quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

OS OBJETOS QUE NOS AMAM TANTO

“Não apenas o desejoso movimento rumo à companhia do objeto resultaria recomendável de um ponto de vista clínico, mas demonstra, numa época de consumo especialmente eloqüente, a importante função dos objetos no estado de nosso espírito, no nosso equilíbrio psicológico e na existência cotidiana geral”, escreve Vicente Verdú, em artigo para o El País, 9-02-2008. A tradução é do Cepat.

Condenar as pessoas – especialmente as mulheres – que tratam de atenuar algum estado de depressão mediante compras de roupas e de outros artigos, dentro e fora das atuais liquidações, comporta uma injustiça firmemente baseada na ignorância, no obscurantismo, no falso humanismo e no rancor.

Não apenas o desejoso movimento rumo à companhia do objeto resultaria recomendável de um ponto de vista clínico, mas demonstra, numa época de consumo especialmente eloqüente, a importante função dos objetos no estado de nosso espírito, no nosso equilíbrio psicológico e na existência cotidiana geral.

Até meio século atrás o modo de vida dava oportunidade para viver densamente perto de muitas pessoas – na família extensa, na vizinhança, nas amizades robustas e duradouras – e, ao contrário, se passava com poucos e simplificados objetos. Agora, ao contrário, nos comunicamos densamente com muito menos pessoas e convivemos com um número incomparavelmente maior de objetos.
Agora nos conectamos com centenas de números através do telefone celular, dos chats, das web sociais, mas sem grandes vinculações nem longos períodos de duração. Com os objetos vem, com efeito, a acontecer algo similar, mas o decisivo neste caso é que o déficit de companhia pessoal sem fácil solução no universo das pessoas, é suprido com a considerável incorporação narcisista dos objetos, metamorfoseados em amáveis reflexos de si mesmo. Os objetos não são nunca o mesmo que os sujeitos (ainda que os objetos já sema propriamente “sujeitos”), mas resultam incomparavelmente mais suscetíveis de se manterem ao lado e se comportam no trato com uma condescendência infinita. E não se trata tão somente daqueles objetos que, instalados em casa há muito tempo, vêm a oferecer-nos um hálito de segurança, identidade e amparo com sua presença. Trata-se aqui do objeto recém adquirido e sempre inquietante, que transporta consigo uma inédita porção de amor e, em ocasiões, um amor transgressor e imprevisto, à maneira de uma anedota picante na reiteração dos dias. Com este objeto novo pode parecer, à primeira vista, que é o sujeito quem cria a totalidade da peripécia amorosa e que o objeto se deixa fazer.
A verdade, a verdade excitante, entretanto, radica em que também o objeto age, ama, exclama e transgride. O efeito positivo que o sujeito deprimido, ou não, experimenta através de uma compra caprichosa não é resultado da exclusiva fantasia do receptor, mas também da atitude do objeto que longe de ser apenas um placebo, mundo, surdo e quieto, desempenha um mágico papel ativo.

O objeto mostra seu amor próprio quando percebe que é atendido; o objeto é eleito pelo sujeito e nesse momento de sua seleção, transmite como resposta sua adesão ou sua recusa, sua inacessibilidade ou sua entrega. Desta dialética amorosa, do sujeito ao objeto e do objeto ao sujeito, se gera uma ginástica emocional de notáveis efeitos internos. O comprador ou a compradora, com a auto-estima eventualmente baixa, encontra nesse episódico romance um laço em que cresce o desafio e a redondeza do eu. Uma monstruosidade? Uma tonante obviedade.
Senão, como negar que o mundo em que vivemos se compõe cada vez mais não de seres humanos, animais ou plantas que nos importam, mas de uma afortunada espécie de objetos belíssimos e, muitas vezes, tão sedutores e complacentes que a existência iria se apagando de si, como os mais obstinados propõem, desapareceriam ou afugentariam do nosso entorno? (IHU/Unisinos, 13/02/2008)

Um comentário:

  1. Olá!!

    É sempre bom receber post de um leitor que entenda da matéria. Sendo assim, sinto-me lisongeado com o tão incentivador comentário.

    É bom passar por aqui e ver os sempre importantes temas que você aborda através dos textos que posta em seu Blog. Dentr as várias fontes, a IHU Online conheço bem, pois recebo diariamente as notícias mais importantes e de quando em vez, repasso.

    Parabéns pela missão que exerce por meio do seu blog.

    Forte abraço!

    José Heber de Souza Aguiar

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