quinta-feira, 14 de junho de 2018

Kim e Donald

Juremir Machado da Silva*
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 Eles nunca foram amados tanto quanto gostariam. Têm sido diabolizados por seus inimigos e por boa parte do mundo. Donald já chamou Kim de gordinho fogueteiro. Kim já rotulou Donald de paquiderme americano. Finalmente, em Cingapura, eles se encontraram, trocaram sorrisos, amabilidades e apertos de mão. Assinaram um documento. As imagens dos dois juntos dizem mais do que milhões de palavras, mas não dizem o essencial: qual é o jogo do ditador norte-coreano? Que carta ele esconde nas largas mangas daquelas suas roupas folgadas? Mistério.

Juntos eles poderão empalmar o Nobel da paz e virar série da Netflix. O negócio até aqui é ótimo para ambos. Kim saiu da clausura do seu país considerado anacrônico e tornou-se protagonista na cena diplomática mundial. Donald, depois de quebrar pratos por todo lado, surge como um homem de negociação e de estratégias ousadas. A jogada de Donald é óbvia como os seus discursos: fazer a paz, eliminar o arsenal nuclear de Kim e empurrar as duas Coreias para um abraço apertado. A questão é: o que Kim ganha com isso? Ele meteu o pé no acelerador e consolidou o seu projeto nuclear. Com isso, virou um player – essa palavra tem charme especial – capaz de atrair Donald para o seu tabuleiro. Dotou-se de armas nucleares para entregá-las no minuto seguinte? O que ele poderá ganhar abrindo mão do seu trunfo?

Estamos diante do duelo pós-moderno. O vencedor não será aquele que atirar ou piscar primeiro, mas o que tiver um objetivo realizável por trás das aparências. Kim está vivendo os seus momentos de glória. Se der tudo certo, entra para a história. Se der errado, poderá levar o seu país ao destino da Líbia, do Iraque ou do Irã, que cederam à tentação do diálogo, com poderios diferentes em contextos diferentes, e bateram de cara no muro. Estará o sinuoso Kim enrolando o truculento Donald em rede mundial? Entregará o bolo sabendo que tem a receita para produzir outros quando for necessário? Ou só produziu um fato para cair de pé? O homenzinho de preto surpreende o mundo todo dia.

Superou o irmão mais velho na luta pelo poder, mandou executar o tio, falou grosso com os Estados Unidos e, quando menos se esperava, acenou para o inimigo chamando-o para o diálogo. O roteiro é simples. A equipe de produção faz a pergunta que não pode ser esquecida: e agora? O que ele faz? Mais: como se desenvolve a relação? Qual o próximo passo? Possibilidades: Donald convida Kim para uma visita à Casa Branca. O norte-coreano vai e não comete uma só gafe à mesa. O anfitrião quer servir a desnuclearização da península coreana como sobremesa. Kim não tem pressa. Mastiga lentamente. Esconde o jogo.

Hipóteses não faltam para explicar os movimentos de Kim: ele está fazendo o que a China manda; ele quer obter o maior número possível de favores; ele pretende arrancar dos Estados Unidos um tíquete permanente para a Disney; ele só está ganhando tempo; ele nada tem a perder. Uma coisa fica clara: só ele conhece o jogo que joga.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário.
Fonte:  https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/06/10938/dois-seres-bizarros/

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