Por The Economist
A mudança
da Europa em direção à extrema-direita atingiu principalmente os forasteiros
previsíveis: muçulmanos e imigrantes da África e do Oriente Médio
Geert Wilders é o político mais poderoso dos
Países Baixos. O partido dele ficou em primeiro lugar nas eleições gerais
de novembro passado e terá a maior bancada no novo governo. Ele
também é um fomentador de ódio já
condenado. Os tribunais holandeses o consideraram culpado de
“insultar um grupo populacional” em um discurso em 2014.
A ofensa de Wilders foi liderar um
público que entoava palavras de ordem pedindo a expulsão dos
“marroquinos” – pessoas de ascendência marroquina, que constituem o grupo
étnico mais estigmatizado dos Países Baixos.
Isto parece bizarro. Os Países Baixos e o
Marrocos são distantes entre si e não têm histórico de conflitos. Mas há uma
grande minoria marroquina-holandesa resultante de programas para trabalhadores
convidados lançados na década de 1960. Como muçulmanos, eles são alvo de
preconceito religioso, e os jovens desse grupo cometem mais crimes do que os de
outros grupos muçulmanos.
Assim, desde que a guinada da política holandesa à
direita na década de 2000, quem fomenta as divisões raciais tem
escolhido eles como alvo. Em 2016, um relatório da Agência de Direitos
Fundamentais da UE concluiu que os Países Baixos tinham o maior nível de
discriminação contra os norte-africanos entre todos os países pesquisados.
Geert Wilders, líder do partido de extrema-direita PVV,
dias depois de
conseguir uma vitória
nas eleições parlamentares da Holanda, no fim de 2023:
vitória graças a um incendiário discurso anti-Islã
Foto: Peter Dejong/AP
Em outros países europeus, diferentes
minorias são visadas, tal como acontece com os
marroquinos-holandeses nos Países Baixos. Toda sociedade possui hierarquias
étnicas; alguém sempre acaba no último degrau.
A mudança da Europa em direção à
extrema-direita atingiu principalmente os forasteiros
previsíveis: muçulmanos e imigrantes da África e do Oriente Médio. Mas cada
país tem suas peculiaridades. Dependendo das circunstâncias locais, os
políticos nacionalistas escolhem diferentes minorias para demonizar.
Em alguns países, os grupos estigmatizados são um
legado da geografia e da guerra, especialmente em meio às
fronteiras mutáveis da Europa Oriental. Os nacionalistas romenos fizeram
campanha durante muito tempo contra a etnia húngara do país (nos anos mais
recentes, o sentimento anti-húngaro diminuiu, forçando o Aur, um novo partido de
extrema-direita, a procurar outros inimigos).
O partido Revival, da Bulgária, é nominalmente
anti-turco, embora passe mais tempo atacando os homossexuais. Na antiga
Iugoslávia, os antagonismos da guerra da década de 1990 persistem:
nacionalistas croatas e kosovares fulminam contra os sérvios; Os macedônios do
norte olham com desconfiança para os albaneses étnicos.
Da mesma forma, nos países bálticos, o grupo
alvo de mais ressentimento são os russos étnicos que sobraram dos tempos
soviéticos. A invasão da Ucrânia pela Rússia exacerbou essas tensões. Estudos
realizados no ano passado pelo Friedrich Ebert Stiftung, um centro de estudos
estratégicos alemão, revelaram que os cidadãos que falam russo sentiam que
estavam sendo maltratados pelos falantes de estoniano e letão (os falantes de
estoniano e letão concordaram).
O mesmo se aplica à Finlândia, onde os nativos
colocam os imigrantes russos com os dos países árabes e africanos entre as
etnias menos aceitas. “É sobretudo uma suspeita de que não sejam leais”, diz
Emma Nortio, da Universidade de Helsinque, que estuda
Na Polônia, com sua história de dominação por
parte do Império Russo e da União Soviética, os russos são mal-vistos e desde
2022 são o grupo nacional menos popular, de acordo com o Centro de Pesquisa de
Opinião Pública do país.
Estão agora abaixo da etnia tradicionalmente
mais estigmatizada da Europa: os ciganos. Os ucranianos, historicamente odiados
na Polônia, foram recebidos como refugiados fugindo dos tanques russos.
Ser branco e cristão ajuda: os refugiados do
Norte de África e do Oriente Médio tendem a ser estigmatizados. Mas a natureza
das crises das quais eles fogem faz a diferença. Na Alemanha, pesquisas
realizadas em 2017 revelaram que os refugiados sírios eram vistos como mais
calorosos e mais competentes do que os norte-africanos, uma vez que eram vistos
como vítimas autênticas.
Banner em frente ao Parlamento Europeu divulga eleições
marcadas para
junho. Foto: Virginia Mayo/Associated Press
Na década de 2000, o Islã radical despertou
ansiedades. Mas, conforme o terrorismo na Europa diminuiu, o foco mudou para as
gangues criminosas. Na Suécia, isso gerou uma atenção mais negativa para os
suecos curdos, menos associados ao islamismo, mas proeminentes nas redes de
traficantes de drogas.
A dimensão religiosa continua sendo crucial;
na França, a antipatia em relação aos norte-africanos é marcadamente maior do
que em relação aos negros africanos, de acordo com o último relatório do
monitor anti-discriminação do país. O anti-semitismo tende a aumentar quando o
conflito israelo-palestiniano esquenta. E nos seus relatórios mais recentes,
essa autoridade constatou um aumento dramático do racismo contra chineses e
outros asiáticos orientais, ligado à pandemia de covid-19.
Os acontecimentos atuais também podem reduzir
o preconceito. Na década de 1990, os italianos estigmatizaram os imigrantes
albaneses. Mas, conforme a Albânia se tornou mais estável e menos pobre, eles
saíram da lista das minorias temidas.
Os psicólogos muitas vezes explicam a
antipatia de grupo como uma função de uma ameaça percebida. “As narrativas que
giram em torno do medo são as que ganham força”, diz Stefania Paolini, da
Universidade de Durham.
Apoiadora do partido francês de extrema direita
Rassemblement National
veste camisa em que
se lê "Famílias estão em perigo",
7 de maio de
2024.
Foto: Jean-christophe Verhaegen/AFP
O receio da concorrência econômica pode
explicar por que os cidadãos mais pobres tendem a gostar menos dos imigrantes
(embora os ricos também possam gostar pouco dos ricos estrangeiros: os
suíço-alemães se ressentem dos imigrantes alemães com escolaridade mais
elevada). Os populistas que jogam com os receios do declínio demográfico
escolhem os africanos. Para lucrar com o medo do terrorismo ou da mudança
cultural, eles atacam os muçulmanos. Quando o alvo são as conspirações da
elite, o antissemitismo entra em jogo.
E quando tudo mais falha, eles vão atrás dos
ciganos. Robert Fico, o primeiro-ministro eslovaco que sobreviveu a uma
tentativa de assassinato em 15 de maio, começou sua carreira política como um
populista de esquerda e é atualmente um populista de direita, mas seus ataques
aos ciganos permaneceram constantes.
Há muito que Portugal carecia de um grande
partido de extrema-direita, explica Alexandre Afonso, da Universidade de
Leiden: o país tinha pouca imigração, e aqueles que vieram, como os
brasileiros, não foram vistos desfavoravelmente. Assim, quando o partido de
extrema-direita Chega foi lançado em 2019, tinha como alvo a pequena e
empobrecida população cigana. O Chega está agora com 18% das intenções de voto.
/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Fonte: https://www.estadao.com.br/internacional/por-que-a-europa-esta-prestes-a-se-afogar-no-rio-da-direita-radical-2/ -
27/05/2024 | 09h30