segunda-feira, 19 de maio de 2008

MANIFESTO CONTRA A ETIQUETINHA


SOMOS PESSOAS educadas. Mesmo. Nossas mães fizeram um bom trabalho. Não gritamos com os outros. Sabemos dar bom dia, agradecer, comer de boca fechada. Mas odiamos a obrigação de ser educado por etiqueta. Se a sua mãe te obriga a telefonar para aquela amiga de quem você nem gosta muito (e que nem gosta de você) só para agradecer ao convite de uma festa porque o código social manda que sim, rebele-se.Na boa? Para que ligar? Para ser falsa? Sim, a etiqueta é amiga da falsidade. Assim como o bom caráter é amigo da educação. Por outro lado, às vezes a falsidade pode demonstrar uma certa educação. Expliquemos.
Quando somos contra a etiquetinha
Nós, os educados contra a etiquetinha, quando ligamos para alguém, é porque realmente queremos falar com aquela pessoa. Quando agradecemos, é porque de fato ficamos gratas. Basicamente, seguimos a etiqueta do coração e cada dia mais achamos que devemos fazer o que temos vontade. Se não estamos com a menor vontade de ir a uma festa, não vamos só porque vai pegar bem. Porque vai ser falta de educação faltar a uma festa que nós iríamos odiar.
Quando somos a favor da falsidade
Ao mesmo tempo, odiamos pessoas sincerinhas sem necessidade. A situação: você está tendo devaneios por um sujeito qualquer. Um devaneio frívolo, tipo "ele me ama, e vamos nos agarrar a qualquer momento". E vai passar, talvez dentro de três dias. Então, chega seu amigo "sincero". Você não pediu conselho, você não está se afundado na lama por causa do sujeito, só está curtindo uma ilusão. E ele joga a verdade na sua cara: "Ele não está a fim de você". Alguém perguntou? Inclusive os sincerinhos sem necessidade podem ser facilmente identificados porque começam as frases com "eu sei que você não perguntou mas... sua franja está uó".
Ou seja, uma ECE (educada contra etiqueta) jamais é grossa e não gosta de magoar pessoas. Ela só não tem paciência com quem finge que se magoa com qualquer coisa. Ou com quem acha que nada magoa. Por isso, se você receber um convite nosso, não precisa responder. Se a gente quiser mesmo saber se você vai, a gente, que não segue etiqueta nenhuma, vai telefonar ou perguntar pelo MSN. Ou escrever no e-mail RESPONDA PELOAMORDEDEUS. E quando você receber um telefonema ou um e-mail nosso, tenha certeza, foi de coração. Não que isso seja grande coisa. Mas aquilo foi sincero. Saiba disso.
Momento de histeria
Sai para lá, Pinóquio!
(Texto da FSP on line - dois Neurônios - , 19/05/2008-Jô Hallack,Nina Lemos eRaq Affonso).

domingo, 18 de maio de 2008

NÃO DEIXE QUE A TECNOLOGIA DOMINE SUA VIDA

Ethevaldo Siqueira

De modo quase imperceptível, eu estava sendo dominado pela tecnologia. O computador, o celular e a internet passaram a devorar horas e horas de meu tempo. Eu estava perdendo quase metade de meu dia de trabalho navegando sem rumo, dispersivamente, na internet. E, pior, estava sacrificando as coisas realmente agradáveis da vida, como o convívio com a família, o lazer e o contato com a natureza.
Suponho que muitos leitores vivam ou já viveram essa mesma situação. A todos eu digo: não se deslumbrem diante da tecnologia, por mais fascinante que ela seja. A vida tem coisas muito melhores.
Ao fazer meu diagnóstico, concluí que eu me havia transformado num usuário obsessivo dessa parafernália tecnológica que nos cerca. Alguns amigos mais próximos me punham apelidos ridículos: webdependente, bitnômano, celularmaníaco, audiovidiota.
Reconheci o problema em toda sua extensão e busquei remédio em diversos locais. Quase tudo em vão. Na internet só encontrei sugestões bizarras, desabafos, protestos e gritos de insatisfação como: “Um dia sem internet. Um dia sem o Google ou sem o celular”. Ou propostas de fuga para uma espécie de paraíso perdido: “Quero uma casa cercada de flores na Serra Gaúcha, sem TV, sem computador, sem messenger, sem Orkut, sem e-mails, sem telefone”.
Depois de longas sessões com um grupo de amigos que viviam o mesmo drama - a que eu chamei de Neuróticos Digitais Anônimos -, aprendi que não podia mais passar 6 ou 8 horas por dia na internet. Nem viver ansioso, consultando obsessivamente meu smartphone, em busca de e-mails urgentes, em restaurantes, hotéis ou aeroportos, como tantos executivos e jornalistas que conheço.
REAJA, LEITOR
Se o seu problema é o mesmo, leitor, reaja.
Arme-se com mais tecnologia, para defender-se de sua tirania. Seja mais frio diante dos avanços digitais e resista ao fascínio que eles exercem. Nunca perca o senso crítico diante deles. Um amigo, pragmático, me aconselhou:
“Use a tecnologia a seu favor, para relaxar, para divertir e para fugir da rotina”.
Ao final, me curei sem precisar banir a internet nem as novas tecnologias, para sempre ou por apenas por um dia. Apenas aprendi a dosar sua utilização para o resto de minha vida. Esse é o segredo: trabalho e lazer na medida certa. Por isso, os acessórios mais importantes de meu desktop são hoje as novas caixas acústicas do sistema de multimídia. Com o melhor áudio estéreo, posso interromper meu trabalho por alguns minutos, para ouvir música.
A cada hora de trabalho diante do computador, faço uma pausa de cinco minutos. Nesse intervalo, ouço, às vezes, a Balada nº 1 de Chopin, com Arthur Rubinstein, numa gravação em Super Audio CD. Fecho os olhos e me sinto transportado para a Sala São Paulo ou para a Concertgebow, de Amsterdã.
Com disciplina e planejamento, consegui mudar radicalmente meus hábitos de workaholic digital. E, creiam, hoje trabalho menos e produzo mais. Consigo estar à frente das necessidades. Cumpro rigorosamente os compromissos de lazer e sou mais flexível com as obrigações de trabalho.
Não navego mais a esmo na internet. Só consulto locais específicos e volto às tarefas anteriores. A não ser que seja pelo prazer de visitar uma Wikipédia ou sites muito especiais, como www.prs.com ou www.ted.com. Tudo sem neurose.
Neste fim de semana, estarei voando para a Finlândia, numa longa viagem. Diferentemente do que fazia no passado, não passarei três ou quatro horas debruçado sobre o laptop, escrevendo no avião. Minha prioridade agora é relaxar. Com meu fone de ouvido cancelador de ruídos (noise cancelor) conectado ao meu iPod, poderei ouvir pelo menos duas horas de Vivaldi, Bach, Beethoven, Brahms ou Chopin. Com o noise cancelor, o ronco das turbinas se transformará num leve ruído de fundo e eu poderei curtir o Canon de Pachelbel e, depois, mergulhar em sete horas de sono.
Ao retornar de viagens como essa, terei que enfrentar a defasagem de fusos horários, o terrível jet leg. Nas primeiras noites de insônia, meu remédio será afundar-me numa poltrona, diante do home theater e rever um show de Andrea Bocelli, Under the Desert Sky, em Las Vegas, o primeiro com canções populares em inglês e espanhol.
O receituário que aprendi com os Neuróticos Digitais Anônimos reúne conselhos que funcionam, leitor. Pense neles. Interrompa seu trabalho, para relaxar, para ouvir música ou para três minutos de alongamento. Aprenda a respirar. Você se sentirá outro.
Desligue seu celular nos fins de semana e consulte a caixa postal apenas uma vez por dia no sábado e no domingo. Pratique algum esporte. Tome mais sol e caminhe em praias desertas, ao amanhecer. Brinque com seus filhos. Viaje nas férias sem laptop. Ouça muito mais música. Troque o uísque por suco de frutas. Nas horas vazias, leia mais. Estou curtindo um livro excelente: Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson. Nas últimas férias li Jorge Amado, Lya Luft, Machado de Assis e Carl Sagan.
Em síntese: faça como eu, liberte-se da tecnologia.
http://www.estado.com.br/editorias/2008/05/18/eco-1.93.4.20080518.22.1.xml

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Por que vivemos, se temos de morrer?

Por que vivemos, se temos de morrer, isto não sei responder em definitivo. Só sei que em toda parte no mundo, a vida está ligada com a morte. Não há vida sem morte, nem entre os animais e nem entre as plantas. Também nós, seres humanos, participamos dessa realidade; nós também vivemos sob a lei da morte e do renascimento. Nossa vida é finita. Não podemos fugir disso, apesar de todas as tentativas da ciência de postergar a morte. A questão é como lidar com isso. Se aceitamos que nossa vida é finita, então isto dá ao tempo vital que nos está disponível um valor especial.
Nossa vida é única. Pos isso devemos vivê-la cuidadosamente. A arte da vida consiste em integrar a morte em nossa vida e, dessa forma, viver mais intensamente. A morte nos convida a sentir o mistério da vida e estamos agora, neste instante, totalmente presentes. Quando penso na minha morte, sou estimulado por este pensamento a viver conscientemente, a dizer as palavras que há muito queria ter dito, a escrever aquilo que corresponde de fato ao meu íntimo e de fazer aquilo que acho ser minha tarefa no mundo. E não viverei inadvertida e descuidadamente por aí, mas vou degustar cada momento com muito apreço. Sinto, na perspectiva da morte, o gosto pela vida. Quando todo dia pode ser o meu último, não vou desperdiçá-lo inutilmente.
Quando a morte é o limite da minha vida. Todo o limite tem dois lados, o aquém e o além, que se completam pela separação. A morte é o limite que me convida a viver consciente e intensamente dentro dos limites. Mas é também o limite que eu ultrapasso e que me conduz da limitação da minha existência condicionada por uma série de restrições históricas para uma nova amplidão. No ultrapassar desses limites, não morro para o nada, mas para a plenitude da vida, para dentro de Deus. Portanto, minha morte não é só fim, mas também um novo começo, uma transformação desta vida, a satisfação de meu desejo mais profundo... (GRÜN, Anselm. O livro das respostas. Ed. Vozes, RJ, p.63/64 - Grün é monge beneditino da Abadia de Münsterschwarzach (Alemanha). Tem seus livros poblicados em 28 línguas)

BETTO, Fr. - Cavalos de fogo

Observo a conjuntura mundial, a alta do preço dos alimentos, a fissura dos governantes teimando em abastecer veículos e não bocas, enfim, o cruel manuseio do poder, e este aberrante paradoxo: a ONU clama por US$ 2 bilhões para socorrer as vítimas da fome (854 milhões de pessoas), enquanto os EUA gastam na invasão do Iraque meio trilhão de dólares, segundo relatório do Serviço de Investigação do Congresso (CRS, sigla em inglês).
Recordo-me da queda de Faetonte, personagem de uma das narrativas paradigmáticas da mitologia grega. Filho do Sol, o jovem Faetonte, tomado pela inquietação própria da idade, viu-se desafiado a provar sua ascendência divina e dirigir o carro do pai.
Ao apresentar-se no palácio de Hélio, Faetonte aproximou-se do trono onde o deus-sol reinava cercado de seu séqüito: o Dia, o Mês, o Ano, o Século e as Horas. Em volta, a Primavera com a sua coroa de flores; o Verão coberto de espigas de cereais; o Outono com sua cornucópia repleta de uvas; e o Inverno com seus cabelos brancos como a neve.
Faetonte exigiu do pai uma prova de amor. Hélio prometeu atender-lhe tão logo manifestasse um pedido. Logo se arrependeu ao ouvir o filho expressar o desejo de trazer em mãos as rédeas do carro guiado por quatro cavalos incandescentes que expeliam labaredas e, graças aos ventos, disseminavam a luz e o dia por toda a Terra.
Hélio julgou absurdo o pedido do filho. Como confiar a um jovem imaturo o carro capaz de impedir o mundo de viver mergulhado nas trevas? Retrucou-lhe:
— Ó, filho, quisera eu poder voltar atrás em minha promessa! Pede-me algo que está além de suas forças. Você é jovem e mortal; almeja mais do que outros deuses são capazes de obter. Nenhum deles logra equilibrar-se sobre o eixo incandescente. Íngreme é o caminho de minha carruagem, só com muito esforço meus cavalos, ao amanhecer, conseguem galgá-lo. O meio do caminho é alto, no centro do Céu. E no final o caminho declina abruptamente, exige uma condução segura, para que não mergulhe o carro nas profundezas do mar. Lembre-se de que o Céu se move num ímpeto constante, e é preciso viajar em sentido contrário a esse movimento. Como você haveria de conseguir isso? Volte atrás em seu pedido. Peça o que quiser, todas as riquezas do Céu e a da Terra, menos isso.
O rapaz não arredou pé, convencido de que seria capaz de dissipar as trevas que encobrem o mundo. Ao ver que a Aurora já se aproximava para inaugurar um novo dia, Hélio concordou que o filho o acompanhasse na carruagem. Faetonte, entretanto, insistiu em guiá-la sozinho. Uma das Horas, nervosa, alertou o deus solar:
— Hélio, é hora de atrelarmos os corcéis de fogo ao carro. Veja, a Aurora já está a caminho. Urge que seu carro flamejante siga atrás.
Como todo pai fraco de caráter, o rei abriu mão de seus princípios para não contrariar o filho. Frente à insistência do jovem, cedeu ao coração em detrimento da razão.
Faetonte subiu no carro e conduziu os cavalos a galope pela linha etérea que os manteria eqüidistantes da Terra e do Céu, de modo a não incendiar as moradas dos homens e dos deuses. Rédeas nas mãos, sentiu-se senhor do mundo, cuja luz provinha de seu carro flamejante. Contudo, o brilho das labaredas turvaram-lhe os olhos e a mente. Não conseguiu manter o equilíbrio da carruagem. Os cavalos puxavam mais que a força de suas mãos. Desabalados, mergulharam em direção à Terra. Ao passar por montanhas cobertas de neve, o calor do carro as derreteu, o bafo dos animais incendiou cidades e calcinou países, fez arder florestas, secar os rios e os mares.
Zeus, indignado, atirou um de seus raios e despedaçou o carro, dispersando os cavalos. O corpo de Faetonte, com os cabelos em chamas, caiu como uma estrela cadente. As náiades o depositaram num túmulo, em cuja lápide gravaram este epitáfio: “Aqui jaz Faetonte. Na carruagem de Hélio ele correu; e se muito fracassou, muito mais se atreveu”.
O pecado de Adão e Eva consistiu em comer o fruto do conhecimento do Bem e do Mal — quiseram equiparar-se a Deus. Só Ele sabe discernir com nitidez esses dois pólos, e é a adequação de nossa vontade à Dele que nos permite fazer a “Sua vontade assim na Terra como no Céu.” Fora disso, somos conduzidos, às cegas, pelos cavalos de fogo de nossas atrevidas pretensões. Com grave prejuízo aos nossos semelhantes e à mãe Terra. (Frei BettoEscritor, autor de Sinfonia universal — a cosmovisão de Teilhard de Chardin (Ática), entre outros livros )
http://www.correiobraziliense.com.br/ 16/05/2008

domingo, 11 de maio de 2008

UMBERTO ECO - Entrevista

FOLHA - Há uma cena em sua vida, quando toca trompete para os "partigiani" [movimento antifascista], aos 13 anos, na praça de Alexandria, que transmite felicidade... O sr. sempre parece estar tão feliz!
UMBERTO ECO - Aqui há duas coisas: aquele garoto e a felicidade. São diferentes, não podem coincidir. Não acredito na felicidade -estou lhe dizendo a verdade. Acredito apenas na inquietude. Ou seja, nunca estou feliz por completo -sempre preciso fazer outra coisa. Mas admito que na vida existem felicidades que duram dez segundos ou meia hora, como quando nasceu meu primeiro filho -naquele instante, eu estava feliz. Mas são momentos muito breves. Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto. Aquele menino é o que irá aparecer em "O Pêndulo de Foucault", e aquele foi um momento feliz, sem dúvida, mas não estou certo se o foi realmente naquele momento ou no momento em que o estava narrando. Existem momentos de felicidade quando você consegue expressar alguma coisa que o deixa contente. Além disso, enquanto contava sobre aquele menino, eu estava feliz porque -sei bem que é uma afirmação muito reacionária- acredito que a vida serve apenas para recordar nossa própria infância.

PERGUNTA - Aí entra a literatura.
ECO - É o que dizem. Cada momento em que consigo me recordar bem de um instante de minha infância é um momento de felicidade, mas isso não quer dizer que os momentos de minha infância tenham sido momentos de felicidade. A infância e a adolescência são períodos muito tristes. As crianças são seres muito infelizes. Talvez eu, enquanto tocava trompete, com medo de que fosse a última vez em que tocaria aquele instrumento, tenha sido um menino infeliz. Sinto-me feliz agora, ao lembrar disso, e talvez seja essa a razão pela qual escrevo, para encontrar esses momentos muito breves de felicidade que consistem em relembrar momentos da própria infância. Sim, é por isso que escrevo. (Partes da Entrevista na FSP on line com o tïtulo: O professor aloprado, 11/05/2008)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

PENSAMENTO não do dia, de sempre (2)

"A realidade
Sempre é maios ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios..."
(Fernando Pessoa - Odes de Ricardo Reis. Livro: Poesias, L&PM pocket, Porto Alegre, 1996,p.107)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Leonardo BOFF- Quatro "erres"contra o consumismo

A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Hoje, entretanto, ela assume dimensões vergonhosas e simplesmente cruéis. Revela uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a fome é um imperativo humanístico, ético, social e ambiental. Uma pré-condição mais imediata e possível de ser posta logo em prática é um novo padrão de consumo.
A sociedade dominante é notoriamente consumista. Dá centralidade ao consumo privado, sem auto-limite, como objetivo da própria sociedade e da vida das pessoas. Consome não apenas o necessário, o que é justificável, mas o supérfluo, o que questionavel. Esse consumismo só é possível porque as políticas econômicas que produzem os bens supérfluos são continuamente alimentadas, apoiadas e justificadas. Grande parte da produção se destina a gerar o que, na realidade, não precisamos para viver decentemente.
Como se trata do supérfluo, recorrem-se a mecanismos de propaganda, de marketing e de persuasão para induzir as pessoas a consumir e a fazê-las crer que o supérfluo é necessário e fonte secreta da felicidade.
O fundamental para este tipo de marketing é criar hábitos nos consumidores a tal ponto que se crie neles uma cultura consumista e a necessidade imperiosa de consumir. Mais e mais se suscitam necessidades artificiais e em função delas se monta a engrenagem da produção e da distribuição. As necessidades são ilimitadas, por estarem ancoradas no desejo que, por natureza, é ilimitado. Em razão disso, a produção tende a ser também ilimitada. Surge então uma sociedade, já denunciada por Marx, marcada por fetiches, albarrotada de bens supérfluos, pontilhada de shoppings, verdadeiros santuários do consumo, com altares cheios de ídolos milagreiros, mas ídolos, e, no termo, uma sociedade insatisfeita e vazia porque nada a sacia. Por isso, o consumo é crescente e nervoso, sem sabermos até quando a Terra finita aguentará essa exploração infinita de seus recursos.
Não causa espanto o fato de o Presidente Bush conclamar a população para consumir mais e mais e assim salvar a economia em crise, lógico, à custa da sustentabilidade do planeta e de seus ecossistemas. Contra isso, cabe recordar as palavras de Robert Kennedy, em 18 de março de 1968: ”Não encontraremos um ideal para a nação nem uma satisfação pessoal na mera acumulação e no mero consumo de bens materiais. O PIB não contempla a beleza de nossa poesia, nem a solidez dos valores familiares, não mede nossa argúcia, nem a nossa coragem, nem a nossa compaixão, nem a nossa devoção à pátria. Mede tudo menos aquilo que torna a vida verdadeiramente digna de ser vivida”. Três meses depois foi assassinado.
Para enfrentar o consumismo urge sermos conscientemente anti-cultura vigente. Há que se incorporar na vida cotidiana os quatro “erres” principais: reduzir os objetos de consumo, reutilizar os que já temos usado, reciclar os produtos dando-lhes outro fim e finalmente rejeitar o que é oferecido pelo marketing com fúria ou sutilmente para ser consumido.
Sem este espírito de rebeldia consequente contra todo tipo de manipulação do desejo e com a vontade de seguir outros caminhos ditados pela moderação, pela justa medida e pelo consumo responsável e solidário, corremos o risco de cairmos nas insídias do consumismo, aumentando o número de famintos e empobrecendo o planeta já devastado.
(Envolverde)
http://mercadoetico.terra.com.br/noticias.view.php?id=2808 - Acesso 05/05/2008

GILBERTO DUPAS - Acabaram as utopias?


- Assim como a esperança, a utopia não morrerá nunca. Mas seu destino parece sempre fazer morada em outro lugar -

O MUNDO parece abandonar definitivamente as utopias e atirar-se de joelhos diante do mercado. A China virou uma das sócias maiores do capitalismo global; a Itália entrega-se mais uma vez ao megaempresário Berlusconi; e Cuba abre brechas à propriedade privada e à sociedade de consumo. O capitalismo transformou-se em regime único. O mercado implacável define ganhadores e perdedores, o Estado de bem-estar social definha e parecemos nos satisfazer com iPods, telefones celulares, telas de plasma e carros de US$ 3.000.
Isso significa que qualquer proposta de transformação do mundo capitalista passou a ser uma ilusão irrealizável? Não é mais possível projetar para o futuro fundamentos de uma nova ordem? Os versos de Eduardo Galeano esclarecem: "Para que serve a Utopia?/ Ela está diante do horizonte./ Me aproximo dois passos/ e ela se afasta dois passos./ Caminho dez passos/ e o horizonte corre/ dez passos mais à frente./ Por muito que eu caminhe/ nunca a alcançarei. Para que serve a Utopia?/ Serve para isso: para caminhar". Francisco Fernández Buey nos recorda que Thomas More escreveu "Utopia", sua ilha imaginária, inspirado nas notícias sobre o novo mundo vindas pelas cartas de Américo Vespúcio no início do século 16. More era um realista e falava em caminho oblíquo: o que não pode tornar-se bom, que se torne o menos mal possível. Embora vários utópicos contestassem a propriedade privada como raiz de todos os males, More era cuidadoso; não achava viável que todas as coisas fossem comuns.
Curioso ter sido o México, mais uma vez o novo mundo, o destino da primeira experiência utópica renascentista que Vasco de Quiroga, juiz e bispo de Nova Espanha, propôs levar à prática. Em 1530, com o apoio do imperador Carlos 1º, proibiu a escravidão dos índios. Fundou um colégio conservando as línguas autóctones e fazendo uma insólita experiência sociocultural. Durou pouco.
No final daquele século, Campanella imaginou que poderia operar uma transformação completa da sociedade e inventou uma república universal na sua Calábria. Foi submetido à Inquisição por suas práticas utópicas. Na prisão, idealizou "A Cidade do Sol", governada por um magistrado supremo e por três adjuntos, representando sabedoria, poder e amor. Nela, o direito era uma virtude coletiva, e a política, um ramo da ética.
Já Robert Burton propôs sua Atlântis, mas achava ser impossível sacerdotes imitadores de Cristo, advogados caridosos, médicos modestos, filósofos que conheciam a si mesmos, nobres honestos, mercadores que não mentissem e magistrados que nunca se corrompessem. Queria tentar o possível, com penas severas aos infratores: mãos cortadas a sacrílegos, morte a adúlteros e trabalho escravo para ladrões. Era realista como Maquiavel, para quem é máxima do demagogo que homens bons produzem boas leis. Para o legislador, as boas ordens é que fazem homens bons. O pensamento utópico supõe sociedade de abundância: passar do reino das necessidades para o da liberdade; substituir a desordem -o mercado- por organização consciente e planejada da produção social; deixar florescer as capacidades humanas, fazendo triunfar a ajuda mútua e a solidariedade sobre o egoísmo da sociedade mercantil.
Em suma, socialismo com democracia participativa. Esse modelo naufragou com o socialismo real. Mas teria sido a Revolução Russa uma utopia? A experiência bolchevista virou uma tentativa fracassada de realização de um ideal em condições históricas dadas. Já do final do século 20 para nossos dias, o pessimismo se acentuou com a direção selvagem do progresso e o descobrimento do lado perverso das novas tecnologias. Buey resgata em Ernst Bloch a utopia como princípio regulador do real, parte substancial do pensar humano. A razão não pode florescer sem esperança, nem a esperança pode falar sem a razão. Já para Bernard Shaw, há quem observe a realidade tal qual ela é e se pergunte por quê? E há quem a observe como ela jamais foi e se pergunte por que não? Mas pode uma boa utopia, que não seja mera ilusão, enunciar mais do que máximas morais ou tendências essenciais? Um outro mundo talvez seja possível. E é o exercício da utopia, negando o narcisismo, que nos obriga a olhar em direção a uma sociedade menos injusta. Assim como a esperança, a utopia não morrerá nunca. Mas seu destino parece sempre fazer morada em outro lugar. Por isso utopia quer dizer nenhum lugar.
GILBERTO DUPAS , 65, é coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor, entre outros livros, de "O Mito do Progresso".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0505200809.htm

domingo, 4 de maio de 2008

COISAS RUINS não nos afetam tão profundamente quanto nós esperamos - Entrevista

Psicólogo social afirma que "coisas ruins não nos afetam tão profundamente quanto nós esperamos" Claudia Dreifus Do Science Times Em Harvard, o psicólogo social Daniel Gilbert é conhecido como Professor Alegria. Isso porque esse pesquisador de 50 anos de idade comanda um laboratório que estuda a natureza da felicidade humana. Seu livro "Stumbling on Happiness" foi best seller do "New York Times" durante 23 semanas e conquistou o prêmio 2007 Royal Society Prize for Science Books.
Science Times: Como você entrou nessa área de estudo?
Daniel Gilbert: Aconteceu há mais ou menos 13 anos. Passei a primeira década da minha carreira estudando sobre o que os psicólogos chamam de "erro fundamental de atribuição", ou como as pessoas têm a tendência de ignorar o poder de situações externas sobre a determinação do comportamento humano. Por que alguns acreditam, por exemplo, que pessoas sem instrução são burras? Eu ficaria feliz em trabalhar nisso por muitos anos ainda, mas algumas coisas aconteceram na minha própria vida. Em um curto período de tempo, meu orientador faleceu, minha mãe também, meu casamento se despedaçou e meu filho passou a ter problemas na escola. Eu logo descobri que, por pior que fosse minha situação, não era algo devastador. E fui em frente. Um dia, almocei com um amigo que também estava passando por dificuldades. Eu disse a ele: "Se você me perguntasse há um ano como eu lidaria com tudo isso, eu responderia que não ia conseguir nem me levantar da cama pela manhã". Ele concordou com a cabeça e acrescentou, "Será que somente nós erramos quando tentamos prever como responderíamos a um estresse extremo?" Isso me fez pensar. Eu me perguntava: Com que precisão as pessoas prevêem suas reações emocionais a eventos futuros?
ST: O que isso tem a ver com entender a felicidade?
DG: É que se não podemos prever como reagiríamos no futuro, não podemos estabelecer objetivos realistas para nós mesmos, nem descobrir como alcançá-los. O que observamos repetidamente no meu laboratório é que as pessoas têm uma incapacidade de prever o que nos fará felizes -ou infelizes. Se você não consegue dizer que futuro é melhor que outro, é difícil encontrar a felicidade. A verdade é que coisas ruins não nos afetam tão profundamente quanto nós esperávamos. E isso vale para coisas boas também. Nos adaptamos muito rápido a ambos. Então, a boa notícia é que ficar cego não vai lhe fazer tão infeliz quanto você pensa. A má notícia é que ganhar na loteria não lhe fará tão feliz quanto você imagina.
ST: Você está dizendo que as pessoas são felizes com o que a vida lhes dá?
DG: Como espécie, temos a tendência de ser moderadamente feliz, não importa o que ganhamos. Em uma escala de zero a 100, as pessoas geralmente classificam sua felicidade como 75. Continuamos tentando chegar a 100. Às vezes, conseguimos. Mas não dura muito. Certamente, temos medo das coisas que nos levariam a 20 ou 10 -a morte de uma pessoa querida, o fim de um relacionamento, um desafio sério para nossa saúde. Porém, quando essas coisas acontecem, a maioria de nós vai retornar a nossas bases emocionais mais rápido do que imaginamos. Os humanos são incrivelmente resilientes.
ST: A maioria de nós guarda noções irracionais sobre o que é felicidade?
DG: São idéias errôneas e falhas. Poucos de nós podem avaliar com precisão como iremos nos sentir amanhã ou semana que vem. É por isso que quando você vai ao supermercado de estômago vazio, compra demais, e se for depois de uma grande refeição, compra de menos. Outro fator que dificulta a previsão da nossa felicidade futura é que a maioria de nós tende a racionalizar as coisas. Esperamos nos sentir devastados se nossa esposa nos deixar ou se não ganharmos uma boa promoção no trabalho. Mas quando coisas assim acontecem, logo dizem "ela não era para mim", ou "eu estava mesmo precisando de mais tempo com a minha família". As pessoas têm um talento incrível para encontrar formas de suavizar o impacto de eventos negativos. Assim, elas estão enganadas quando imaginam que golpes como esses sejam mais devastadores do que são.
ST: Então, se não tivéssemos esses mecanismos, estaríamos deprimidos demais para seguir adiante?
DG: Isso tem a ver. Pessoas clinicamente depressivas muitas vezes parecem não ter a capacidade de se recompor. Isso sugere que, se o resto de nós também não tivesse essa capacidade, estaríamos todos depressivos também.
ST: Como autor de um best seller sobre felicidade, você tem algum conselho sobre como as pessoas podem alcançá-la?
DG: Sabemos que o melhor indicador para a felicidade humana são os relacionamentos e a quantidade de tempo que as pessoas passam com sua família e amigos. Sabemos que isso é significantemente mais importante que dinheiro e um pouco mais importante que saúde. Isso é o que mostram os dados. O interessante é que as pessoas sacrificam seus relacionamentos sociais para conseguir outras coisas que não as farão feliz -como dinheiro. Outra coisa que sabemos através de estudos é que as pessoas tendem a obter mais prazer de experiências do que de coisas. Então, se você tem dinheiro para gastar nas férias ou em bons filmes e restaurantes, isso vai lhe trazer mais felicidade do que um bem durável ou um objeto. Uma razão para isso é que as experiências tendem a ser compartilhadas com outras pessoas e os objetos, não.
ST: Você não acaba de expressar uma idéia muito antiamericana?
DG: Ah, você pode gastar muito dinheiro com experiências. As pessoas pensam que um carro vai durar e que por isso vai lhes trazer felicidade. Mas não vai. Ele fica velho e acabado. Mas as experiências, não. Você "sempre terá Paris" -e é exatamente isso que Bogart quis dizer quando falou essa frase para Ingrid Bergman em Casablanca. Mas você sempre terá uma máquina de lavar? Não. Hoje, eu vou para Dallas para encontrar minha esposa e viajo de primeira classe, que é ridiculamente mais cara. Mas a experiência será mais prazerosa do que um terno novo. Outro jeito de seguir o que aprendi com os dados do estudo é que eu não corro mais atrás de dinheiro, agora que tenho o suficiente, pois sei que será necessária uma enorme quantidade de dinheiro para aumentar só um pouco a minha felicidade. Eu não perderia uma brincadeira com minhas netas nem por US$ 100 mil. E não é porque sou rico. É porque sei que essa grana não vai me trazer mais felicidade do que curtir minhas netas.
ST: Então, você defende a idéia de que "dinheiro não traz felicidade"?
DG: Eu não diria isso. Os dados mostram que, no caso dos mais pobres, um pouco de dinheiro pode comprar muitas alegrias. Se você é rico, um monte de dinheiro pode comprar só um pouco mais de felicidade. Mas em ambos os casos, o dinheiro faz isso.
ST: Você, Dan Gilbert, é uma pessoa feliz?
DG: Sou. Coisas boas estão acontecendo comigo e acredito que vão continuar assim. Não sou otimista com relação ao resto da espécie, mas sou tão abençoado que quase chega a dar medo. Desculpe desapontá-la, mas me tenho uma disposição incrível. Adoro rir. Meu livro é cheio de piadinhas.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/outros/2008/05/02/ult586u559.jhtm