terça-feira, 26 de novembro de 2019

‘Brasil precisa olhar para o que acontece nos vizinhos da AL


De la Torre: ‘Boas políticas sociais facilitam investimentos. Não se trata apenas de atrair capital, 
mas atrair pessoas’ — Foto: Juan Carlos Rojas/Notimex

Para ex-economista do Banco Mundial, país vive momento distinto na região, mas tem de estar alerta

 Por Thais Carrança — De São Paulo
 
Uma mudança radical de expectativas após anos de redução da pobreza e desigualdade, aliada a uma percepção de injustiça decorrente da corrupção e potencializada pela desaceleração do crescimento. São esses os fatores comuns que ajudam a explicar a onda de instabilidade política em países como Chile, Bolívia, Peru e Argentina, e até mesmo a ascensão da extrema direita no Brasil, avalia Augusto de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe entre 2007 e 2016.

Para De la Torre, a turbulência latino-americana deve afastar investidores da região, mas o Brasil está em posição diferente dos seus pares, por estar avançando com uma agenda de reformas com relativo grau de consenso político. No entanto, diz o economista, a instabilidade nos países vizinhos deve servir de alerta aos políticos e líderes brasileiros.

“Se queremos um ciclo virtuoso de crescimento com igualdade social e percepção de igualdade, toda política econômica deve ser acompanhada de uma política social bem desenhada”, diz De la Torre, em entrevista concedida por telefone ao Valor. “Se isso é benfeito, essas políticas se fortalecem.”

Segundo o hoje professor da Universidade Columbia, ao analisar a turbulência na América Latina, é preciso distinguir entre as forças subjacentes que provocaram o atual grau de insatisfação e aquelas que serviram de gatilhos, amplificando a reação ao ponto da ação violenta. Ele lembra que, entre 2003 e 2015, os países da região experimentaram grande progresso social, com mais de 150 milhões de latino-americanos deixando a pobreza, e uma redução também significativa da desigualdade - que, ainda assim, permanece elevada.

 “É preciso entender por que, apesar de tanta mobilidade social, há tanta insatisfação. Vejo duas hipóteses”, afirma De la Torre. Uma delas é que, com o progresso social, houve também uma mudança profunda das expectativas. “À medida que o poder de compra das pessoas cresceu, elas passaram a esperar outras coisas de suas vidas, seus empregos, suas cidades, do desenvolvimento e do Estado.”

A essas expectativas frustradas por serviços básicos que não acompanharam a melhora da renda soma-se um mal-estar com relação à corrupção, que leva a uma percepção de privilégios injustificados, avalia o economista. “Tudo isso indica que a tradicional medida de desigualdade usada por nós economistas, que é o coeficiente de Gini da renda, não está capturando as tensões e as fraturas na sociedade”, avalia. O Gini varia de zero a um. Quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade.

Para De la Torre, essa mudança profunda de expectativas, comum a vários países latino-americanos, parece ser a força “subjacente” desse descontentamento. “Isso pode ter sido exacerbado pelo fato bem conhecido de que o crescimento da América Latina desabou após 2013”, considera ele, lembrando que a região, que crescia cerca de 5% ao ano, agora tem avanço próximo de zero.

Assim, o economista avalia que a desigualdade, entendida de maneira unidimensional, é insuficiente para dar conta do fenômeno atual. “É mais do que a renda, mas uma percepção multidimensional de injustiça.”

A economia da região deve sofrer com os efeitos da instabilidade, diz o professor. “A economia se baseia em confiança com relação ao futuro”, afirma. “Quando a confiança se erode, há uma erosão também na disposição em investir e em fazer apostas no futuro do país.” Segundo De la Torre, cabe à democracia encontrar formas de canalizar a insatisfação para que haja uma volta à normalidade.

“O tipo de violência e insatisfação social que estamos vendo sugere que é preciso haver alguma reavaliação de que elementos do contrato social precisam ser atualizados”, afirma o economista. “Por exemplo, como reduzir a corrupção ou como assegurar que certos bens e serviços públicos não respondam a interesses de mercado, mas sociais, como transporte público, aposentadorias e educação para todos.”

O Brasil, porém, está em momento distinto de muitos de seus vizinhos, acredita De la Torre. “O país encontrou um importante grau de consenso político para encaminhar reformas estruturais relevantes”, diz, citando a reforma trabalhista e a da Previdência, além dos esforços para melhoria do ambiente de negócios, por meio da redução do “custo Brasil”.

“Parece que, comparado ao que está acontecendo no Chile, no Equador e na Bolívia, o Brasil tem muito mais espaço para manobrar”, afirma De la Torre, que é equatoriano. “Mas o país deve olhar para o que está acontecendo em seus vizinhos para antecipar o que está espreitando sob a superfície, para que políticos e líderes possam ser mais proativos.”

Assim, o professor destaca que é importante que a política social não seja deixada para trás. “O Brasil foi um líder na inovação em políticas sociais, com o Bolsa Família”, lembra ele. “Agora, claramente o país precisa crescer, ampliar investimentos, se integrar melhor ao mundo. Precisa de um mercado mais eficiente para financiamentos de longo prazo, precisa reduzir o custo de fazer negócios. Todas essas coisas são muito importantes, mas colocar ênfase apenas nelas e esquecer a robusta agenda social necessária não pode acontecer.”

Para De la Torre, isso é importante até mesmo para a volta do investimento ao país. “Boas políticas sociais facilitam investimentos. Porque não se trata apenas de atrair capital, mas de atrair pessoas”, diz o economista. “Se as duas coisas não andam juntas, é difícil avançar à mesma velocidade, porque o governo tem capital político limitado.”

Para ele, o futuro da América Latina é hoje incerto, principalmente devido às “nuvens negras” que pairam sobre o futuro do mundo. “Já temos um mundo com significativos
bolsões de recessão”, afirma De la Torre, citando a recessão global da atividade manufatureira, forças recessivas em países como Reino Unido, Alemanha, Itália e Turquia, a recessão já em andamento na Argentina e a expectativa de desaceleração da atividade nos Estados Unidos e na China.

“O mundo está pouco amigável para o crescimento latino-americano. Isso significa que, para a região ter desempenho melhor do que o do mundo, ela precisa avançar com reformas estruturais e sociais”, acredita De la Torre. O economista reconhece, porém, o desafio de dar continuidade às reformas sociais em meio ao fraco crescimento e escassez de recursos fiscais após o fim do superciclo das commodities.

“Não temos os recursos fiscais que tivemos no passado. Então, ao implementarmos políticas sociais, precisamos pensar em desenhos que cheguem a resultados, sem precisar de muitos recursos. E nós temos muito espaço para isso”, afirma ele. Para o economista, no entanto, a velocidade com que o progresso social avançou durante o boom de commodities não deve se repetir.

“Precisamos evitar uma reversão, um novo aumento da pobreza e de pessoas que agora têm um poder de compra de classe média voltando para abaixo disso. Essas devem ser as prioridades das políticas”, diz De la Torre, referindo-se à região como um todo. “Para continuarmos com o progresso social e voltarmos a um ritmo mais rápido de progresso, precisaremos de mais crescimento. Por isso não podemos esquecer da importância de tornar nossas economias mais eficientes, mais inovadoras e mais integradas aos mercados internacionais. Vamos torcer para que possamos evitar uma reversão.”
 -----------------



Nenhum comentário:

Postar um comentário