terça-feira, 16 de novembro de 2021

6 poemas da uruguaia Cristina Peri Ross

 Letícia Pilger*


Foi lendo um artigo de Miriam Adelman – a quem agradeço eternamente – sobre mulheres viajantes que me deparei com um trecho de um poema de Cristina Peri Rossi como epígrafe. Aqueles versos marítimos de um capitão que gritava me inundaram de tal forma que devorei os poemas da uruguaia e, mais, comecei a traduzi-los, porque senti a necessidade de fazer com que, da viagem do Uruguai à Espanha, eles viajassem para o Brasil e me inundassem ainda mais.

Para a tradução, usei como base os livros Estado de exílio e Condición de mujer e selecionei, a princípio, os poemas que tratavam da viagem e do ato de escrever, porque era o tema que eu pesquisava no momento, mas acabei traduzindo muitos outros poemas, simplesmente porque eles foram me arrastando. Com pouca experiência em tradução, tentei explorar as possibilidades tradutórias e fazer as escolhas que traduzissem não apenas os vocábulos, mas também a minha leitura dos poemas e da viagem de que falavam.

Cristina Peri Rossi nasceu em Montevideu, Uruguai, em 1941. É uma romancista, contista, poeta, tradutora, professora de literatura e ativista uruguaia que vive em Barcelona desde seu exílio em 1972. Durante a ditadura militar no Uruguai, sua obra e a menção de seu nome foram proibidas no país por causa de sua posição política. Com a queda da ditadura no Uruguai, ela pensou em voltar ao país, mas decidiu ficar em Barcelona, porque, como disse em uma entrevista: “Estritamente não se pode voltar porque é um tempo que já não existe”.

Salve-se quem puder

Se fui amarga foi pela pena

O capitão gritou, “salve-se quem puder”
e eu, sem pensar, lancei-me à água
como ávida nadadora,
como se sempre tivesse esperado esse momento,
o momento supremo de solidão
em que nada pesa
nada resta
senão o desejo impostergável de viver;
me lancei à água, é fato, sem olhar para trás.

Se olhasse talvez não tivesse me lançado.
teria vacilado olhando teus grandes olhos tristes.
sinistros remorsos teriam me impedido
de saltar ao espaço
tocar a fria umidade do ar
o noturno sereno
e cair
como recém-nascida
na flutuante superfície do bote
onde tudo haverá de continuar
não se sabe onde.
Se tivesse olhado para trás,
teus grandes olhos tristes
a vela suspendida
os cabos soltos
as câmaras inundadas
como as memórias salgadas do mar.

Se tivesse olhado para trás,
“Salve-se quem puder”
gritava o capitão.

De ter olhado
de ter voltado os olhos
como Eurídice
já não poderia saltar
pertenceria ao passado
ancorada entre as redes do barco, seu capitão, a ferrugem das cadeiras
os versos que consumíamos nas noites de vigília
tua preguiça de saltar,
tua vingança de correr,
presa entre as famosas trepadeiras dos versos preferidos,
caso tivesse respirado mais o ar salino
nem visto aparecer o sol;
era um caso de vida ou morte.
“Salve-se quem puder”
tinha gritado o capitão,
a vida era uma hipótese de salto,
permanecer, uma morte segura.

Salvese quien pudiera

Si fui amarga fue por la pena.

El capitán gritó “Sálvese quien pueda”
y yo, sin pensarlo más, me lancé al agua,
como ávida nadadora
como si siempre hubiera estado esperando ese momento,
el momento supremo de soledad
en que nada pesa
nada queda ya
sino el deseo impostergable de vivir;
me lancé al agua, es cierto, sin mirar atrás.

De mirar quizás no me lanzara
habría vacilado mirando tus grandes ojos tristes
siniestros remordimientos me hubieran impedido ya
saltar al espacio
tocar la fría humedad del aire
el nocturno relente
y caer
como recién nacida
en la flotante superficie del bote
donde todo habría de continuar,
no se sabe adónde.
Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes
la vela suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.

Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes,
la vela mística suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.

Si hubiera mirado atrás.
“Sálvese quien pueda”
gritaba el capitán

De haber mirado
de haber vuelto los ojos
como Eurídice
ya no podría saltar
pertenecería al pasado
anclada entre las redes del barco, tu capitán, el moho de las sillas
los versos que consumíamos en las noches de vigilia
tu pereza de saltar,
tu vergüenza de correr,
atrapada entre las hermosas lianas de los versos preferidos,
acaso no hubiera respirado más el aire salino
ni visto aparecer el sol;
era un caso de vida o muerte
“Sálvese quien pueda”
había gritado el capitán,
la vida era una hipótesis de salto,
quedarse, una muerte segura.

Genealogia

(Safo, V. Woolf e outras)

Doces antepassadas minhas
afogadas no mar
ou suicidas em jardins imaginários
presas em castelos de muros liláses
e arrogantes
esplêndidas em seu desafio
à biologia elementar
que faz da mulher uma paridora
antes de ser na realidade uma mulher
soberbas em sua solidão
e no pequeno escândalo de suas vidas

Têm lugar no herbolário
junto a exemplares raros
de diversas nervuras.

Genealogía

(Safo, V. Woolf y otras)

Dulces antepasadas mías
ahogadas en el mar
o suicidas en jardines imaginarios
encerradas en castillos de muros lilas
y arrogantes
espléndidas en su desafío
a la biología elemental
que hace de una mujer una paridora
antes de ser en realidad una mujer
soberbias en su soledad
y en el pequeño escándalo de sus vidas

Tienen lugar en el herbolario
junto a ejemplares raros
de diversa nervadura.

XIV

Nenhuma palavra
nenhum discurso
– nem Freud, nem Martí –
serviu para deter a mão
a arma
do torturador.
Mas quando uma palavra escrita
na margem na página na parede
serve para aliviar a dor de um torturado
a literatura tem sentido.

XIV

Ninguna palabra nunca
ningún discurso
-ni Freud, ni Martí-
sirvió para detener la mano
la máquina
del torturador.
Pero cuando una palabra escrita
en el margen en la página en la pared
sirve para aliviar el dolor de un torturado,
la literatura tiene sentido.

II

Sonhei que ia longe daqui
o mar estava agitado
ondas pretas e brancas
um lobo morto na praia
uma madeira navegando
luzes vermelhas em alto-mar

Existiu alguma vez uma cidade chamada Montevideu?

II

Soñé que me iba lejos de aquí
el mar estaba picado
olas negras y blancas
un lobo muerto en la playa
un madero navegando
luces rojas en altamar

¿Existió alguna vez una ciudad llamada Montevideo?

Aos pessimistas gregos

O melhor é não nascer,
mas em caso de nascer,
o melhor é não ser exilado.

A los pesimistas griegos

Lo mejor es no nacer,
pero en caso de nacer,
lo mejor es no ser exilado.

VI

Sonhei que voltava
mas uma vez ali
tinha medo
e queria ir(-me)
a qualquer outro lugar.

VI

Soñé que volvía
pero una vez allí
tenía miedo
y quería irme
a cualquier otro lado.

 La uruguaya –nacionalizada española– Cristina Peri Rossi ha ganado el premio Cervantes 2021. Nacida en Montevideo en 1941 y residente en Barcelona, la autora es una de las voces más relevantes de las letras en castellano y la única mujer incluida dentro del boom latinoamericano. Su obra ha sido traducida a más de 20 idiomas

Letícia Pilger é mestranda em Estudos Literários na UFPR, professora de redação e revisora. No momento pesquisa intermidialidade, Paula Bonet e Clarice Lispector.

Fonte: https://pontesoutras.wordpress.com/2019/03/01/6-poemas-da-uruguaia-cristina-peri-rossi-por-leticia-pilger/

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