quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Universidades estão revivendo a noção de heresia

Roger Scruton*

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A “não discriminação” tornou-se a nova ortodoxia nos centros de aprendizagem que deveriam promover 
a diversidade de opinião.

As religiões proporcionam o sentimento de pertencer a uma comunidade. Elas enchem o vazio no coração com a presença mística do grupo, e se não fornecem esse benefício elas murcham e morrem, como as religiões do mundo antigo durante o período helenístico. É, portanto, parte da natureza de uma religião se proteger de grupos rivais e das heresias que os promovem.

Os estudantes universitários de hoje têm pouco tempo para religião e nenhum tempo para grupos exclusivos. Eles insistem particularmente que as distinções associadas à sua cultura hereditária—entre sexos, classes e raças, entre gêneros e orientações, entre religiões e estilos de vida—sejam rejeitadas, no interesse de uma igualdade abrangente que deixa cada pessoa ser quem ela ou ele realmente é. A “não discriminação” é a ortodoxia dos nossos dias. No entanto, essa aparente mentalidade aberta é tão decidida em silenciar o herege quanto qualquer religião estabelecida. Pode não haver conhecimento prévio de como as novas heresias podem ser cometidas, ou o que elas são exatamente, uma vez que a ética da não discriminação está constantemente evoluindo para desfazer distinções que eram apenas ontem parte do tecido da realidade. Depois que Germaine Greer esclareceu sua opinião de que homens que se consideravam mulheres não eram, por meio da remoção cirúrgica do pênis, na verdade membros do sexo feminino, isso foi considerado tão ofensivo que uma campanha foi montada para impedir que ela palestrasse na Universidade de Cardiff. A campanha não foi bem sucedida, em parte porque Greer é a pessoa que é. Mas o fato de que ela havia cometido uma heresia era desconhecido para ela na época, e provavelmente o mesmo só ocorreu aos seus acusadores enquanto praticavam os Dois Minutos de Ódio daquela manhã.

Mais bem-sucedida foi a campanha para punir Sir Tim Hunt, o biólogo vencedor do Prêmio Nobel, por fazer uma observação indelicada sobre a diferença entre homens e mulheres em laboratórios. Uma caça às bruxas da mídia levou Sir Tim a renunciar a sua cátedra honorária no University College London; A Royal Society (da qual ele é membro) veio a público com uma denúncia, e ele foi escanteado por uma grande parte da comunidade científica. Uma vida de distinto trabalho criativo foi prejudicada.

A ética da não-discriminação nos diz que as mulheres estão tão adaptadas a uma carreira científica quanto os homens. Não sei se isso é verdade. Como eu descobriria quem está certo? Certamente, pesando as opiniões concorrentes no balanço da discussão fundamentada. A verdade surge por uma mão invisível de nossos muitos erros, e tanto o erro quanto a verdade devem ser permitidos para que o processo funcione. A heresia surge, no entanto, quando alguém questiona uma crença que não deve ser questionada dentro do território privilegiado de um grupo. O território privilegiado do feminismo radical é o mundo acadêmico, o lugar onde carreiras podem ser construídas e alianças formadas através do ataque ao privilégio masculino. Um dissidente dentro da comunidade acadêmica deve, portanto, ser exposto, como Sir Tim, à intimidação pública e ao abuso, e na era da internet, esse castigo pode ser ampliado sem custo para aqueles que o infligem.

Esse processo de intimidação deve pôr em dúvida, na mente de pessoas razoáveis, a doutrina que o inspira. Por que proteger uma crença que se sustenta por conta própria? A fragilidade intelectual da ortodoxia feminista está clara para todos verem, no destino de Sir Tim. Na verdade, a UCL e a Royal Society mostraram, com seu fracasso em protegê-lo da nuvem de idiotas do twitter, o estado triste do mundo acadêmico de hoje, que está perdendo todo o senso de seu papel de guardião da vida intelectual. Como o psicólogo social Jonathan Haidt tem argumentado, no momento em que as universidades defendem a diversidade como um valor acadêmico—por “diversidade” entenda-se tudo o que incluí sob o termo “não discriminação”—a verdadeira diversidade que as universidades deveriam defender, nomeadamente a diversidade de opinião, tem sido constantemente corroída e em muitos lugares inteiramente destruída.

A educação tradicional tinha muito a dizer sobre a arte de não ofender. A educação moderna tem muito mais a dizer sobre a arte de se ofender. Isto, na minha experiência, tem sido uma das conquistas dos estudos de gênero, que mostrou aos alunos como se ofender com comportamento, com palavras, com pronomes, com instituições, com costumes e até mesmo com fatos, sempre que a “identidade de gênero” está em questão. Não foi necessária muita educação para fazer com que as mulheres de antigamente se ofendessem com a presença de um homem no banheiro feminino. Mas é preciso muita educação para ensinar uma mulher a se ofender com um banheiro feminino onde os homens que se auto-identificam como mulheres são excluídos. Hoje, os estudantes estão sendo encorajados a exigir “espaços seguros”, onde as vulnerabilidades cuidadosamente nutridas não serão “engatilhadas (triggered)” gerando uma crise. A resposta correta, que é convidar os alunos a buscar um espaço seguro em outro lugar, não é uma que as universidades parecem considerar, uma vez que cada aluno é uma adição à renda, mas a censura não custa nada.

É minha convicção de que uma instituição na qual a verdade pode ser imparcialmente procurada, sem censura, e sem penalidades impostas aos que não concordam com a ortodoxia prevalente, é um benefício social muito maior do que agora pode ser alcançado com o controle da permissão de opiniões. Se a universidade renuncia a sua missão na questão da argumentação dirigida pela verdade, ela torna-se um centro de doutrinação sem uma doutrina, uma forma de fechar a mente sem o grande benefício conferido pela religião, que também fecha a mente, mas a fecha em torno de uma comunidade moral real.
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Sir Roger Scruton é professor de filosofia na Buckingham University
Tradução: André Luzardo.
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