domingo, 19 de agosto de 2012

Pensamentos da hora da morte


 Rubem Alves*
 
Tive uma amiga, professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que adorava escalar montanhas. Por que escalar uma montanha? Ela respondia: “Porque ela está lá...” Cada pico coberto de neve lhe era um desafio irresistível! Pois ela me contou o seguinte: ela e um grupo de amigos escalavam uma montanha gelada, se não me engano no Peru ou Equador. Os membros do grupo, por segurança, estavam todos amarrados uns nos outros. De repente um deles escorregou e começou a deslizar encosta abaixo. Os outros foram arrastados com ele. Os alpinistas levam uma minipicareta amarrada ao pulso. Enquanto ela deslizava montanha abaixo, possivelmente para a morte, não pensou sobre a morte. Não sentiu terror. Começou a pensar irrelevâncias. Seus braços jogados para cima, a picareta pulava de um lado para o outro acima da sua cabeça. E o que ela pensou foi: “Como são perigosas essas picaretas! É preciso fazer algo para diminuir o seu perigo!” Quatro dos seus amigos morreram. Ela sobreviveu.

Ela havia perdido um seio... Chorando, abraçava o marido, sentindo-se mutilada na sua feminilidade e beleza. Como poderia continuar a ser amada pelo marido? O marido a aperta carinhosamente contra o peito e lhe diz: “De agora em diante, ao abraçar você, o meu peito estará mais perto do seu coração...”

Jeito certo de fazer xixi: Os apaixonados vivem num mundo maravilhoso de fantasia amorosa. Concordam com o Tom Jobim: “O nosso amor vai ser assim, eu pra você, você pra mim...” Eles acreditam firme e honestamente que o casamento será a realização da sua paixão em toda a pureza da fantasia. Mas todo mundo sabe, menos os apaixonados, que na vida não acontece assim.

As rotinas do dia a dia não combinam com fantasias amorosas. Casados os apaixonados na casinha pequenina, eles terão agora de lidar com uma porção de coisas banais e irritantes. Por exemplo, o pingo de xixi na tampa da privada... Alguém me contou que, na Alemanha, encontrou nos banheiros cartazes proibindo que os homens fizessem xixi da maneira clássica, macha, de pé.

A ordem é fazer xixi assentado, como as mulheres. Fazer xixi assentado pode ser um golpe na autoimagem machista dos homens mas, sem dúvida, é uma solução para as tampas de privada molhadas com urina. Milan Kundera, no seu livro \'Os Testamentos Traídos\', faz um comentário sobre \'Madame Bovary\', de Flaubert, indicando que naquele livro o autor fez uma descoberta “por assim dizer, ontológica: a descoberta da estrutura do momento presente” que é feito pela “coexistência perpétua do banal e do dramático sobre o qual nossas vidas estão fundamentadas”. Muitos momentos terríveis nascem de coisas absolutamente banais, como uma tampa de privada respingada de xixi...

Diurético e dialético: Eu havia terminado minha aula. Hora das perguntas. Um aluno levantou o braço. “Disseram-me que o senhor, numa palestra, afirmou que urinar é um ato dialético. É verdade?” Respondi: “Creio que o estudante que disse isto estava com um problema de audição. Não afirmei que urinar é um ato dialético. Devo ter dito, se disse, que urinar é um ato diurético...”

Aos terapeutas: Albert Camus escreveu no seu diário um pensamento que julgo ser merecedor da cuidadosa meditação dos terapeutas, especialmente psicanalistas: “Por uma psicologia generosa: Ajudamos mais uma pessoa dando dela própria uma imagem favorável do que apontando constantemente os seus defeitos”.
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* Teólogo. Escritor.
Fonte: Correio Popular on line, acesso 19/08/2012
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