O desafio da internet das coisas
IHU/UNISINOS – 01/06/2007
Hoje, praticamente mais ninguém duvida da capacidade de pessoas distantes no espaço se encontrarem, via internet, e se comunicarem e trocarem informações que acham pertinentes. Já faz parte da vida. No entanto, a reação de perplexidade toma conta quando se afirma que em breve será possível interconectar coisas. O próximo passo consiste em integrar coisas numa rede de comunicação, a chamada internet das coisas. Para Neil Gershenfeld, pesquisador do MIT e guru deste tipo de pesquisa, “esta é a visão de uma verdadeira rede ubíqua: em qualquer lugar, a qualquer hora, por qualquer pessoa e com qualquer coisa”. E as quatro tecnologias que enumerava para tornar isso possível são: etiquetas de identificação por radiofreqüência (RFID), sensores, inteligência e nanotecnologia.
Segue a reportagem de Tomàs Delclós para o El País, 17-05-2007. A tradução é do Cepat.
A internet nasceu conectando pessoas através de máquinas. Agora, uma parte importante da sua rede, 12% do tráfego, conecta máquinas que falam entre si para cumprir uma tarefa sem necessitar do homem. O próximo passo é a chamada Internet das coisas. Trata-se de que a atual internet salte do universo em que se move para aquele dos objetos, identificados e capazes de se conectar e intercambiar informação. As explicações sobre esta futura internet das coisas estão cheias de metáforas e não é estranho que, junto com cientistas, também tenham escrito sobre este futuro novelistas como Bruce Sterling.
Um dos pesquisadores que com mais persistência trabalha e teoriza este horizonte é Neil Gershenfeld, do MIT. Em 1999, publicou Quando as coisas começam a pensar onde, junto com o relato de experiências de laboratório, havia um lado estritamente programático. “Além de procurar fazer com que os computadores estejam em todas as partes, deveríamos tentar que não estorvassem”, escrevia. Na sua tese fixava os direitos daqueles que empregam as coisas (“fazer uso da tecnologia sem atender as necessidades desta”) e também os direitos das coisas: ter identidade, aceder a outros objetos e detectar o entorno.
No mês passado, Gershenfeld esteve em Barcelona onde o Instituto da Arquitetura Avançada abriu um dos fablabs que ele promove, laboratórios-fábrica nos quais os cidadãos utilizam máquinas para inventar e fabricar coisas que lhes interessam e na sua medida. Diante das profecias que não acreditam que possamos ver um mundo com objetos interconectados em até 30 anos, Gershenfeld acredita que é preciso “diferenciar o longo prazo e os surpreendentes passos que estão sendo dados no curto prazo. Entender o longo prazo permite compreender o que supõe a revolução digital”.
E explica que nos anos quarenta do século passado, Claude Shannon demonstrou que a codificação digital dava a possibilidade de comunicação perfeita apesar dos ruídos. Nos anos cinqüenta, Neumann demonstrou o mesmo princípio no mundo dos computadores: o encaixotamento de peças imperfeitas não impede dispor de uma máquina que cumpra perfeitamente sua função. E este mesmo princípio se aplica à fabricação digital. “Nosso próprio corpo, efetivamente, está construído por pequenos computadores nas proteínas. O atual estágio da pesquisa sobre a fabricação digital consiste em que os computadores não controlem as ferramentas, mas que sejam ferramentas e que os programas não desenhem coisas, mas que sejam coisas”.
Internet 0
Um mundo interconectado parece exigir um cidadão muito competente em novas tecnologias. Gershenfeld considera que “a chave é que quando a gente pode criar sua própria tecnologia é então quando se desperta a paixão. A solução não é só uma educação melhor ou um software mais amigável, mas dar a possibilidade de que as pessoas possam criar tecnologia por si próprias”.
Um conceito associado à Internet das coisas é a internet 0. Diante da Internet que cresce e exige mais largura de banda, a Internet 2 para grandes manobras telemáticas, Gershenfeld fala da Internet 0 porque uma lâmpada não necessita tanta largura de banda. “A expressão Internet 0 nasce precisamente do projeto Media House realizado em Barcelona. Levantou-se uma estrutura com a idéia de uma casa programável baseada em micro-chips que são servidores web, sensores que controlam a energia e podem se comunicar de muitas maneiras diferentes. Custam um dólar. O nome Internet 0 procede do emprego de uma comunicação lenta para facilitar sua implementação. O que os dispositivos fazem na Internet 0 se aproxima mais do Código Morse, usado em telegrafia”. Gershenfeld comenta que se a domótica não avançou o esperado é porque a indústria da construção não se dá conta de que além do departamento de eletricidade ela necessita de uma seção de IT. “O custo não está nos dispositivos, mas na rede e é preciso refazê-la”.
Em novembro de 2005, a União Internacional das Telecomunicações, uma agência das Nações Unidas, apresentou seu relatório sobre a internet das coisas. “O próximo passo é integrar coisas numa rede de comunicação. Esta é a visão de uma verdadeira rede ubíqua: em qualquer lugar, a qualquer hora, por qualquer pessoa e com qualquer coisa”. E as quatro tecnologias que enumerava para tornar isso possível são: etiquetas de identificação por radiofreqüência (RFID), sensores, inteligência e nanotecnologia. Num capítulo em que imaginam o futuro, descrevem a vida de “Rosa, uma estudante espanhola, em 2020”. Se ela quiser passar um fim de semana nos Alpes, os sensores dos pneus a avisam de qualquer avaria, ela compra uma jaqueta multimídia com ajustes de temperatura, faz uma videoconferência com seu noivo através dos óculos e se encontram no caminho graças aos instrumentos de navegação...
O relatório destaca que a adoção de padrões e a interoperabilidade serão resolvidas para facilitar a mudança. O documento insiste nas RFID, o que traz problemas de desconfiança do cidadão. Como controlar o cruzamento inadvertido de dados? Para Gershenfeld, “as RFID têm muitos problemas. O maior é que o usuário pode ler a etiqueta, mas necessitaria de um exército de consultores para a programação de uma etiqueta e torná-la funcional. O atual RFID não tem nada a ver com a internet, mas no mundo da Internet 0 o usuário pode se comunicar fisicamente com as etiquetas. Porque aí cada etiqueta tem uma função e está na rede. As RFID estão isoladas, no vazio. Na Internet 0, as etiquetas são uma pacote físico que faz parte da rede e isso diminui as preocupações sobre a privacidade”.
Joseph Paradells, pesquisador da Politécnica da Catalunha e da Fundação I2cat, comenta que o futuro da Internet das coisas não reside só em conectar coisas, mas em dar inteligência ambiental. “Além da automatização das casas ou a vigilância de doentes, do que se fala muito, estão aplicações para o controle e a salvaguarda do entorno”. E matiza o papel das atuais etiquetas RFID. “As mais conhecidas são passivas, só dão informação quando são ativadas externamente. Em muito pouco tempo haverá as RFID com baterias que podem ter um papel mais ativo, mas sempre se trata de responder a uma pergunta externa. Ao contrário, os sensores têm certa capacidade para captar dados, processá-los, fazer algo com eles. O problema é que as RFID mais simples podem custar centavos. As ativas, entre 20 e 30 euros e os sensores mais. Outro gargalo é a alimentação dos mesmos. Com a necessidade de recarga periódica, suas baterias perdem muita utilidade. Daí os estudos para alimentá-los de forma permanente por vibração, pressão ou energia lumínica”.
Paradells trabalhou em protótipos que mudam a imagem tradicional da domótica. “Habitualmente se pensa em sistemas para controlar a casa, mas se você quiser colocar uma lâmpada num lugar imprevisto... é um problema. A alternativa é estabelecer a comunicação com o interruptor em qualquer tomada, mais que instalar interruptores você instala tomadas. No segundo, os interruptores estão alimentados por baterias e podem estar em qualquer lugar, sem necessidade de tomada”. Ao dotar a lâmpada de uma direção IP e estar conectada à rede, pode ser controlada a partir de qualquer lugar. Outras pesquisas se referem ao controle de eletrodomésticos em função do perfil do usuário (que a televisão se ligue pelo canal preferido de quem quer assisti-la, baixe o volume quando o telefone tocar, etc.) ou a melhora dos mecanismos de tele-assistência.
Os ‘spimes’ de Sterling
Bruce Sterling, em seu livro Shaping Things, chama Spimes a próxima geração de objetos no universo da tecnocultura. Trata-se de “informação mesclada com sustentabilidade”. Na Wikipedia encontra-se claramente o que são os spimes: têm uma identidade única legível digitalmente; são localizáveis e traçáveis; podem ser buscados desde buscadores; recicláveis; desenhados e armazenados virtualmente e em muitos casos podem ser fabricados pelo próprio usuário.
(http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=7531 )
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