domingo, 10 de dezembro de 2017

Richard Thaler. Damos importância demais ao presente (e isso é um erro): este Nobel explica o por quê

Richard Thaler, nobel de economia

Richard Thaler, professor da Universidade de Chicago. AFP

Esta é a história do Nobel de Economia, Richard Thaler, que lançou as bases de uma ciência mais ‘real’



Tudo começou com uma lista de “coisas absurdas que as pessoas fazem” escrita em um quadro-negro. Richard Thaler, laureado com o prêmio Nobel de Economia nesta segunda-feira, andava entediado com a carreira que havia escolhido e tentava se divertir observando o mundo à sua volta e fazendo perguntas como Por que alguém atravessa a cidade para economizar 30 reais em um rádio de 120 reais, mas não se anima a percorrer essa distância para economizar a mesma quantia na compra de um televisor de 1.850 reais?



Seu orientador não esperava muito dele com esse tipo de questionamento. Thaler se divertia vendo a irritação de muitos colegas economistas com suas perguntas enquanto tentava encontrar uma forma de investigar os temas que lhe chamavam a atenção. Tudo mudou no dia em que descobriu na biblioteca um estudo de dois psicólogos israelenses, Daniel Kahneman e Amos Tversky. Viraram seus ídolos. Thaler foi até a Califórnia para conhecê-los. Conseguiu ficar um ano ali como professor. Os três se tornaram muito amigos e começaram a colaborar. Foi o início de um dos capítulos mais relevantes do making of do que hoje se conhece como economia do comportamento: a fusão da economia com a psicologia.

Quarenta anos mais tarde, em 4 de janeiro de 2016, na sala Continental do hotel Hilton de San Francisco, Thaler proferia sua última conferência como presidente da Associação Norte-americana de Economia. “Os loucos estão no comando do hospício!”, brinca o professor quando recorda sua nomeação à frente da prestigiada instituição. O título de sua palestra era: “Economia do comportamento: passado, presente e futuro”.

Thaler argumentou que estava na hora de passar para um enfoque mais construtivo. A teoria econômica neoclássica precisava abrir os olhos para o fato de que seu estudo estava centrado na existência de uma “criatura mitológica” chamada Homo economicus. O mundo real é habitado por pessoas que nem sempre tomam as melhores decisões, ou as mais racionais. São simplesmente humanos.


O ambiente, a forma e a ordem em que as opções nos são apresentadas também influenciam nossa decisão: são os chamados fatores supostamente irrelevantes

“Depois da Segunda Guerra Mundial tentou-se dar rigor matemático à economia, mas a profissão parece ter perdido a intuição sobre o comportamento humano. Nos textos de economia não há mais humanos. Como isso pôde acontecer?”

Os pontos-chave dessa conferência estão reunidos em um estudo que resume muito bem a trajetória profissional de Thaler e suas principais ideias (bem como os argumentos apresentados por seus colegas para justificar como vinham fazendo as coisas). O vencedor do Nobel de Economia deste ano recorre à física para explicar o que acontecia:

“As pessoas começam a estudar física analisando o comportamento dos objetos no vácuo; a atmosfera pode ser acrescentada depois. Em vez de negar a existência ou a importância do ar, os físicos trabalharam para construir modelos mais complexos. Durante muitos anos, os economistas reagiram às dúvidas sobre o realismo de seus modelos fazendo o que equivaleria a negar a existência do ar ou sua importância.”

Preferimos comprar algo que nos satisfaça hoje em vez de um ganho futuro. Essas preferências podem nos levar 
a decisões pouco coerentes


O que Thaler propunha era abrir as janelas para deixar o ar entrar, e não tirar os móveis da sala. Era preciso aprimorar a teoria já existente. Aumentar a complexidade do modelo com a evidência dos dados e das reações humanas. Era preciso começar reconhecendo os pontos fracos do sistema.

Todas as decisões são iguais?

No modelo tradicional não havia níveis de dificuldade, por assim dizer. Uma pessoa precisava ser igualmente racional tanto decidindo o número de ovos do café da manhã como a quantidade de poupança necessária para a aposentadoria. Os ortodoxos se defendiam argumentando que o que a teoria dizia era que as pessoas prestariam mais atenção às decisões mais importantes e se comportariam “como se fossem especialistas”. Se não fossem, acabariam aprendendo com a prática. Thaler discordava.

“Consideremos a seguinte lista de atividades econômicas: decidir quanto leite comprar no mercado, escolher um suéter, comprar uma casa, escolher uma profissão, quanto poupar… É verdade que a prática melhora os resultados na maioria das atividades. Muitas famílias chegaram a dominar a arte da gestão do estoque de leite com base em tentativa e erro. Mas poucos de nós compramos carros com frequência suficiente para ficarmos bons nisso. Nas grandes decisões há pouco espaço para a aprendizagem.”

O falso movimento da mão invisível

Outra linha de defesa da teoria era que, quando as coisas não saíam como se esperava, os mercados corrigiriam a situação. Como em um passe de mágica imporiam a sabedoria que faltava aos humanos.
“Acredito que a ideia de que os mercados acabarão com os comportamentos aberrantes mostra que falta entendimento sobre a maneira como os mercados funcionam. Consideremos duas estratégias possíveis para duas empresas em relação a consumidores que estão cometendo erros (como pagar a mensalidade da academia para ir duas vezes por mês). As empresas podem tentar ensinar a esses consumidores qual é o custo de seu descuido ou podem pensar em uma estratégia para ganhar com essa situação. Esta última opção sempre será mais rentável.”

Antes da crise, alguém ficou rico dizendo às pessoas para não comprar uma casa ou não fazer o financiamento porque não poderia pagar? Não existe, portanto, um Panoramix com uma poção mágica dos mercados que transforme um Homer Simpson irracional e impulsivo em um Dr. Spock frio, calculista e brilhante.

Além disso, é bastante habitual que os seres humanos venham com um defeito de fábrica chamado viés do presente. Tendemos a dar mais peso ao presente em nossas decisões e acabamos cometendo erros. Preferimos comprar algo que nos satisfaça hoje em vez de um ganho futuro. Essas preferências podem nos levar a decisões pouco coerentes ou irracionais.

O ambiente, a forma e a ordem em que as opções nos são apresentadas também influenciam nossa decisão. São os fatores supostamente irrelevantes (SIFs, supposedly irrelevant factors). A poupança para a aposentadoria é um dos terrenos onde mais se documentou a relevância desses fatores “irrelevantes”. Segundo a teoria, as pessoas deveriam saber qual seria seu consumo ideal no futuro e definir um plano de poupança e investimento que levasse em conta a probabilidade de se divorciar ou adoecer. “Essa decisão faz uma partida de xadrez com um campeão mundial parecer fácil. O xadrez não tem incerteza nem problemas de autocontrole que ofusquem o resultado. Apesar disso, com a ajuda de alguns SIFs, pudemos ajudar as pessoas nessa pesada tarefa.” Um exemplo seria estabelecer a opção de poupar uma quantidade definida todo mês. Isso seria um pequeno empurrão para alcançar o objetivo (ou nudge, o termo que Thaler cunhou junto com o advogado Cass Sunstein). É uma de suas contribuições práticas mais relevantes.

“Chegou a hora de adotar a economia baseada na evidência. Isso não deveria ser difícil de vender. Os economistas usam as técnicas mais sofisticadas da estatística e têm acesso a poderosas bases de dados. Nesse contexto, a economia do comportamento é apenas uma parte do importante trabalho empírico que está sendo realizado.”

Thaler encerrou sua palestra e passou a palavra a outro “louco”: Robert Schiller, também laureado com o Nobel por um enfoque semelhante aplicado ao campo das finanças.
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Reportagem por   
Fonte:  https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/10/economia/1507644381_971684.html?rel=mas

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