José de Souza Martins*
O governo
eleito em 2018 chegou ao poder com um discurso nebuloso de desmonte do Estado
que conhecíamos até o dia 31 de dezembro. Só isso. Nada dizia, porém, sobre o
que era propriamente o desmonte. Foi eleito, com a cumplicidade de um
eleitorado cansado, cuja prioridade era também desmontar o até então conhecido,
vivido e, para muitos, sofrido.
Um
inquietante sinal estava posto diante dos olhos de todos: a maioria queria
desmontar, mas desmontar o quê? Sobretudo, quem seria o desmontador? E o que
seria, propriamente, desmontado?
Até hoje,
nem o povo nem o governo definiram com clareza o que pretendiam e pretendem. O
que já está claro é que o projeto da nova ordem é o de transformar os brasileiros
num povo barato. A cada avanço no projeto, a bolsa sobe. Mas as condições
sociais da população continuam na incerteza.
A maioria
que colocou o presidente no poder, claramente, queria o desmonte do Estado
petista. O Estado corroído pelo populismo de Lula. Os que não queriam desmontar
o Estado lulista nem queriam desmontar o Estado fisiológico e oligárquico do
nosso passado republicano, também queriam desmontar algo, sem dizer exatamente
o quê.
Extensa
parcela da população ainda não se pronunciou. Estamos vivendo o silêncio
cinzento da espera. Pode ser que daí resulte que o povo descubra sua real
motivação transformadora e, liberta do aparelhismo de partidos e caudilhos, retome
a opção pelos movimentos sociais, a alternativa forte para partidos fracos.
É preciso
entender, porém, que só as revoluções desmontam o Estado. E o fazem em nome de
um Estado que represente a concepção de poder de uma sociedade alternativa, a
de um projeto histórico. Revoluções expressam inquietações sociais, consciência
social das iniquidades próprias do distanciamento insuportável entre a
realidade do vivido, o carecido e a possibilidade do novo e da inovação
política.
Erram as
esquerdas quando agem como se a bandeira da mudança social e política fosse
bandeira da direita. Continuam não conseguindo decifrar o real. A direita
desmuda, mas não muda a realidade. Imobiliza-a, tenta fazer a história recuar,
anula conquistas sociais. Direita não faz revoluções, pois para fazê-las é
preciso discernimento, isto é, consciência crítica e, com ela, a dimensão
universal do humano.
Lula e o
petismo, desprovidos de uma teoria da práxis, apesar da retórica de esquerda,
representaram a ascensão política do popularismo de ascensão social da baixa
classe média. A que usurpou as esperanças dos pobres e trabalhadores.
Baseada
em vagas ideias sobre as possibilidades históricas da cultura popular, dos
grupos populares e dos movimentos populares, inventou o neopopulismo embutido
no popularismo de cooptação. O popular não é necessariamente emancipador nem de
esquerda. A cultura popular está cheia de concepções de recuo nas conquistas
sociais. Manifestou-se nas eleições de 2018.
Bolsonaro
e seu difuso e confuso consórcio político não são diferentes, a não ser no fato
de que ele está aquém de Lula. A escolaridade de Lula é insuficiente, e ele se
orgulha disso, deprecia os intelectuais, jactava-se de ser capaz de ser capaz
de governar sem diplomas universitários e leituras. Mas ele é excepcionalmente
inteligente. É capaz de ouvir antes de falar. Sabe aprender. Errou na prática
por ouvir demais assessores menores do que ele, que confundiram populismo com
popularismo. Foi benevolente com os bajuladores, que abriram a sepultura para o
seu carisma.
Bolsonaro não se orgulha de sua escolaridade notoriamente modesta. Diferente de Lula, não percebe suas insuficiências de compreensão da realidade política e da realidade social. Faz afirmações desinformadas, como a de que na universidade pública brasileira não há pesquisa científica, quando a pesquisa de ponta, no Brasil, é feita na universidade pública brasileira não há pesquisa científica, quando a pesquisa de ponta, no Brasil, é feita na universidade pública, laica, gratuita e democrática.
Bolsonaro não se orgulha de sua escolaridade notoriamente modesta. Diferente de Lula, não percebe suas insuficiências de compreensão da realidade política e da realidade social. Faz afirmações desinformadas, como a de que na universidade pública brasileira não há pesquisa científica, quando a pesquisa de ponta, no Brasil, é feita na universidade pública brasileira não há pesquisa científica, quando a pesquisa de ponta, no Brasil, é feita na universidade pública, laica, gratuita e democrática.
Com
afirmações como essa, causa danos às instituições, desestimula os cientistas,
abate seu ânimo. Louva os sofríveis, usa os toscos para praticar sua guerrilha
ideológica de direita e desviar a vigilância cívica dos desacertos de seu
governo errante e pobre de perspectiva e de projetos. Tem dificuldade para
perceber a diferença entre o popular e o ridículo, como se viu na encenação em
torno da copa recente, quando Tite e um jogador recusaram-se a apertar-lhe a
mão oportunista. Expõe e desgasta a instituição da Presidência. Entrega o protagonismo
da governação a terceiros e se perde na cultura superficial do espetáculo
político.
Não será
no jogo de pingue-pongue ideológico, que tanto a esquerda quanto a direita
assumiram, que o Brasil encontrará a saída civilizada, justa e culta para a
democracia e a justiça social.
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* José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de Moleque de Fábrica (Ateliê Editorial).
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6355727/jose-de-souza-martins-projeto-da-nova-ordem-e-transformar-brasileiros-num-povo-barato 19/07/2019
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* José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de Moleque de Fábrica (Ateliê Editorial).
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6355727/jose-de-souza-martins-projeto-da-nova-ordem-e-transformar-brasileiros-num-povo-barato 19/07/2019
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