sábado, 21 de janeiro de 2012

Profissão Filósofo – todo apoio!

Paulo Ghiraldelli Jr*
Ainda não entendi a razão de alguns estudantes de filosofia (e certos professores!) estarem tão preocupados (no sentido que estão) diante de projetos que tramitam na Câmara dos Deputados no sentido de regulamentar a profissão de filósofo. São contra! Mas, são contra o que, especificamente? Acho que eles não sabem. Aliás, em geral, quando fornecem seus argumentos, aí sim eu fico preocupado com o tipo de gente que procura a filosofia.
Querem que a filosofia não seja profissão. Ora, em parte, ela já é, pois os filósofos acabam fazendo licenciatura – são professores. E se fizerem o bacharelado, também serão professores (embora alguns estudantes achem que não). Mas então ficamos com uma coisa esquisita: historiadores são historiadores e professores de história, e assim vale para vários outros intelectuais, mas para o filósofo isso não vale?
Fazer o filósofo em nossa sociedade não ser um profissional e, então, ser um marginal, para poder idolatrá-lo como sábio ou como louco ou como santo ou como bom moço ou como Zen, é estranho – muito estranho! É querer viver fora do tempo. Sim, sim, eu sei que a filosofia é inimiga da história e seu desejo, ao menos originalmente, é escapar do tempo, da morte e tudo que é humano. Mas, isso é a filosofia em sua origem, não precisa ser a postura do filósofo atual – aliás, a filosofia contemporânea, quase toda ela, tem tentado fazer as pazes com a história. E o filósofo, todos, estão já como profissionais nas universidades! O projeto vai possibilitar que o filósofo participe de outras instâncias de trabalho de modo a não ficar só com deveres, mas também com direitos – direitos trabalhistas! Claro!
Acho que o estudante que é contra isso foi mordido pela mosca azul da filosofia. Essa mosca morde alguns professores universitários que se acham filósofos – e que de fato são – mas que querem impedir que outros o sejam! Acham que essa atividade é tão importante que não pode ser tocada por ninguém, nem pelo Estado e nem pelo próprio candidato a filósofo. É como se filósofo não fosse mais o amante do saber e, sim, o sábio! Um sábio acima dos sábios.
Realmente, se a filosofia não for profissão, será necessário contratar os filósofos para trabalhar sob a uma rubrica falsa (pois o mercado quer filósofos!), o que, na nossa sociedade moderna, significa simplesmente não contratar. Uma editora ou uma rádio ou uma TV ou um hospital (uma empresa), por exemplo, podem contratar historiadores como historiadores ou sociólogos como sociólogos, mas o filósofo não então aí! Ora, será que os filósofos querem a “reserva de mercado” às avessas, ou seja, o direito de não se engajar em nada? É o direito de não se engajar em nada para poder se engajar como mendigo em tudo? Será que todo filósofo universitário é sempre tonto? Ou seja: como boa parte dos filósofos surgem da Igreja ou do marxismo (ou coisa parecida), eles logo condenam a “sociedade de mercado”. Então, querem ficar de fora dela. Mas querem isso não individualmente, querem que todos os colegas fiquem fora! Ora, ficam fora e, depois, acabam se empregando numa universidade e acham que podem continuar blasé! Isso é chato. Querer ser blasé na nossa sociedade? Ora, podem ser, mas não com um diploma de filosofia na mão, dado por uma universidade – este que tem um diploma na mão entrou e saiu de uma universidade burguesa, uma universidade que se organiza a partir do “mundo do trabalho”, não do mundo do ócio.
Eu sempre digo que filosofia não é profissão, mas isso em termos de sua origem, no entanto, na nossa sociedade moderna ela é sim profissão. Um filósofo filosofa. E essa sua capacidade de contar histórias que não são histórias contadas por outros intelectuais, já foi absorvida pelo mercado. Querer negar isso é fazer a filosofia continuar no mercado, mas sem os direitos do mercado, só com os deveres. E é isso que ocorre.
Os professores universitários que fizeram o curso de filosofia precisam sim apoiar a medida de fazer o filósofo ser um profissional de mercado numa sociedade de mercado, mesmo que eles, individualmente (por fé ou ideologia ou burrice), sejam contra a sociedade de mercado. Pastores, padres, artistas etc. já estão nessa faz tempo! Nenhum crítico de sorveteria precisa não conversar mais com a esposa porque ela toma sorvete! Nem é lícito proibir todas as esposas de tomar sorvete, para que elas não criem desejo na sua esposa, que você não quer que tome sorvete.
Eu realmente estou cansado de lidar com estudante de filosofia e com professor de filosofia quando estes querem se fazer de diferentes para além do que a palavra “diferente” implica. Esse pessoal que adora ser diferente em um sentido tolo da palavra “diferente” cansa qualquer um! Ora, o que estão os filósofos fazendo de diferente no Brasil? O que estou vendo por aí é a mesma ANPOF de sempre pedir para seus garotos irem até lá com um livrinho publicado pela sua própria universidade, um livrinho que não tem leitores, que serve apenas para “fazer currículo”. Chegam lá para ler um “paper” como se aquilo fosse uma novidade ou algo original. Meu Deus! Está na hora de filósofo virar gente e parar de achar que sendo um pária, é especial. Pária é pária, não é especial. Para posar de diferente é necessário fazer algo diferente mesmo, ou então se transformar em um trabalhador comum. Um trabalhador comum: filósofo, profissão filósofo. É honroso isso! É honroso ser um trabalhador comum.
Nós filósofos temos de entender que o Seminário não vai mais acolher todos e mantendo a garotada (sim, os eternos garotos) sob cuidados como na casa da mamãe, em realidade ou sonho. Nós filósofos devemos de entender que o Partido também não vai fazer o que fazia, acolher a garotada como o Seminário. Ser filósofo para se manter na Igreja ou em uma igreja ou algo parecido, ou no partido de esquerda ou algo parecido, é alguma coisa do passado – acabou! Acabou no mundo todo! Está na hora do filósofo acordar e dizer para si mesmo: eu sou um cara normal e vou parar de frescura. Vou trabalhar. Vou trabalhar sim como filósofo.
É claro que não defendo nada que tramita na Câmara que dê prerrogativas para instâncias que não a universidade. Não sou favorável que qualquer outra instância possa dar diploma ou certificado de “filósofo” que não a universidade. E nisso, o projeto que vi andando na Câmara tem defeitos. Mas, a idéia de tornar o filósofo um profissional como outro qualquer é boa, necessária e promissora.Vai trazer mais responsabilidade e visibilidade para o filósofo. Vai colocá-lo em condição igual a de sociólogos e outros profissionais do mesmo tipo. Pronto. Isso vai gerar cobranças específicas, o que será muito bom para filósofos e para não filósofos. Cobranças objetivas quanto a serviços são sempre boas para a performance de qualquer atividade.
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* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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