se especialmente ao modo como o autor trata o tema que está no próprio título: a vida religiosa.
Embora o livro consista em uma análise de um tipo específico de religião, o totemismo, praticado sob diversas formas por numerosas tribos australianas, o autor não pretendia tratar de uma religião específica. Seu objetivo maior era encontrar as formas – e não o conteúdo – mais básicas de toda e qualquer religião, de modo a ser possível compreender a razão de ser desse fenômeno, que, segundo o autor, seriam as crenças e os ritos, definidos respectivamente como ideias sagradas e práticas sagradas.
Mas o que mais causou polêmica nisso foi a afirmação do autor de que todas as religiões são verdadeiras. Naquele momento, a sociedade francesa encontrava-se profundamente dividida entre aqueles que defendiam versões radicais de suas religiões, especialmente o catolicismo, e aqueles que defendiam o ateísmo radical, que implicaria o combate a qualquer forma de vida religiosa. Portanto, não é difícil compreender por que a afirmação de que “todas as religiões são verdadeiras” foi atacada por todos os lados. Ora, se todas as religiões são verdadeiras, então a minha não é a única verdadeira. E se são verdadeiras, não são meros delírios que devem ser combatidos a todo custo.
Mas o que é que o autor queria dizer com essa afirmação que gerou tanta polêmica? Na realidade, tal argumento está na própria origem da possibilidade de uma das áreas mais importantes da sociologia, a sociologia da religião, na medida em que o que ele estava dizendo é que toda religião é verdadeira porque é uma criação social. Não só. Toda religião constitui a expressão metamorfoseada, simbólica, transfigurada da própria vida coletiva, que é algo tão real como o ar que respiramos.
Essa vida coletiva, embora esteja presente o tempo todo, é particularmente sentida e produzida no momento de intensa aproximação de corpos e consciências voltados na direção de um propósito comum. Nessas situações a força da vida coletiva é percebida pelos indivíduos como um afluxo de energia: ele se sente mais vivo, mais forte. Essa energia é chamada pelo autor de efervescência e, segundo minha interpretação, trata-se do elemento mais atual dessa obra.
É a efervescência que está na base de toda vida religiosa, na medida em que é a percepção dessa força excepcionalmente intensa que faz com que surja o sentimento do sagrado. E, em contrapartida, é a religião que recria continuamente a vida coletiva, na medida em que promove ritos que reforçam as crenças que, em última instância, são a própria alma da vida coletiva. Tudo isso nos faz perceber a religião de uma nova maneira.
Portanto, olhar para o passado é tentar aprender com aquilo que foi escrito há cem anos, percebendo tudo que tem a nos dizer sobre o mundo em que vivemos. Isso me faz recordar algo que disse o bailarino Vaslav Nijinsky, comentando a coreografia que criou para a peça de Igor Stravinsky: tivemos de retroceder mil anos na história para que pudéssemos dar um grande salto para o futuro.
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*Professora da UFRGS, diretora do Centro Brasileiro de Estudos Durkheimianos e co-organizadora de “David Émile Durkheim” (Editora da UFPR, 2011)
Fonte: ZH on line, 13/10/2012
Por que as religiões são criadas? penso que é por necessitarmos justificar nossa existência e sairmos do isolamento através da ligação com o outro. Precisamos nos sentir vivos, efervescentes, fortalecidos e, para isso, buscamos algo maior do que nós.na coletividade, quando há um propósito comum, nos sentimos mais fortes, legitimados. Nossa alma parece frágil, na solidão. A alma coletiva é forte, amparada em suas crenças comuns. É uma forma de pertencer, fazer parte de um todo do qual sentimos falta. A polêmica que a frase de que todas as religiões são verdadeiras causou, é estranha para mim, que pertenço a todas e a nenhuma em particular. quando nos sentimos ligados a tudo, não há mais separações.
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