segunda-feira, 1 de novembro de 2021

'Nesta década será decidido o futuro da humanidade', diz climatologista Carlos Nobre sobre desafios da COP-26

 Climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) Foto: Arte O Globo / Edilson Dantas/Agência O Globo/17-10-18 

Climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) Foto: Arte O Globo / Edilson Dantas/Agência O Globo/17-10-18

Climatologista, um dos principais especialistas em Amazônia, analisa posição dos principais poluidores e avisa: 'se não cortar desmatamento, Brasil não chega a nada'

Ana Lucia Azevedo

01/11/2021 - 04:30

Veterano de cúpulas climáticas e um dos maiores especialistas do mundo sobre a Amazônia e o seu impacto no planeta, o climatologista Carlos Nobre diz que a COP-26, que começou ontem em Glasgow, na Escócia, tem como desafio conseguir de governantes o compromisso com metas duríssimas, mas necessárias. Copresidente do Painel Científico para a Amazônia e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Nobre afirma que a Humanidade tem à frente a década mais desafiadora de sua História.

O que podemos esperar da COP-26?

É uma pergunta de US$ 100 milhões. O momento me lembra o da COP-15, em Copenhague, para a qual havia uma imensa expectativa. Porém, só fomos alcançar os resultados esperados na COP-21, em Paris. E isso aconteceu porque houve um trabalho prévio do governo da França.

Que trabalho?

Uma intensa negociação prévia com os países. Os líderes, como o presidente americano Barack Obama, chegaram com muita coisa já negociada, prontos para o Acordo de Paris.

Ativistas climáticos protestam antes da COP-26 para pressionar meta de reduzir em 1,5° C a temperatura global

 

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Ativistas da Rebelião Oceânica se reúnem na frente do local da COP-26 em Glasgow, antes do início da cúpula do clima Foto: ANDY BUCHANAN / AFP - 29/10/2021 

Ativistas da Rebelião Oceânica se reúnem na frente do local da COP-26 em Glasgow, antes do início da cúpula do clima Foto: ANDY BUCHANAN / AFP - 29/10/2021 


Ativistas despejam óleo falso na frente do local onde a COP-26 será realizada em Glasgow para protestar contra as faltas de ações mais firmes para evitar uma catástrofe climática no mundo Foto: ANDY BUCHANAN / AFP

Ativistas despejam óleo falso na frente do local onde a COP-26 será realizada em Glasgow para protestar contra as faltas de ações mais firmes para evitar uma catástrofe climática no mundo Foto: ANDY BUCHANAN / AFP

  Ativista da Rebelião Oceânica, Rob Higgs, protesta contra o arrasto de fundo durante uma manifestação antes da cúpula da COP26, em Glasgow, Escócia Foto: DYLAN MARTINEZ / REUTERS

Ativista da Rebelião Oceânica, Rob Higgs, protesta contra o arrasto de fundo durante uma manifestação antes da cúpula da COP26, em Glasgow, Escócia Foto: DYLAN MARTINEZ / REUTERS 


Evento reunirá neste domingo, na Grã-Bretanha, mais de 120 líderes mundiais para discutir compromissos de combate ao aquecimento global Foto: ANDY BUCHANAN / AFP

Evento reunirá neste domingo, na Grã-Bretanha, mais de 120 líderes mundiais para discutir compromissos de combate ao aquecimento global Foto: ANDY BUCHANAN / AFP 

 Ativistas da Rebelião Oceânica protestam contra a pesca de arrasto de fundo perto do Scottish Event Centre, local da COP-26 Foto: ANDY BUCHANAN / AFP 

Ativistas da Rebelião Oceânica protestam contra a pesca de arrasto de fundo perto do Scottish Event Centre, local da COP-26 Foto: ANDY BUCHANAN / AFP

 Ativistas protestam em Glasgow antes da COP-26, que começa hoje: Meta de 1,5° C segue distante Foto: RUSSELL CHEYNE / REUTERS

Ativistas protestam em Glasgow antes da COP-26, que começa hoje: Meta de 1,5° C segue distante Foto: RUSSELL CHEYNE / REUTERS 


A ativista climática Greta Thunberg é escoltada ao chegar à Estação Central de Glasgow para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP-26 Foto: DYLAN MARTINEZ / REUTERS

A ativista climática Greta Thunberg é escoltada ao chegar à Estação Central de Glasgow para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP-26 Foto: DYLAN MARTINEZ / REUTERS

  Conferência da ONU sobre o clima que começa neste domingo em Glasgow, na Escócia Foto: BEN STANSALL / AFP

Conferência da ONU sobre o clima que começa neste domingo em Glasgow, na Escócia Foto: BEN STANSALL / AFP 

 Ativistas protestam em Glasgow antes da COP-26 Foto: YVES HERMAN / REUTERS

Ativistas protestam em Glasgow antes da COP-26 Foto: YVES HERMAN / REUTERS 

 Artistas climáticos chegam para uma "Procissão de Peregrinos", uma cerimônia de abertura para uma série de ações em Glasgow Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP

Artistas climáticos chegam para uma "Procissão de Peregrinos", uma cerimônia de abertura para uma série de ações em Glasgow Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP


A COP acontece todos os anos, mas a edição de 2021 tem uma importância central. Países deverão revisar pela primeira vez as metas de redução das emissões de gases causadores de efeito estufa assumidas no Acordo de Paris Foto: ANDY BUCHANAN / AFP

A COP acontece todos os anos, mas a edição de 2021 tem uma importância central. Países deverão revisar pela primeira vez as metas de redução das emissões de gases causadores de efeito estufa assumidas no Acordo de Paris Foto: ANDY BUCHANAN / AFP 


Ativistas da mudança climática pintam mensagens durante um protesto fora da sede da empresa de investimento BlackRock, antes da COP-26, em San Francisco, Califórnia, EUA Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

Ativistas da mudança climática pintam mensagens durante um protesto fora da sede da empresa de investimento BlackRock, antes da COP-26, em San Francisco, Califórnia, EUA Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

E agora?

Pelo que se viu até agora, o governo do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não fez o mesmo trabalho. Tampouco o presidente da COP-26, Alok Sharma, parece estar tendo muito sucesso. No Brasil, ele não foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto, por exemplo.

Por que é tão urgente chegar a um acordo substancial de redução de metas nesta COP?

Porque estamos atrasados. A ciência aponta os riscos há décadas e o último relatório do IPCC é a continuidade disso. Não falamos mais do que pode acontecer, mas do que já ocorre e do que precisamos fazer para tentar impedir que se agrave. E friso que passar de 1,5° C de elevação de temperatura será terrível. Para evitar que isso aconteça, teríamos que reduzir as emissões em 50% até o fim desta década.

Qual a chance de a COP-26 chegar a um acordo neste sentido?

Parece distante com o que temos na mesa neste momento. Este ano, as emissões de CO2 devem superar as de 2019, ainda que a atividade econômica não tenha se recuperado plenamente e enfrentemos a pandemia. Os números do Brasil de 2021 ainda não saíram, mas devem superar 2020, ano em que o Brasil foi um dos poucos países que registrou aumento de emissões, devido ao desmatamento da Amazônia. Este ano, o desmatamento continua a crescer e o governo ligou as térmicas.

O que isso significa?

Que o Brasil está mais distante de cumprir metas do que outros países. Tudo leva a crer que não haverá redução significativa nos dados que devem sair em novembro. O orçamento do Ibama continua baixo. As emissões brasileiras vêm sobretudo do desmatamento. Se o país não reduzir o desmatamento, não importa se legal ou ilegal, não chegará a nada, a meta alguma. O Brasil não tem nada positivo nas mãos em Glasgow, já é superpressionado e isso não vai melhorar.

E os Estados Unidos?

Os EUA aumentaram suas emissões no governo de Donald Trump. O presidente Joe Biden chegou politicamente comprometido a cortar emissões. Só que, para levar adiante seus planos, precisa da aprovação do Congresso e não há garantia de que ela virá. Além disso, os EUA, diferentemente da União Europeia, não têm um marco temporal para encerrar a produção de carros movidos a combustíveis fósseis. Destaco que 98% dos carros do planeta são movidos a combustíveis fósseis. A rápida transição para zerar emissões é o maior desafio do mundo.

E a China?

Sem a adesão da China será impossível ficar em 1,5° C de aumento da temperatura global, os chineses teriam que antecipar suas metas. Se o presidente chinês, Xi Jinping, não for mesmo a Glasgow, nenhum acordo da COP-26 será satisfatório, será muito ruim para a conferência. Embora a China queira assumir a liderança ambiental, é difícil que isso ocorra sem um comprometimento maior. Ela é, por exemplo, a maior fabricante de carros elétricos do mundo. Mas, por outro lado, continua a construir térmicas a carvão. A única boa notícia é que os chineses anunciaram que não construirão mais essas térmicas fora de seu país.

Por que frear a elevação da temperatura em 1,5° C é tão importante?

Essa meta tem que ser perseguida porque faz uma diferença brutal. Fala-se em 2° C como meta possível, e 0,5° C pode parecer pouca coisa. Não é. Um relatório do IPCC de 2018 mostrou que esse 0,5° C é suficiente para eliminar 95% dos recifes corais, com impacto no equilíbrio dos oceanos e nas nossas vidas, mesmo para quem não se importa com corais. Isso é só um exemplo. Esse 0,5° C vai impactar em ocorrência de extremos climáticos. Em todo o sistema terrestre. Por isso, esta década é a mais desafiadora da História da Humanidade. Decidimos nela nosso futuro.

Que acordo poderá sair da COP-26?

Talvez a grande expectativa para esta COP seja um acordo para reduzir entre 40% a 50% as emissões até o fim da década. Mas sabemos que as emissões vão crescer até 2023, provavelmente até 2025. Com muito otimismo, poderemos ter um decréscimo a partir de 2026 e, com isso, reduzir as emissões em 50% em relação a 2015. Reduzir 50% em cinco anos é um desafio monstruoso. Prometer reduções até 2050 é fácil, mas está longe de bastar. Será preciso um comprometimento dos líderes que não sabemos se estarão dispostos a dar.

Por quê?

É muito mais simples se comprometer com metas distantes. Muitos dos governantes atuais estarão ou esperam estar no poder no período em que metas até 2030 terão que ser cumpridas. Biden, por exemplo, poderá ficar no poder até 2028.

Se os países apenas cumprirem as metas tal como estão agora, o quanto o planeta vai esquentar?

Pelo menos 2,7° C. E isso significará mais extremos climáticos, mais fome, miséria e sofrimento.

O senhor tem trabalhado com o projeto da Amazônia 4.0 de desenvolvimento associado à exploração sustentável da biodiversidade. O quão rentável pode ser a exploração sustentável da floresta?

Muito rentável. Vou dar um exemplo. Um hectare de sistema agroflorestal rende uma média de US$ 1.000 por ano. Isso representa um rendimento dez vezes maior do que o do gado e cinco vezes superior ao da soja.

E como está o Amazônia 4.0?

Apesar da pandemia, temos conseguido avançar. Conseguimos recursos para o primeiro laboratório que será levado a quatro comunidades no Pará. Ele está em construção em São José dos Campos e será usado para produtos de cacau e cupuaçu, com alta agregação de valor.

Qual a maior urgência da Amazônia?

Fazer uma moratória a jato para o desmatamento e a degradação em toda a Amazônia. Hoje, 17% dela foram desmatados e outros 17% degradados. É preciso zerar o desmatamento, não importa se legal ou ilegal, até porque o Congresso brasileiro tem legalizado as ilegalidades. A palavra legal passou a não significar mais nada por isso. Como 60% da Amazônia estão no Brasil, ele deveria liderar. Mas para isso é preciso de uma política mais enérgica para a região.

Fonte: https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/nesta-decada-sera-decidido-futuro-da-humanidade-diz-climatologista-carlos-nobre-sobre-desafios-da-cop-26-1-25259941?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsdiaria

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