segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Filosofia e controvérsias

 Luiz Felipe Pondé*

 

 "Sou otimista, sempre fui, apesar de as pessoas dizerem o contrário. É porque sou otimista com as coisas que importam. Com a bondade da humanidade, não." | Foto: Fabiano do Amaral/CP

Christian Bueller

Autor de livros como “O homem insuficiente”, “Guia politicamente incorreto da filosofia” e “A era do ressentimento”, Luiz Felipe Pondé é um dos mais controversos pensadores do país. Doutor em Filosofia, é professor, ensaísta e conferencista. Em passagem recente por Porto Alegre como palestrante no lançamento do Instituto Moinhos Social, do Hospital Moinhos de Vento, o filósofo conversou com a reportagem do Correio do Povo sobre temas do presente e, ao mesmo tempo, atemporais, como pandemia, solidão, redes sociais e os desafios da humanidade. Segundo ele, “a perfeição é um país que a gente não conhece”.

Com a pandemia, a humanidade teve uma chance de se mostrar mais humana, mais solidária. Apesar de raras ações, individuais e de algumas instituições, em geral, isso não aconteceu. Em que situação conseguiremos olhar para o outro? Temos conserto como seres humanos?

Conserto não temos. Continuamos sendo o que sempre fomos. A expectativa de que a pandemia iria fazer com que olhássemos mais para os outros e nos preocupássemos é infantil. Não existe isso. Basta ver o que aconteceu com a guerra das vacinas, basta ver o comportamento em relação à África, porque, com a variante Ômicron, não fizerem nada de especial por lá, aquele continente ficará à míngua, como sempre foi. Então, não houve uma grande movimentação: na verdade, foi um fracasso absoluto. Os países se fecham – e têm lá seus motivos –, os ricos estocam vacinas que perdem a validade e não doam, nada de novo embaixo do sol, como diria o Eclesiastes.

Vivemos um mundo em que a velocidade das coisas nos impõe estarmos conectados o tempo todo. A busca por complementos financeiros confunde pressa com agilidade. Como podemos lidar com essa rapidez, o ‘tudo para ontem’? É possível reduzir a marcha?

Algumas pessoas conseguem reduzir, dependendo da condição material prévia, da família em que nasceram. Às vezes, de um certo temperamento. Mas, se pensarmos em termos sociológicos estatísticos, não, não tem como reduzir porque a velocidade da produção e o nível de exigência são cada vez maiores. Inclusive, há exigências não só no plano da produção, você tem que ter afetos corretos, ideias adequadas. O mundo se tornou complexo, por exemplo, para jogar lixo fora, você tem que fazer um PhD para entender aonde vai cada lixo e, se não fizer isso, você detona com o meio ambiente. Essa aceleração é fruto de uma estrutura material de produção. Então, não é você ou eu que queremos assim. Agora, algumas pessoas conseguem, dependendo da vida delas, da sorte ou do azar, menos ou mais ambiciosas. Mas o mundo desacelerar? Acho que ele passa por uma perspectiva de que as utopias modernas não acontecem para as pessoas que não mentem.

Quantos mais seguidores temos, mais solitários somos? Foi assim com Getúlio Vargas, Elvis, Michael Jackson e as subcelebridades de Instagram. Por que precisamos ser idolatrados? Anônimos nos preenchem desde que sejam muitos?

Essa questão tem níveis de realidade. Uma coisa é uma pessoa querer ser celebridade per se (por si só), ela quer porque tem muitos que a seguem e ela não faz nada. São muitos casos hoje em dia de pessoas que não desenvolvem nenhum trabalho especial e que o objetivo é, simplesmente, ser famoso. Vemos crianças falando, quando perguntadas, sobre o que querem ser quando crescerem: “Quero ser famoso”. O número de seguidores ou de pessoas que gostam de você é normalmente um marcador do reconhecimento do que você faz. Quando se tem um tipo de atividade que tem vocação pública, é normal que as pessoas gostem de você, que te “sigam”. Antigamente, se pedia muito autógrafo, hoje se pede “selfie”, que é uma versão atualizada. Isso faz parte do processo de reconhecimento. Já as redes sociais, enquanto tal, têm outro elemento. Antes, víamos aquelas meninas enlouquecidas nos shows dos Beatles, puxando cabelo e a roupa deles. Hoje em dia se tem muita curiosidade na Internet, saber detalhes da vida privada dos seus ícones. Então, se você dá mais elementos da sua vida privada, tende a ter mais seguidores. Eles querem saber se você é casado ou não, quantos filhos você tem, se você tem amante ou não, o que gosta de comer, para onde você vai nas férias. Nas redes sociais, que são redes de fofocas, isso pode aumentar os teus seguidores. Agora, você está sozinho porque, de fato, seguidores e fãs só querem coisas de você. É claro que eles dão reconhecimento de vaidade, isso é gostoso. Mas não tem algo mais terrível que cinco, seis, dez, vinte fãs em sua volta, isso produz solidão mesmo. Um outro problema é que a condição de celebridade contamina as relações que você tem. As pessoas começam a confundir você com a figura famosa.

Aos poucos, as atividades presenciais estão voltando, mas muita gente percebeu o lado ruim disso: colegas malas, chefes abusivos, rotinas de transportes coletivos atribuladas. Descobrimos que não somos seres tão coletivos assim?

Continuamos sendo uma espécie social, dependentes uns dos outros. Muita gente falava “não vejo a hora de encontrar as pessoas”, mas muita gente está descobrindo que, no fundo, tem um monte de pessoas chatas perto. Que você gostaria de encontrar, na verdade, quatro ou cinco pessoas, não os que, na quarentena, você não era obrigado a encontrar. Caminhamos em direção a uma vida mais atomizada, famílias menores, com menos filhos. Mais banheiros e menos crianças, o que significa solidão. A espécie não será menos social. É que somos sociais e um pouco antissociais também. Descobrimos que levávamos uma hora para chegar ao trabalho e, durante a pandemia, o expediente era em casa. Mas isso também tem suas agruras: problemas de Internet, se a casa é grande há brigas de casal para ver quem fica perto do roteado. A perfeição é um país que a gente não conhece. Sei que muita gente está com preguiça de voltar, mas é momentânea. As escolas, universidades e empresas vão retomar as atividades e as pessoas serão obrigadas a voltar.

Qual a sua expectativa para 2022 e para o mundo pós-pandemia?

Sou otimista, sempre fui, apesar de as pessoas dizerem o contrário. É porque sou otimista com as coisas que importam. Com a bondade da humanidade, não. Mas vai passar a pandemia – e isso depende de que a vaidade dos especialistas seja colocada no seu devido lugar –, à medida que as vacinas avancem e as variantes não causem muitos danos. O pós-pandemia vai levar, no mínimo, um ano. Em 2020, a gente se escondeu. Em 2021, apanhamos feio da segunda onda, que foi muito pior. A menos que aconteça alguma catástrofe, 2022 é o ano que deve melhorar essa situação. A gente deve começar a deixar a pandemia para trás. Já na política… Bom, sou mais otimista com vacina do que com política.

*Filósofo, professor universitário e escritor brasileiro. É doutor em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pela Universidade de Tel Aviv, em Israel.

Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/di%C3%A1logos/filosofia-e-controv%C3%A9rsias-1.748470 30/12/2021

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