sábado, 4 de agosto de 2012

Igreja: uma rede social que rejeita o ''peer-to-peer''

Hoje Jesus de Nazaré seria um hacker, um blogueiro? Quantos seguidores ele teria no Twitter? Teria uma conta do Twitter? Perguntas de ficção-teológica, inspiradas pela leitura de Cyberteologia. Pensare il Cristianesimo al tempo della Rete (Ed. Vita e Pensiero, 2012, 148 páginas), de Antonio Spadaro.

Diretor da mais que notável e centenária revista dos jesuítas, La Civiltà Cattolica, Spadaro é muito ativo na rede. Crítico literário, fundou em 1998 o blog Bombacarta – escritas e expressões criativas, e, partir de 2011, o blog Cyberteologia, ao qual está associado o jornal online The CyberTheology Daily.

Os títulos e subtítulos dos capítulos são cativantes: "O homem decoder e o sistema de busca de Deus", "Uma Igreja hub?", "A Revelação no bazar", "Corpo místico e conectivo", "Do microfone sobre o altar à oração do avatar"...

Spadaro não é um frequentador ocasional da rede, ele está imerso, mas não afogado, como acontece com muitos adeptos aos trabalhos. Partícipe, não fanático. Está disponível a ser interrogado pela rede, e por isso as suas descrições e análises não são óbvias e são úteis até mesmo para aqueles que sentem um cheiro ruim diante da palavra teologia.

Ciber-, neuro-, nano- são prefixos que atraem muito e promovem, ipso facto, um produto cultural tão atraente e irresistível. Ciberteologia não é exceção. O seu significado pode variar de um nível básico de reflexão teológica costumeira sobre a web, até o reconhecimento da natureza "mística", quase sacramental, da rede. Não por acaso, Spadaro, no último capítulo, recorda o coirmão Teilhard de Chardin, que, desde 1947, falava de noosfera, uma complexo membrana de conhecimento, uma "rede nervosa que envolve a superfície inteira da Terra".

O Vaticano não deixou de punir Teilhard por isso e pelas suas convicções evolucionistas, embora, como é a prática consolidada, o tenha alistado novamente 60 anos depois. O mundo "secular" italiano também se livrou dele suficientemente. Veja-se a sarcástica poesia que Montale lhe dedicou, A un gesuita moderno.

Spadaro é bem atento para não se deixar sugar pela rede, reconhece as suas características religiosas presentes até na linguagem idioma elementar, "salvar", "converter", "compartilhar"... e acima de tudo sabe que o cibermundo se constitui justamente como sacramento, ex opere operato, diriam os teólogos de escola, porque não só representa a realidade, mas é capaz de produzi-la. Não um simples instrumento, útil para amplificar pregação e presença da Igreja na sociedade, como o microfone, o rádio, a televisão, mas sim um ambiente que age e gera a si mesmo.

Por isso, é inaceitável para o autor toda forma de Igreja Opensource em que os fiéis participam na sua construção e na sua "manutenção" em vida em uma espécie de Wikicclesia permanente. Um dos teóricos dessa posição é um teólogo norte-americano de confissão presbiteriana, Landon Whitsitt, do qual se pode pensar o que se quiser, mas que aqui nos permite enfatizar um limite consistente da Cyberteologia que traz como subtítulo “Pensar o Cristianismo no tempo da Rede”. Segundo uma enraizada tradição italiana, não só clerical, o cristianismo aparece sempre como sinônimo de Igreja Católica: de fato, defende Spadaro, esta não pode estar em uma relação entre pares, peer-to-peer, mas deve ser colocada no modelo oposto, client-server, em que são indispensáveis mediações sacramentais e hierárquicas.

A Igreja é, sim, uma grande rede social, um bem comum, poderíamos dizer, um google conectivo que estabelece relações, mas em que não se pode se diluir nem exaurir, porque – afirma Spadaro –, antes de tudo, é um Corpo Místico unido a Cristo, segundo uma sintética afirmação dada por Paulo na Carta aos Romanos. O que seria uma bela forma de dizer que, com as formas da rede, certamente é preciso fazer as contas, que a virtualidade é volátil, que as "comunidades" criadas pela rede são transitórias, que é importante estar na rede com a condição de saber sair dela, apesar da instabilidade das fronteiras entre virtual e real, que se não há vida offline é bastante improvável que se crie por si só online, que o corpo digital interfere no corpo orgânico, mas (por enquanto?) não o substitui.

O problema é que, quando um católico evoca o Corpo Místico – tendo à disposição também uma outra noção de Igreja, a de Povo de Deus –, em última análise, quer significar Igreja Católica Apostólica Romana. De fato, de todas as possíveis e necessárias formas de resistência ao canibalismo da rede, Spadaro privilegia a plataforma da liturgia católica, justamente a sacramental e eucarística da "presença real", mesmo que não lhe escape a temível palavra transubstanciação. Um romanocentrismo desses joga no lixo, com um simples "delete" teológico, todas as coletividades cristãs, mas não só, confrontadas com novas formas de conectividade, comunhão, cooperação através da rede, e daí no mundo, e que não se reconhecem na centralidade católica.
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 A reportagem é de Claudio Canal, publicada no jornal Il Manifesto, 01-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 04/08/2012

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