sábado, 13 de maio de 2023

Consciência de máquina

Álvaro Machado Dias *

 

 LaMDA ( (Language Model for Dialogue Applications)l, do Google: 
as interações que criam sensação de 'consciência própria' em robôs 
- Foto: Getty images/BBC News Brasil - GETTY IMAGES / BBC News Brasil 
 

Redes neurais artificiais têm baixa complexidade arquitetônica, ao contrário do cérebro da lesma e do nosso

Consciência é uma forma substantiva de se referir ao trânsito das experiências. Em seu cerne estão duas dinâmicas informacionais: uma em que o mapeamento de condições internas pelo agente gera um sinal fraco, mas quase perene; e outra em que perturbações dessas manifestações sutis dão especificidade a realidades notáveis.

A primeira é chamada de consciência fenomenológica; é ela que cria nosso senso de identidade sensorial. A outra é a consciência atencional, para qual se aplica a famosa alegoria do palco e do holofote. A formação de juízos afetivos sobre o que nos é relevante vem da leitura das inflexões do sinal fraco pelas ideias e as coisas, o que torna o pacote indivisível.

A taxa estelar de adoção do ChatGPT eliminou o pudor nos debates sobre a consciência artificial. Em menos de um ano, fomos de Blake Lemoine, o engenheiro demitido do Google por falar que um chatbot havia se tornado consciente, para a normalização absoluta dessa perspectiva.

A tese subsumida é que a evolução das redes neurais artificiais é como a dos seres vivos, cuja consciência surge e expande o seu escopo junto à filogenia. O ChatGPT seria o seu marco zero.

Como? A explicação básica é que a multiplicação dos neurônios cumpre esse papel. O problema é que elefantes têm quase 200% mais neurônios do que a gente e não parecem mais conscientes. A explicação sofisticada consigna à complexidade da rede a geração da consciência. Parece fazer sentido.

Porém, redes neurais artificiais têm baixa complexidade arquitetônica —basta notar que não têm áreas especializadas, o que faz com que sejam ativadas na íntegra a cada estimulação, ao contrário do cérebro da lesma e do nosso.

Essas constatações, aliadas à de que a consciência tem papéis decisivos a cumprir em seres que não moram em nuvens imateriais, mas habitam o mundo real, sugere que Blake Lemoine não era mesmo tão lúcido assim.

* Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-machado-dias/2023/05/consciencia-de-maquina.shtml

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