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Divulgação/HBO O personagem Slenderman, que seria responsável
pelo rapto de
crianças, surgiu em um fórum online em 2009
Com
potencial de se tornarem virais, creepypastas usam da tecnologia para trazer
para a contemporaneidade as histórias assombrosas que circulam há anos
“A loira
do banheiro“, “o homem do saco“ e “a mulher de branco“. Essas são algumas
lendas urbanas conhecidas no Brasil e espalhadas por todo o país.
O
Dicionário Priberam de Língua Portuguesa define lenda urbana como “história,
explicação ou fenômeno ficcional relatado e divulgado como verdadeiro,
geralmente por alegadamente ter uma fonte ou origem vagamente relacionada com o
relator“.
As lendas
urbanas são uma forma de folclore moderno, diferenciando-se das lendas
tradicionais por surgirem dentro de um contexto urbano e terem uma origem
relativamente recente.
De acordo
com o historiador americano Ronald M. James, professor de estudos do folclore e
da mitologia na Universidade de Iowa, a natureza das lendas urbanas é muito
similar ao folclore tradicional porque ambas as narrativas possuem algum tipo
de alerta que é transmitido ao receptor das mensagens.
“Como as histórias de antigamente, o folclore
urbano oferece informações que podem salvar vidas. Nos diz quando devemos ser
cautelosos“, afirmou James no livro “Introduction to folklore“ (Introdução ao
folclore), publicado em 2014.
O
surgimento e o crescimento da internet e de novas formas tecnologias causaram
uma renovação das lendas urbanas, criando histórias similares àquelas que eram
transmitidas oralmente em um ambiente de comunicação de massa.
Culturas
diferentes, lendas semelhantes
O
espírito vingativo de uma jovem que aparece após ser invocada em banheiros.
Essa premissa se encaixa na lenda da “Loira do banheiro“ brasileira, da “Bloody
Mary“ americana e da “Toire no Hanako“, do Japão.
As três
lendas surgiram em países com culturas diferentes e, apesar de pequenas
variações entre si, contam com uma estrutura central muito parecida.
De acordo
com Jéssica Reinaldo, historiadora que pesquisa e escreve sobre diversas
manifestações do terror no site Fright Like a Girl, as lendas urbanas que se
solidificam no inconsciente popular são aquelas que funcionam em qualquer
lugar.
“Você
pega, por exemplo, a “Loira do Banheiro“, “Maria Algodão“ ou “Maria Sangrenta“.
É uma lenda urbana que está em vários países, e a única coisa que se precisa é
de um banheiro. As regras podem até mudar de lugar para lugar, mas as
consequências são as mesmas“, afirmou ao Nexo.
Segundo um
especialista Mikel J. Koven, historiador especialista em folclore e professor
na Universidade de Gales, as lendas urbanas evocam os medos de um determinado
grupo social, em uma determinada época.
“Se
analisarmos o que está presente em cada história, temos uma ideia de quais são
os medos de um determinado grupo dentro da sociedade“, afirmou ao site
LiveScience.
Na
Antiguidade, o mar evocava medos nos povos mediterrâneos e, por isso, monstros
marítimos faziam parte da mitologia. Nos EUA dos anos 60 e 70, o medo do
ocultismo e da deterioração dos valores tradicionais fez com que o cinema da
época produzisse filmes como “O exorcista“ e “O bebê de Rosemary“, que
colocavam o demônio no meio de famílias de classe média, que levavam uma vida
normal até então.
O campo
de estudos da mitologia comparada investiga a presença de histórias e lendas
semelhantes em culturas diferentes.
Um
exemplo disso é o fato de que dezenas de sociedades diferentes possuíam um
“mito do dilúvio“: para os hebreus, ele acontece na história de Noé e sua arca;
para os povos da Mesopotâmia, Atrahasis é o protagonista de uma lenda que conta
que o deus Enlil planejava destruir a humanidade com um dilúvio; por sua vez,
os finlandeses possuem uma história na qual Väinämöinen, principal herói de seus
mitos é ferido em um combate e seu sangue acaba inundando o planeta.
Existem
três hipóteses principais para explicar a presença de mitos semelhantes em
culturas diferentes:
1) Uma raiz genética e cultural em
comum entre os dois povos estudados
2) A difusão de temas e ideias
similares por meio das religiões que se espalharam
3) Condições de desenvolvimento
semelhantes entre os povos estudados, que resultaram em questionamentos,
indagações e preocupações semelhantes
No caso
das lendas urbanas modernas e contemporâneas, o surgimento de variantes de uma
mesma história é facilitada ainda mais pelos meios de comunicação em massa.
As
creepypastas, lendas urbanas da internet
O termo
creepypastas designa as lendas urbanas que surgiram especificamente no ambiente
da internet. A palavra surge como uma derivação de copypasta, uma gíria online
usada para se referir a textos e histórias que foram copiadas por várias
pessoas em sites diferentes.
Essas
criações do ambiente virtual surgem normalmente em fóruns como o Reddit e
contam com uma variedade de temas, que podem ir desde criaturas, como o
Slenderman, um monstro que raptava crianças, até segredos ocultos de desenhos
animados populares, como a história que diz que Ash, o protagonista de Pokémon
seria uma criança em estado de coma e toda a trama da animação seria uma
alucinação de sua mente.
As
creepypastas nem sempre apresentam um aviso ou algum tipo de moral, e,
diferentemente das lendas urbanas, costumam se apoiar em fotos, vídeos e áudios
criados pelos usuários como uma forma de dar mais verossimilhança às histórias
fictícias que estão sendo contadas.
Tal
verossimilhança já trouxe consequências: em 2014, as adolescentes americanas
Anissa Weier e Morgan Geyser, à época com 12 anos, esfaquearam Payton Leutner,
uma colega de classe, e alegaram que fizeram isso porque o Slenderman
supostamente estaria atrás da família de ambas. Sacrificar Leutner seria uma
forma de fazer cessar os desejos da criatura.
Weier e
Geyser confessaram o crime e foram condenadas. Geyser foi sentenciada a 40 anos
de prisão, enquanto Weier passará 25 anos presa.
No livro
“Creepypasta and contemporary legends on the internet“ (Creepypasta e as lendas
contemporâneas na internet), o folclorista Trevor J. Blank, professor da
Universidade Estadual de Nova York, afirma que as creepypastas expandem
significativamente o entendimento que se tinha do folclore e das lendas
urbanas, já que elas costumam abraçar elementos de outras mídias em suas
narrativas.
“É
imperativo que folcloristas entendam as influências dos filmes, da TV, das
mídias sociais e de outras tecnologias digitais, que continuam a desafiar e
expandir as noções longevas que tínhamos nesse campo“, afirmou. Esse tipo de
história atrai a atenção de centenas de milhares de usuários online. No Reddit,
a comunidade “NoSleep“, no qual os usuários relatam acontecimentos
inexplicáveis como se fossem reais, conta com 13,5 milhões de seguidores.
Jéssica
Reinaldo avalia que as creepypastas têm tantos entusiastas e leitores assíduos
porque, diferentemente de um filme de terror, elas ganham força dentro da
subjetividade de quem está lendo.
Segundo ela, a comunicação massiva também proporcionou
o aumento dos entusiastas das creepypastas. “A facilidade dos fóruns online de
espalhar histórias facilitou muito para que essas lendas urbanas ainda
acabassem indo mais longe. Algumas creepypastas eram menos assustadoras, mas
tinham um poder mesmo assim, principalmente no início, quando a internet ainda
estava começando a ser presente nos lares“, afirmou a historiadora.
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Texto POR Cesar
Gaglioni 30 Out 2019