sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O bom senso sumiu?

Antônio Britto* 
 
 Lula em entrevista ao jornal El País. Ele ocupa cela na carceragem da PF 
em Curitiba (PR) desde abril de 2018 reprodução/El País

Debate público é de baixa qualidade
Bom senso evitaria casos polêmicos

O prejuízo das confusões diárias e sem sentido para o país

A tentativa de transferência do ex-presidente Lula para um presídio em São Paulo gerou muita confusão, mas prestou um grande serviço ao país: mostrou, de forma didática, que a causa das turbulências (a maioria falsas) que o Brasil é obrigado a assistir diariamente não está nas instituições e, sim, na perda por muitas autoridades do velho e indispensável bom senso.

Bastaria bom senso e o presidente da República entenderia qual a sua função no país. Não se sentiria obrigado a falar qualquer coisa, a qualquer momento, sobre qualquer assunto. E quando falasse estaria atento ao ritual e aos deveres do cargo, o primeiro dos quais indica a necessidade de respeitar os contrários, governar para todos, subordinado à Constituição e às leis.
Igualmente por bom senso, ministros do Supremo Tribunal Federal – e tantos outros magistrados – não confundiriam a indispensável atenção à opinião pública com incontinência verbal. A antiga e boa máxima que juízes falam nos autos voltaria a ser a regra, guardando manifestações e entrevistas para se e quando absolutamente necessárias. (Os jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber acabam de publicar um excelente livro – Os onze – mostrando os bastidores do STF e o efeito danoso da compulsão midiática de alguns ministros).

Com bom senso, o Poder Judiciário poderia nos poupar da necessidade (falsa) de escolher entre o combate à impunidade que atropela a lei e a defesa da garantia de direitos que atrasa ou impede que a Justiça seja feita especialmente para corruptos e criminosos.

Houvesse bom senso em Curitiba e os procuradores encarregados da Lava Jato considerariam sua tarefa mais do que importante e suficiente, dispensando-os de atribuirem a eles próprios o papel messiânico que a divulgação de suas mensagens constrangedoramente revela. Mais ainda: todos promotores ou procuradores sensatamente saberiam a diferença entre uma função pública e pop stars. E não lutariam sofregamente por popularidade.

Com bom senso, o vice-Presidente da República não tentaria diagnosticar – e em público – a causa dos tremores das mãos de Angela Merkel. O Ministro da Justiça seria mais cauteloso ao editar portarias. O da Educação não dançaria. O do Meio Ambiente saberia como agir com países como Noruega e Alemanha.

O Chanceler nos dispensaria de esquisitices sobre socialismo e nazismo. Pais não transformariam dotes culinários como a fritura de hambúrgueres em atributos para a diplomacia. Filhos respeitariam a instituição Presidência da República e usariam as redes sociais com parcimônia. Figuras como Miriam Leitão e o presidente da OAB seriam poupadas de inverdades. Governadores, como o de São Paulo, não correriam o risco de afirmações infelizes e inoportunas, como as de ontem sobre Lula e o trabalho. Enfim…

O que esta breve e triste coleção de disparates recentes mostra é a baixíssima qualidade do atual debate público no Brasil. Poderíamos e deveríamos estar tratando de desemprego, retomada do crescimento, carência de inovação, perda de espaço na economia mundial.

Preferimos ficar no círculo vicioso em que alguém diariamente emite uma bobagem ou um disparate e as horas seguintes do país são desperdiçadas com esforços para contornar, explorar ou lamentar a afirmação sem sentido. Até que venha a próxima.

Para quem acompanha o noticiário diário resta a sensação de tempo perdido. E da absoluta escassez de autoridades que, acima dos cargos que exercem, mereçam respeito e tornem-se referências equilibradas para um país em grave crise social e econômica como demonstra a crescente e justificada admiração pelo papel desempenhado por Rodrigo Maia.

Esta baixa qualidade do debate afasta-nos de buscar e encontrar soluções para o que realmente deveria interessar ao país. E, pior: cria a impressão que este bate boca diário, esta enlouquecida sucessão de selfies, postagens e declarações é realmente importante. Ou que há problemas com as instituições ou com o metabolismo político quando, sejamos sinceros, na maioria absoluta destes cansativos episódios a causa é simplesmente falta de bom senso e preparo para os cargos, quando não de postura.

Estivesse conosco, o rei Juan Carlos, da Espanha, repetiria a admoestação famosa a Hugo Chaves – por que não se calam? Sejamos, porém, menos diretos. Por que não falam e tuitam menos ?
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 * Antônio Britto Filho, 66 anos, é jornalista, executivo e político brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Fonte:  https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/o-bom-senso-sumiu-analisa-antonio-britto/ 09/08/2019

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