domingo, 18 de fevereiro de 2018

Gostar de Carnaval

Lya Luft*
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Esta vai ser mais uma coluna sem grande aprovação: os apaixonados por Carnaval vão torcer o nariz e passar adiante. 

Não desgosto de Carnaval. Quando mocinha, fui a bailes de clube e achava muito divertido, fantasia de holandesa, que combinava comigo, ou de odalisca, que não tinha naaaada a ver. 

Éramos adolescentes meio inocentes do Interior, mas, estranhamente, todo mundo usava lança-perfume, hoje condenado. As mães só recomendavam para não aspirar direto nem cheirar lenço molhado com o produto, cujo cheiro aliás eu adorava, lembrava alegria e descontração. 

Não havia quase Carnaval de rua, nada parecido com os blocos de hoje, as multidões suadas e não muito vestidas, num aperto meio indigno de não haver onde fazer xixi nem o resto, gente de porre vomitando é quase normal, peitos e bundas oferecidos com generosidade absoluta. 

Acho que éramos cheios de manias naquele tempo. Carnaval era mais alegria do que deboche. Talvez ainda fôssemos moralistas ou bobos. 

Hoje me entristece um pouco: não a alegria, a diversão, a catarse de um povo explorado e sofrido, mas a capacidade meio desesperada de por vários dias e noites esquecer a situação do país - que beira o dramático ou trágico - pulando, requebrando, chacoalhando numa felicidade ímpar. 

Por um breve tempo de ilusão, esquecem-se as contas atrasadas, a comida cara, a condução desconfortável, o pagamento atrasado, o terror da violência tão habitual, o temor de adoecer e não ter hospital nem remédio. 

Talvez esses dias de total alienação - estranha para quem não participa - sejam um intervalo necessário e misericordioso num país em tamanhas dificuldades. A imagem que fica é a de um povo rico, saudável, despreocupado, bem empregado e feliz, não dando a menor bola para os chatos que, como esta colunista, assistem com um vago espanto às sucessivas e intermináveis (e incansáveis) ondas de corpos suados, caras desfeitas, risos abertos e copos sempre cheios que por dias e dias e dias e dias enchem ruas e avenidas numa alegria atroz. 

Quem sabe hoje escreve aqui uma bruxa nem tão boa, nem tão divertida, mas com certeza um bocado preocupada e atenta ao que fazem conosco e com este país que a gente ama.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH 
Imagem da Internet
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=73619c7b11b447e069e92d80914bc329 17/02/2018

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