sábado, 2 de dezembro de 2017

As vassouras das bruxas

 Lya Luft*
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O motorista de táxi de um aeroporto deste Brasil xingava um político, acusado no rádio por ter-se encontrado ali mesmo, dias atrás, com um suspeito de corrupção. "Viu só?", ele vociferava, "Viu só?". Cansada de aeroporto e do assunto, e porque logo antes alguém tinha me dito "Olha aí o Fulano, fotografado ao lado do Sicrano que é suspeito de corrupção! Certamente ele também é...", fui curta e direta: "Meu filho, se sua namorada conversar com uma moça desonesta e disserem que por isso ela também é desonesta, você vai gostar?". Ele olhou sobre o ombro, meio espantado: "Sabe que a senhora tem razão?". Comentei: "Chama-se a isso caça às bruxas". Chegando ao meu destino, não tive tempo de explicar mais. Isso ocorreu há poucos anos. Hoje, confesso, talvez eu não tivesse dito nada, porque os honrados, os valorosos, andam reduzidos. 

E, assim, não cheguei a lhe falar das caças às bruxas da Idade Média: a tropa de psicopatas autorizados caçava gente com o entusiasmo com que se caçariam animais selvagens. O maior divertimento era julgar, esfolar vivo e queimar na fogueira depois de inimagináveis sofrimentos. Além dos hereges habituais, pegavam as mulheres simples, que lidavam com o que hoje chamaríamos medicina alternativa, na sabedoria popular de suas antepassadas. 

Melhoramos um pouco como civilização, temos antibióticos e iPhones, mas também temos gente sendo vendida como escravos, menores trabalhando ilegalmente, mulheres apanhando dos maridos (vai ser mais divertido quando os papéis se inverterem... Será?). A caça às bruxas anda voltando, e sou quase fanática contra os crimes de corrupção, porque nos deixaram tão pobres, tão atrasados, tão feios ou abençoados em nossa desonestidade. Execução moral de inocentes na fogueira da opinião pública, mais disposta a ver em tudo o mal, me assusta tanto quanto me enojam bondades concedidas a faltosos comprovados, até confessos. Estamos num mundo destrambelhado, de pernas para o ar. (Se lermos os antigos, como alguns filósofos ou escritores, veremos que eles pensavam assim também...)
Num encontro em que um grupo de jovens questionava a falta de civilidade com que agem alguns personagens investigados na Lava-a-Jato (obrigada, Moreno) ou em debates no Congresso, comentaram como seria reconfortante ver debates entre homens educados e preparados. Respondi que bastava ler um pouco de história dos povos para ver que não há nada de novo entre nós. Às vezes, como grupos ou como sociedade, adoecemos de uma triste falta de compostura. 

Um rancor primitivo que nasce de fundos problemas pessoais e a agressividade geral que nos botou numa selva sem a graça das borboletas e dos bugios nos aniquilam. E até as bruxas boas, nas quais piamente acredito, em lugar de varrer tanta sujeira, fogem ligeirinho nas suas vassouras - e julgamos ser o vento nas ramagens.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH
Fonte:  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=a1c62fbf4642034e14471693862c7434 02/12/2017
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