sábado, 18 de dezembro de 2021

O celibato e a castidade do padre (Parte 1 e 2)

 Ver a imagem de origem

14 Dezembro 2021

“Há anos, eu vivo a minha consagração e conheço cada vez melhor a realidade do sacerdócio nas várias realidades italianas. Também à luz do meu percurso e da minha experiência, estou cada vez mais convencido de que o celibato imposto aos Francesco Cavallini, celibato, castidade, padre, Igreja Católica, sacerdócio não é mais sustentável.”

A reflexão é de Francesco Cavallini, padre jesuíta natural de Bérgamo, na Itália. Ele aprofundou seu conhecimento das terras bíblicas e há mais de 20 anos acompanha os peregrinos à Terra Santa. Trabalhou muito com os jovens em Gênova, Pádua, Roma, Bolonha, Milão e hoje em Palermo.

O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 07-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O celibato e a castidade do padre caminham de mãos dadas. Na história, o convite à castidade chegou primeiro (a ser vivido pelos sacerdotes também no matrimônio) e só depois o celibato. No entanto, para um sacerdote, hoje, na Igreja do Ocidente, celibato e castidade se identificam.

Sabemos que a castidade é, acima de tudo, uma atitude do coração, que deveria fazer parte de todas as relações maduras. Mas aqui estamos falando da castidade sexual.

Castidade e celibato não escolhidos, mas sofridos

A minha experiência é que muitos sacerdotes não escolhem, mas sofrem. Pessoas que, com generosidade, querem doar a vida para dar a conhecer o Senhor, para servir a comunidade, para anunciar o Evangelho e, para fazer isso, também devem se encarregar do celibato/castidade.

No ímpeto inicial autenticamente generoso, pensaram que poderiam alcançar isso com o próprio compromisso e abnegação. Mas a realidade se mostra mais difícil.

A teoria é de que a Igreja Católica ordena pessoas que, entre várias características, já demonstraram viver positivamente a castidade. A realidade não é assim. E é preciso dizer isso. Muitas vezes, ela é sofrida como parte de um pacote que é preciso pegar como um todo.

A teoria é de que a Igreja Católica ordena pessoas que, entre várias características, já demonstraram viver positivamente a castidade. A realidade não é assim - Francesco Cavallini

E, se não for escolhida e sobretudo se não for um dom (“carisma”, costuma-se dizer) de Deus e nem mesmo particularmente desejada e invocada, em longo prazo, ela provoca muitos e diversos problemas.

São inúmeros os sacerdotes que têm histórias, aventuras, relacionamentos secretos, com os muitos sofrimentos que daí derivam. Outros têm modalidades de compensação insalubres: excesso de comida ou de esporte, hobbies vários. Às vezes, chega-se a fenômenos de pornografia ou a um apego excessivo a obras, ou a situações, ou a pessoas. Outras vezes, chega-se a situações de personalidades complexas e problemáticas.

Percurso educativo da vida de casal

A minha experiência é que um percurso de verdade, autenticidade, amadurecimento afetivo ocorre muito mais facilmente vivendo uma relação exigente de casal. É um cotejo profundo em uma relação de amor que não existe na vida do sacerdote e do religioso. E, dentro de uma relação de amor, viver a ternura e a paixão física gera muito mais ordem e harmonia na pessoa. No fim, essa harmonia é mais positiva do que muitos exercícios e ascetismos na vida de um sacerdote que não escolheu e não tem o dom da castidade.

É claro que a imaturidade afetiva e a fragilidade psicológico-afetiva não são redutíveis apenas à vida de solteiro do sacerdote, mas são um aspecto que perpassa toda a sociedade. É verdade. Isso remete ao fato de que há uma transformação antropológica, sociológica, psicológica em relação às gerações que nos precederam, que todos nós sentimos.

E isso afetou o modo como as pessoas vivem e expressam a própria afetividade. Pensemos em como as gerações anteriores eram carentes de gestos de afeto e como estavam acostumadas a viver colocando entre parênteses a própria afetividade.

Para ser padre, não basta ser celibatário

O celibato e a castidade do sacerdote: um binômio “necessário”. Mas, no sacerdote que não tem o dom da castidade e a “sofre”, esse binômio necessário gera mais problemas do que em outras camadas da sociedade.

Eu também conheci sacerdotes que não têm dificuldade para viver o celibato e a castidade. Mas são particularmente “apagados” em todo o restante também. Pouca iniciativa, pouca paixão e pouca capacidade de envolvimento... Não causam problemas em relação ao celibato... Mas acho que não são esses os sacerdotes de que a comunidade precisa.

Por causa do clericalismo, infelizmente, em muitas dioceses, a fim de compensar a diminuição dos padres, admitem-se ao sacerdócio pessoas que causam problemas no âmbito da maturidade afetiva - Francesco Cavallini

Além disso, devido à estrutura clerical da comunidade cristã, quando um padre tem esses problemas, é toda a comunidade que sente isso excessivamente. Também por causa do clericalismo, infelizmente, em muitas dioceses, a fim de compensar a diminuição dos padres, admitem-se ao sacerdócio pessoas que causam problemas no âmbito da maturidade afetiva.

A castidade e o celibato certamente são um dom que muitos sacerdotes e religiosos vivem da melhor forma possível e são um presente para toda a comunidade, capazes de gerar muito bem para as pessoas. Eu conheço muitos deles que os vivem assim e tenho uma profunda estima por eles.

Minha convicção pessoal sobre o celibato

Mas, também por causa das transformações acima mencionadas, não posso deixar de constatar que são cada vez mais numerosos aqueles que, em vez disso, os vivem de um modo problemático e às vezes até desviado ou patológico.

Muitas motivações teológicas, administrativas e gerenciais nos séculos anteriores aconselharam a Igreja Católica a ordenar sacerdotes somente aqueles que prometiam celibato e castidade. Acho que hoje tais motivações não são nem mais sustentáveis nem capazes de manter ao longo do tempo a totalidade dos padres nessa escolha.

Em conclusão, creio que chegou a hora de abolir essa obrigação e acho que se pode desempenhar o serviço sacerdotal à comunidade em uma Igreja não clerical também como casado.

 

O celibato e a castidade do padre (Parte 2)

14 Dezembro 2021

O artigo sobre o celibato de Francesco Cavallini gerou muita discussão. O autor volta ao assunto, para esclarecer e também para reiterar algumas coisas.

Cavallini é padre jesuíta natural de Bérgamo, na Itália. Ele aprofundou seu conhecimento das terras bíblicas e há mais de 20 anos acompanha os peregrinos à Terra Santa. Trabalhou muito com os jovens em Gênova, Pádua, Roma, Bolonha, Milão e hoje em Palermo.

O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 12-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Dada a repercussão das reflexões geradas pelo artigo sobre o celibato e a castidade dos sacerdotes e dado o debate que se gerou, creio que é preciso continuar alimentando a reflexão também à luz das muitas referências recebidas.

Quero me deter, de vez em quando, em algumas delas, retomando também as várias contribuições. Reitero que, nesta coluna, as questões são abordadas refletindo a partir da experiência, a partir da minha realidade e das muitas situações encontradas ao longo de tantos anos.

Deus nos liberta da ânsia de desempenho

Parto de uma premissa não explicitada no primeiro artigo. Nós acreditamos em um Deus que é Pai e que nos ama com um amor gratuito, que nos liberta do dever-ser, da ânsia de desempenho. Ele também nos liberta do fato de termos que nos defender e merecer o amor e a estima alheios, de termos que nos impor. Ele chama todos a estarem no mundo com alegria e com gratidão pelo dom da vida e da criação. Ele nos pede para entrarmos em uma dinâmica do dom de si mesmos, vivendo na autenticidade, na liberdade, com coragem, criatividade, generosidade e sendo generativos de bem.

Acreditamos que a oração, a meditação da Palavra são fundamentais para a vida. Cultivar a relação com o Deus da vida verdadeira é a relação mais importante e fundamental da vida. Nessa relação cultivada com a oração e a meditação, pode-se fazer uma experiência concreta de um Pai que cura as feridas. Não só isso, mas que também consola, levanta, incentiva, encoraja e apoia as escolhas mais autênticas, corajosas e generosas (que, entregues a nós mesmos, não seríamos capazes de fazer).

Isso vale para todos e certamente também para os sacerdotes.

Celibato e castidade dos padres, de novo

Acerca do sacerdócio: cremos que o único Sacerdote é Jesus e nós participamos do único sacerdócio pelo batismo. Alguns são chamados a servir a comunidade de modo ministerial (Catecismo da Igreja Católica, n. 1547, e cf. Concílio Vaticano II, constituição dogmática Lumen gentium, n. 10).

Dizer que Deus chama alguns para servirem à comunidade de modo ministerial não significa que aqueles que são chamados a esse serviço devem ser celibatários e castos ​- Francesco Cavallini Tweet

 

Dizer que Deus chama alguns para servirem à comunidade de modo ministerial não significa que aqueles que são chamados a esse serviço devem ser celibatários e castos. Essa é uma escolha feita pela Igreja Católica latina (cf. carta encíclica Sacerdotalis cælibatus, de São Paulo VI). Motivo pelo qual eu acho que as razões teológicas, espirituais e administrativas não são suficientes hoje, nem para justificar essa escolha, nem para apoiar os sacerdotes nessa modalidade.

Acredito que o binômio celibato/castidade vivido como escolha livre e como dom carismático é uma riqueza enorme para a comunidade e é muito fecundo para o bem de muitas pessoas. Muitos o vivem de forma saudável, alegre e generativa. Muito bem! Louvemos a Deus por essas pessoas! Mas muitas vezes não é assim. E é preciso dizer e reiterar isso para colocar as mudanças em movimento. Retomo alguns pontos.

Falemos de liberdade

Não é verdade que a escolha do celibato/castidade seja tão livre apenas pelo fato de a pessoa saber do que está indo ao encontro. Por vários motivos. A castidade, de fato, é percebida como parte de um pacote a ser assumido integralmente por quem se sente chamado a servir à comunidade. Quem se faz padre evangeliza, conforta, prega, acompanha as pessoas também com os sacramentos. Tomado pelo impulso autenticamente generoso, ele acha que pode viver o celibato e a castidade de uma forma positiva. Mas nem sempre é assim.

E não se resolve a questão rezando mais (o que é sempre útil). Em vez disso, é preciso enfrentar os problemas intrínsecos que derivam do fato de não se estar na situação de poder escolher e do modelo concreto oferecido pela Igreja atual.

É preciso enfrentar os problemas intrínsecos que derivam do fato de não se estar na situação de poder escolher e do modelo concreto oferecido pela Igreja atual ​- Francesco Cavallini

Tweet

Além disso, deve-se considerar que as motivações são sempre “mistas” (em todas as escolhas, mas aqui estamos falando do sacerdócio). Junto com a principal – mais evidente, mais honrada, mais generosa – há outras que são menos evidentes, menos livres e menos saudáveis.

Por exemplo: busca-se ter um papel na sociedade. Ou se tende a agradar as expectativas dos outros. Ou ainda a pessoa quer ser “amável” para alcançar seus próprios objetivos. Em alguns casos, a pessoa quer encontrar uma veste digna e respeitável ou para a própria homossexualidade ou para a própria personalidade com problemáticas de vários tipos etc.

Perversão da mensagem cristã

E como não falar das muitas vezes em que, na pastoral vocacional, se recorreu à generosidade ou ao orgulho das pessoas. Assim, chegou-se a veicular de modo implícito ou explícito a convicção de que a escolha da consagração era um seguimento mais verdadeiro, mais digno, mais radical do Senhor Jesus. Uma perversão da mensagem cristã.

Chegou-se a veicular de modo implícito ou explícito a convicção de que a escolha da consagração era um seguimento mais verdadeiro, mais digno, mais radical do Senhor Jesus. Uma perversão da mensagem cristã - Francesco Cavallini Tweet

E devemos reiterar que não é assim! Ou, melhor, deve-se dizer que isso é verdade para todo cristão em qualquer estado de vida que leva a sério o seguimento do Senhor.

Como muitos comentaram, tudo isso remete à seleção, à formação e à ajuda ao discernimento por parte dos formadores. Mas também a uma reavaliação das categorias teológicas e espirituais de referência.

Nos próximos artigos, retomaremos os outros pontos (afetividade, sentido do celibato, estrutura da Igreja, novas figuras...), resumindo também as interessantes reflexões que chegaram até nós. Cada um de vocês pode contribuir para enriquecer esta coluna com as suas próprias reflexões.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/615266

Nenhum comentário:

Postar um comentário