domingo, 18 de fevereiro de 2024

O direito à morte

Mariliz Pereira Jorge*

 Homem segura cartaz que diz "Eu decido quando e como vou morrer" durante protesto a favor da legalização da eutanásia, em Madri - Javier Soriano - 18.mar.21/AFP

O inferno, segundo os críticos, seria o destino de quem afronta o 'tempo de Deus'

Há quem suspire ao ler sobre a morte natural, com diferença de poucos dias ou horas, de um casal de idade. É a romantização da dor da perda que nada tem de romântico, apenas mostra que a ausência do outro, às vezes, é tão insuportável que pode ser fatal.

Em geral, são os mesmos que agora condenam a decisão do ex-premiê da Holanda de abreviar a vida por meio de eutanásia dupla. Dries van Agt, 93, morreu de mãos dadas com sua mulher, com quem era casado havia 70 anos. O inferno, segundo os críticos, seria o destino de quem afronta o "tempo de Deus". Assim como para aqueles que abortam, usam drogas, casam-se com pessoas do mesmo sexo. Como é sedutor entregar ao Estado a prerrogativa de legislar sobre o que deveria ser arbítrio individual, não é mesmo?

Há quase 10 anos, a revista The Economist dedicou uma capa à eutanásia e apostou que seria a próxima onda de liberalização. De lá para cá, a questão avançou menos do que essa previsão indicava e o procedimento é legal em poucos países. Em outros poucos, o paciente pode ser assistido pelo médico para dar cabo da própria vida, além daqueles que permitem a suspensão de tratamentos paliativos. Na maioria, as condições para que se submeta a qualquer uma dessas opções são muito rigorosas, como é o caso de doenças degenerativas ou incuráveis.

Ou seja, a questão ainda é tratada de forma conservadora. Dries van Agt teve o seu desejo de morte concedido porque tinha as funções comprometidas por um AVC. Mas é preciso encarar que há outras razões para que a vida possa ser interrompida. Milhares de pessoas talvez não encontrem um propósito, enfrentem doenças incuráveis, degenerativas, sofrimentos físicos ou psicológico. Ou estejam apenas cansadas.

Louco. Fraco. Suicida. Não, apenas alguém que resolveu se retirar enquanto tudo que lhe resta seja dignidade. Poucas coisas são mais civilizadas do que decidir a própria morte.

* Jornalista e roteirista de TV. 

Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2024/02/o-direito-a-morte.shtml

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