quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Livro do ilustrador e quadrinista Shaun Tan ganha versão em português

Ilustração do livro 'A Coisa Perdida', de Shaun Tan - Divulgação
Divulgação
Ilustração do livro 'A Coisa Perdida', de Shaun Tan

Em 'A Coisa Perdida', uma criatura estranha leva a refletir sobre tudo o que foge de classificações


ARYANE CARARO - O Estado de S.Paulo
Shaun Tan não queria escrever uma grande história. Pelo menos não era o que tinha em mente quando começou a rabiscar, na mesa da cozinha, um homem e um caranguejo enorme na praia. O australiano tinha acabado de ver a foto de um caranguejo azul em uma revista e pôs o homem ali apenas para dar uma noção de escala. Não havia enredo nem ideia genial por trás. Mas eles pareciam conversar. E daqueles esboços surgiu A Coisa Perdida que, publicada em 2000, conquistou menção honrosa na Feira Internacional do Livro de Bolonha, virou peça de teatro e ganhou Oscar de melhor curta de animação de 2011. Agora, a coisa acaba de achar o caminho do Brasil, trazida pelas Edições SM. E pode fazer adultos e crianças se perderem em pensamentos sobre tudo o que parece perdido ou não se encaixa.

No livro, uma estranha criatura que se alimenta de enfeites natalinos é encontrada na praia por um garoto. Meio máquina, meio polvo e caranguejo, ela não tem definição ou origem conhecida. Está perdida e triste. Mas é amigável. Tanto que o rapaz decide ajudá-la a encontrar seu lugar. Na cidade de céu e cidadãos cinza, eles passam sem chamar a atenção. Surreal.

A resposta parece vir do anúncio do Departamento Federal de Tralhas e Troços. Mas, nesta repartição burocrática, uma seta surge para salvar a coisa do esquecimento. Ela aponta para um não lugar colorido, atrás de uma porta, onde os seres estranhos são felizes. A sanfona toca sozinha, a gaiola tem asas e o compasso dança em rodopios.

Não há respostas claras. O próprio Shaun, ganhador do Astrid Lindgren Memorial Award 2011 e autor de A Árvore Vermelha e A Chegada, vive encontrando novos significados: crítica ao racionalismo econômico, à burocracia e à alienação, transição da infância para a idade adulta. Por e-mail, ele fala mais sobre essas coisas. Mas, num livro em que ideias e sentimentos são evocados, não explicados, uma frase do narrador prevalece: "Essa é a história. E, por favor, não me pergunte qual é a moral".

O que é a coisa perdida?

Esta é uma boa questão. Poderia dizer que toda a história é, na verdade, apenas um modo elaborado de perguntar isso. Para ser honesto, não sei! É por isso que gosto muito dela. Originalmente, imaginei uma criatura que pudesse ser levada à praia pelo mar, um mutante de um estranho acidente de fábrica ou ainda algo do espaço, mas percebi que essas explicações não são importantes. Simplesmente gostei da ideia de um animal amigável, que "não vem de lugar nenhum e não pertence a lugar algum".

Por que os rabiscos viraram livro?

Só pensei que era uma grande e simples ideia. E queria saber com o que a coisa se parecia, o que aconteceria, porque, no início, eu não sabia. Isso é uma motivação. Até começar a fazer, não é fácil imaginar.

Qual é o lugar para as coisas perdidas?

É uma espécie de lugar nenhum, sem nomes ou significados, onde qualquer coisa é possível e nada pode ser classificado: o reino da possibilidade pura. Se ele existe em algum lugar, é só ultrapassar a fronteira de cada palavra ou pensamento consciente, sempre próxima, mas nunca inteiramente visível, e facilmente esquecida quando ficamos mais velhos.

O que você já perdeu?

Perdi animais de estimação, um gato que fugiu e, mais recentemente, um pássaro. Fico feliz em dizer que eles foram recuperados - você nunca deve desistir cedo demais! Muitas vezes vejo anúncios sobre cães e gatos perdidos (ou encontrados) e fico fascinado pelo drama por trás disso. São incrivelmente comoventes e fico muito preocupado.

O que você já encontrou e levou para casa?

Nosso primeiro gato (que fugiu) vagava na rua perto da minha escola quando eu tinha uns 10 anos. O diretor, um cara meio estranho, ameaçou exterminá-lo a menos que alguém o levasse para casa. Então, meu irmão e eu nos oferecemos e carregamos aquele grande e mal-humorado gato para casa. É claro, ele fugiu. Mas, na segunda vez que o recuperamos, dias depois, ele acabou ficando com a gente por 10 anos. A Coisa Perdida é, em parte, inspirada por essa lembrança, especialmente quando escondemos o gato no galpão, pois não sabíamos como contar a nossos pais.

O mundo real tem muitas coisas perdidas?

Sim, acho que uma coisa perdida é qualquer uma que nós possamos ignorar porque é muito difícil, inconveniente ou desagradável para tentar entender ou fazer algo a respeito. Essas coisas podem ser objetos, animais, pessoas, situações ou apenas ideias.

Você já se sentiu perdido?

Sim, muitas vezes, e acho que a maioria de nós se sente assim em alguns momentos. Você pode se sentir perdido em uma situação estranha, como numa festa em que não conhece ninguém, ou se mudar para uma nova casa, escola, trabalho ou país. Ou pode se sentir perdido sem nenhuma razão especial, apenas por querer saber por que existe ou não saber para onde sua vida está indo. Não acho que isso seja sempre ruim, porque pode fazer você pensar sobre seu lugar no mundo de uma forma positiva.

Que artistas o inspiram?

São tantos. De modo geral, qualquer artista ou escritor que olhe o mundo de um ângulo estranho, a fim de revelar algo especial e verdadeiro. Não importa se eles são bobos ou sérios, grandes obras de literatura adulta ou livros infantis, desde que reconheçam que a realidade cotidiana pode realmente ser bastante estranha quando nós paramos e a examinamos de perto.

A COISA PERDIDA
Autor: Shaun Tan
Tradução: Sérgio Marinho
Editora: Edições SM (32 págs., R$ 37)
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Fonte: Estadão on line, 30/08/2012

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