
Vint Cerf, que ocupa hoje o cargo de evangelista-chefe do
Google, é considerado um dos "pais da internet" -
Bruno
Santos/Divulgação
Vint
Cerf desenvolveu na década de 1970, ao lado
de Bob Kahn, o protocolo TCP/IP
JOÃO
PESSOA (PB) — O matemático americano Vint Cerf é considerado um dos “pais da
internet” por ter desenvolvido, ao lado do engenheiro Bob Kahn, o protocolo
TCP/IP, que se tornou padrão da rede mundial de computadores.
O
desenvolvimento da arquitetura começou na década de 1970, quando a dupla
trabalhava no aprimoramento da ARPANET, na Agência de Projetos de Pesquisa
Avançada de Defesa (DARPA, na sigla em inglês), órgão de pesquisas ligado ao
Departamento de Defesa dos EUA. Aos 72 anos, Cerf é personalidade ativa na
indústria de tecnologia e ocupa o cargo de evangelista-chefe do Google.
Ele
esteve no Brasil para participar do Fórum de Governança da Internet, promovido
pela ONU em João Pessoa, na Paraíba.
Ao
criar a internet, o senhor imaginou quão grande ela se tornaria?
Parte
da resposta é sim. Como todos sabem, quando começamos o desenvolvimento em
1973, nós fizemos o design com 4,3 bilhões de terminações. Na época, pensamos:
“isso tem que ser suficiente para esse experimento”. Mas erramos. Nós já
sabíamos que elas acabariam desde 1992. Dez anos após ligarmos a internet,
sabíamos que os endereços não seriam suficientes, então desenvolvemos o IPv6.
Mas nós também esperávamos, não sabíamos, que a forma como fizemos o design
permitiria o crescimento orgânico. E se fizermos as contas, nós observamos que
a internet em 2015 é dez milhões de vezes maior do que era em 1983. Em todos os
aspectos: velocidade dos links de comunicação, número de terminações, número de
usuários. Ela aumentou de forma muito dramática. Eu acho que Bob Kahn e eu
ficamos muito impressionados pelo fato de um sistema pensado em 1973, que tenha
crescido dez milhões de vezes, continue funcionando da mesma forma básica como
imaginamos. Isso é muito raro.
Sendo
considerado um dos “pais” da internet, como o senhor avalia o seu “filho” hoje?
Eu
acho que a resposta é que a internet parece um adolescente que, às vezes, se
comporta mal. Então, você tem que pensar em como lidar com isso. E essa é parte
da razão de termos o Fórum de Governança da Internet (IGF), para entendermos
que existem formas em que ela está sendo abusada e que danos acontecem.
E
como lidar com esses maus comportamentos?
O
nosso trabalho é tentar descobrir como minimizar os danos, e nós temos algumas
opções. Algumas delas técnicas, como detectar malwares para que eles não sejam
transmitidos para outras pessoas. Outra possibilidade é detectar essas coisas e
avisar: não podemos impedir que façam coisas ruins, mas, se nós os
encontrarmos, haverá consequências. Por fim, podemos dizer: não façam isso,
porque é errado, não é ético, fere princípios morais. Isso pode parecer um
argumento fraco, a não ser que todos concordem que tal comportamento não é
aceitável. Existe a pressão social, que é muito poderosa.
Como
o senhor avalia a lei de mercado único digital, com regras para a internet,
aprovada recentemente pela Comissão Europeia?
Não
sou um especialista sobre o conteúdo da lei, mas tenho a impressão que eles
estão tentando uniformizar o campo de jogo entre os países da União Europeia.
Estão preocupados com o roaming, tentando fazer os serviços on-line mais
uniformes. É fácil entender por que estão fazendo isso, pois existem muitas
barreiras para os serviços por causa do mercado diversificado que possuem. A
minha única preocupação é sobre o potencial de esse mercado digital único
acabar criando barreiras para outros interessados, de outros países, oferecerem
serviços na Europa. Eu não tenho conhecimento suficiente para dizer se isso vai
ou não acontecer, mas é algo com que me preocupo. Asseguro que essa não é a
intenção, mas sempre existe a preocupação de que os acordos possam prejudicar a
liberdade de oferta de serviços.
A
nova legislação garante a neutralidade da rede, mas abre espaço para o “zero
rating” e “serviços especializados”, o que foi bastante criticado.
O
que está acontecendo é que termos como “zero rating” (quando empresas fornecem
serviços sem cobrar pelo tráfego de dados) e “neutralidade da rede” nem sempre
têm o mesmo significado para as pessoas, como foi possível perceber aqui no
Fórum de Governança da Internet. Provavelmente, a melhor forma de se pensar
sobre esse tema é tentar identificar quais as consequências que queremos, em
vez de discutir se algo está ou não violando a neutralidade da rede.
Mas
qual a sua opinião sobre a oferta de acesso gratuito a serviços?
Acho
que quase todos devem concordar que ajudar as pessoas a terem acesso à internet
é uma boa coisa. Existem vários tipos de barreiras que impedem as pessoas de
usarem efetivamente a rede. Se não for alfabetizada, por exemplo, ela não
entenderá o conteúdo disponível. Então, garantir que todos tenham a habilidade
de acessar qualquer informação e tirar vantagem disso, ou compartilhar conteúdos,
é muito importante, especialmente quando se tratar de conteúdo local, em
idiomas locais. E também reconhecemos que existem diferentes formas de se pagar
pela internet ou obter o acesso. A maioria delas está empacotada em ofertas
comerciais, que são apenas uma das muitas formas que permitem o acesso das
pessoas à rede. Por exemplo, se você for a um Starbucks nos Estados Unidos,
terá acesso por não mais que um copo de café. Ou no lobby de um hotel, em uma
biblioteca... A ideia é o acesso como um serviço fornecido para atrair
consumidores. Então, em vez de argumentar sobre o “zero rating”, deveríamos
procurar formas de fornecer às pessoas acesso total à internet, e existem
modelos em que o custo é arcado por terceiros. No Google, por exemplo, quando nós
lançamos o Google Fiber, oferecemos acesso total em altíssima velocidade se as
pessoas pagarem uma assinatura, mas se decidirem não pagar, elas têm 5 Mbps
gratuitos.
E
em relação à neutralidade da rede?
Algumas
pessoas, que gostariam de ter a possibilidade de fechar acordos especiais para
aumentar a velocidade de tráfego, argumentam que a noção de neutralidade da
rede não é boa. Eles dizem que seria preciso tratar todos os pacotes exatamente
da mesma maneira, sem qualquer priorização. Não, isso não é verdade. Os
requerimentos de baixa latência (que levam pouco tempo entre o envio e a
resposta) não são uma violação da neutralidade. Normalmente, os requerimentos
de baixa latência são de poucos dados, então não geram muito tráfego. Por outro
lado, as pessoas que estão preocupadas com essa questão dizem: “e se eu não
tiver muitas opções de provedores, se existir apenas um?”. Nos EUA, nós
enfrentamos esse problema, não existe muita competição. O problema é que a
única empresa a fornecer o acesso pode decidir priorizar os seus próprios
serviços. Isso é anticompetitivo.
E
para o futuro? Como o senhor imagina a internet daqui a dez anos?
Será
2025. Nós sabemos que o sistema interplanetário estará não apenas em operação,
mas com múltiplos nós. Sabemos que existirão bilhões de dispositivos a mais,
muitos aparelhos, o que chamamos de internet das coisas. Estaremos rodeados
pela internet, por dispositivos que farão parte da rede. A inteligência
artificial vai avançar de forma significativa, especialmente agora que o Google
liberou o seu software de inteligência artificial. Então, veremos progresso
rápido nessas áreas, teremos mais interação natural: você vai perguntar e a
máquina vai responder, sem precisar digitar. Também teremos carros autônomos,
que conversarão entre si, acabando com os acidentes de trânsito. E acredito que
vamos descobrir que o sistema tem a capacidade de auxiliar deficiências. Se uma
pessoa tiver problemas de visão, audição ou motora, existirão tecnologias que
vão ajudá-la a superar essas barreiras. E isso vai favorecer inclusive aquelas
com deficiências temporárias, como um braço quebrado. Então, tornar a rede mais
acessível é importante não apenas para as pessoas com deficiências permanentes,
mas para todos.
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Reportagem por
Sérgio Matsuura
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