Tomar conta dos netos em um momento da vida que deveria ser de mais tranquilidade e menos compromissos, ou pelo menos de autonomia para fazer escolhas, pode se tornar fonte de estresse e ansiedade para muitas pessoas que ingressam na fase dos 60Mais. As exigências da vida profissional podem ser trocadas, no momento da aposentadoria, pela rotina atarefada de quem precisa cuidar de crianças. 

O desafio se multiplica quando essas mesmas pessoas, simultaneamente, passam a se tornar responsáveis pelos próprios pais — a chamada geração sanduíche, imprensada entre esses dois grandes desafios.

A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association (Isma-BR), fala, nesta entrevista, sobre a sobrecarga emocional e física gerada por essas tarefas e também das implicações nas relações familiares.

— Normalmente, os 60Mais têm um grande receio de isolamento e de rejeição. "Se eu não cuidar do meu neto, talvez o meu filho não traga a criança aqui para me ver ou me deixe de lado." Essa necessidade de estar mais junto, de ter esse aconchego, faz com que as pessoas, muitas vezes, terminem assumindo responsabilidades que não querem assumir e pelas quais não se sentem gratificadas — discorre Ana Maria.

A Isma-BR promove o 23º Congresso de Stress e Qualidade de Vida no Trabalho entre 20 e 22 de junho, no Hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre. As inscrições podem ser feitas neste site até o dia 12. O tema principal do evento será o estresse ocupacional, agravado pela pandemia, e a programação conta com Irvin Sam Schonfeld, professor emérito do City College e do Graduate Center da City University de Nova York, nos Estados Unidos, que proferirá a palestra de abertura.

Muitos chegam à terceira idade e à aposentadoria e recebem a tarefa de cuidar dos netos. Qual é o impacto disso?

Eles se sentem usados. Vejo essa situação baseada em quatro pilares. O primeiro deles é não se permitir ser assertivo, colocar limites, dialogar. Normalmente, os 60Mais têm um grande receio de isolamento e de rejeição. "Se eu não cuidar do meu neto, talvez o meu filho não traga a criança aqui para me ver ou me deixe de lado." Essa necessidade de estar mais junto, de ter esse aconchego, faz com que as pessoas, muitas vezes, terminem assumindo responsabilidades que não querem assumir e pelas quais não se sentem gratificadas. Uma coisa é fazer algo que não se tem muita vontade, mas ficar gratificado. O pior é não ter vontade de fazer, se ressentir e se culpar por estar fazendo. Então, o receio de rejeição, de ficar isolado, que é um temor muito comum nessa faixa etária, se torna um agravante. O terceiro pilar é em relação ao trabalho, mesmo que não seja em tempo integral, mas as pessoas continuam com alguma atividade profissional, às vezes é um hobby e elas começam a vender, como crochê ou tricô, que é prejudicado pelo cuidado com os netos. E, muito importante e bem atual, é a questão da geração sanduíche. Muitos idosos, além de cuidar dos netos, estão cuidando também dos pais, com uma idade avançada e, via de regra, a saúde bastante precária. Isso gera uma mobilização de tempo, uma preocupação muito grande e um problema financeiro porque, muitas vezes, esses pais não têm recursos para uma cuidadora ou para ir para um local onde possam ser cuidados. Isso faz com que a sobrecarga emocional dos 60Mais se torne muito crítica e estressante. 

E tem também a sobrecarga física, não é? 

Sim, com certeza. Principalmente quando os netos são ativos ou se os avós não conseguem manter o ritmo deles. Ou quando as crianças são desobedientes, malcriadas: "Ai, vó, cala a boca! Tu nem entende". Principalmente quando se trata de informática, a criança pede alguma coisa para a avó, para o avô, e eles não conseguem fazer. O ressentimento, para essas pessoas, é muito grande. A fadiga, o cansaço físico, é um problema bastante sério. E, muitas vezes, essa pessoa tem alguma limitação em termos de saúde: dor nas articulações, falta de mobilidade, encurtamento dos músculos, alguma doença crônica. E, se não for assertiva, terá problemas. Há também as alterações na rotina. A pessoa que tinha a rotina de acordar tarde, tomar o seu cafezinho com toda a calma, ler um livro, bater um papo, agora já acorda com o filho ou a filha batendo na porta, trazendo o neto, porque vai trabalhar. Então, a alteração na rotina, muitas vezes, não é assimilada de forma eficiente, fica aquele ressentimento. É disso que eu falava antes: o ressentimento gera culpa, e a culpa vai corroendo, virando raiva. A pessoa se culpa por não estar sendo assertiva, por não colocar limite. E, ao mesmo tempo, ela não consegue se sentir gratificada por aquilo que está fazendo.

E quando não é uma opção dizer "olha, minha filha, não foi isso que planejei, não queria ter toda essa sobrecarga, essa responsabilidade agora"? Como lidar com a situação?

Quando não tem solução, solucionado está, né? O ideal é que a pessoa tenha alguma alternativa, mas se não tiver, digamos que os adultos responsáveis por essa criança trabalham e não têm condições de levá-la para uma creche, não têm a alternativa de outro cuidador, realmente a situação se torna bastante crítica. Aí é importante haver um diálogo para que o prejuízo seja o menor possível — para a criança, para a pessoa 60Mais e para os adultos responsáveis mais próximos. Infelizmente, não tem uma varinha, uma solução mágica. E como lidar com essa responsabilidade sem ter autonomia para colocar limites nessas crianças? Muitas vezes, os pais, ocupados como estão, estressados com todas as demandas e pressões, quando chegam em casa, em geral, têm sido muito permissivos com os filhos. E com os avós, que têm uma outra estratégia, uma outra filosofia de educação, dá problema, dá conflito. E, obviamente, as crianças, que já estão acostumadas com outro ritmo, vão se rebelar. Então essa sobrecarga de responsabilidade realmente é muito significativa e causa um impacto bastante grande no relacionamento, não apenas dos 60Mais com a criança, mas com os adultos responsáveis ou mais próximos dessa criança. 

E cuidar dos pais idosos, com várias demandas, também é um estressor muito grande.

Sim. Não apenas em termos da grande responsabilidade, mas financeiros também. Quando não tem como contratar alguém, deixar em uma geriatria... A geração sanduíche fica no meio, cuidando dos filhos, dos netos e dos pais. Esses pais têm problemas de saúde e requerem consultas, medicamentos caríssimos, têm problemas de mobilidade. É um problema seríssimo. E, normalmente, esses idosos não têm condições de ir ao médico sozinhos, o que requer também a esses 60Mais acompanhar. Vejo, aqui no consultório, como uma fonte de conflito com o companheiro ou companheira: "Como você consegue tempo para levar o seu pai ao médico e não tem tempo para mim?" "Como consegue pagar atendimento particular para a sua mãe e depois fica me dizendo que não tem dinheiro?" Essas cobranças causam um impacto muito, muito profundo, e diria que são um dos principais focos de depressão nessa idade. A pessoa está numa rua sem saída. Se ela não fizer, talvez não tenha ninguém para compartilhar a guarda dos pais. Quando tem outros parentes, aí fica mais fácil. Mas, às vezes, a pessoa é filha única, os outros já não estão mais entre nós. Enfim, quando ela é a responsável única por isso e tem outras responsabilidades, isso se torna extremamente crítico. 

O papel de cuidador é desempenhado, principalmente, pelas mulheres. O que isso implica? 

As mulheres, tradicionalmente, têm abraçado mais essa causa. Eventualmente, a gente nota os homens mais envolvidos, mas quando há uma situação que requer mais atenção, mais acompanhamento, em geral, é a mulher que abraça. Acho que é uma missão que a própria mulher se impõe como "mãezona", ela tem essa tendência de se responsabilizar mais. Existe uma necessidade, da maior parte das mulheres, de se sentir responsável pelo bem-estar dos outros. Elas têm um pouco de dificuldade, às vezes, de compartilhar esse controle. E, claro, isso sobrecarrega fisicamente, emocionalmente.

Se abrem mão ou repassam a tarefa a outra pessoa, há culpa também, não? 

A recusa vai criar aquele temor de rejeição e isolamento. A pessoa fica entre a cruz e a espada: "Se eu aceitar, não me sinto gratificada por isso, fico sobrecarregada fisicamente e emocionalmente. Se eu não aceitar, talvez o meu filho me deixe de lado". Como resolver? O diálogo seria muito importante para que a pessoa pudesse ser assertiva. O que é ser assertivo? Temos três tipos básicos de comportamento. O passivo, que "engole o sapo", não diz nada, tem receio de manifestar opinião por medo de não ser aceito, termina tendo problemas de saúde, principalmente no estômago, como gastrite e úlcera, e em relação à pressão arterial, além de dor de cabeça, dores musculares, problemas para dormir. Por outro lado, em termos de comportamento, a preocupação, o ressentimento, a culpa. Outro tipo é o agressivo, aquele que levanta o dedo e já sai xingando. E o terceiro é o assertivo, que tem muito a ver com o agressivo porque ambos são diretos, bem específicos, vão no foco. Só que o assertivo nunca vai responsabilizar o outro pelos seus sintomas e pelas suas frustrações, ele sempre vai assumir a responsabilidade. Então, em vez de dizer "você traz essa criança aqui e ela faz com que eu me sinta muito nervosa", a pessoa assertiva pode dizer "eu tenho ficado nervosa porque quero fazer um bom trabalho com meu neto e às vezes me sinto incapacitada". Entende a diferença? Infelizmente, é raro que os 60Mais sejam assertivos devido a esse grande receio de serem rejeitados. O ideal, sem varinha de condão, é estabelecer limites, e esses limites teriam que ser não quando a pessoa já está contrariada, recebendo a criança sem vontade. Quais são os dias que essa pessoa pode cuidar da criança? E os horários? Quais as alternativas se não houver verba disponível para pagar uma creche? Isso será bem importante. Em segundo lugar, pedir ajuda. De repente tem a tia-avó, e a tia-avó adora criança, então poderia ser uma alternativa. Pedir ajuda de outros membros da família, até de amigos, vizinhos que teriam disponibilidade e vontade de ajudar. Hoje a vizinha cuida do meu neto, amanhã eu cuido do neto dela. Adotar essa estratégia, esse comportamento assertivo: "Estou tendo pouco tempo para cuidar das minhas coisas. Quero continuar fazendo a minha atividade física porque me dá equilíbrio, me dá mais condições físicas e emocionais para lidar com as situações". É importante que exista esse diálogo. 

O assertivo nunca vai responsabilizar o outro pelos seus sintomas e pelas suas frustrações, ele sempre vai assumir a responsabilidade.

O que mais é importante fazer?

Continuar cuidando da saúde. Se tem revisões médicas a fazer, isso é extremamente importante. Se está com demandas emocionais, conflitos que não está conseguindo resolver, que estão interferindo na qualidade de vida, na felicidade, procure ajuda profissional, alguém que possa ajudá-lo, não apenas ouvindo, mas para elaborar e mostrar estratégias para lidar com as condições que enfrenta. Fazer uma atividade física, cuidar da alimentação. Procurar alguma atividade para um descanso emocional, uma folga para a cabeça, alguma coisa que dê prazer, qualquer coisa que não tenha uma exigência, "estou fazendo porque quero, porque me dá prazer".  

Que outros motivos levam ao estresse na terceira idade? 

Um dos principais é a saúde. A falta de saúde. A pessoa vai tendo mais problemas físicos, o que afeta, diretamente, o bolso. Os convênios estão cada vez mais caros, e pelo SUS uma consulta ou um exame podem demorar meses. A saúde emocional, a morte de amigos e conhecidos... Conhecer novas pessoas, desfrutar de companhia, às vezes não é uma tarefa fácil. E pertencer a um clube, a uma associação, requer um aporte financeiro, e muitas vezes elas não têm. Mas há igrejas, comunidades, lugares para acolhimento espiritual, um grupo que faz meditação, um grupo de terceira idade que faz alongamentos, um grupo de caminhada. Há diversas opções que não requerem pagamento. Mas, muitas vezes, as pessoas vão se encolhendo, não buscam novas amizades, novos desafios. Ficam muito isoladas. A nossa vida é feita de expectativas. Uma pessoa sem expectativas tem uma grande propensão à depressão. E essa necessidade de ter expectativas é justamente o que nos coloca no buraco. Por quê? Porque tenho expectativa de que alguma coisa deva ocorrer de alguma forma, e não ocorre. Aí me sinto frustrada, o mundo se torna meu devedor, começo a me cobrar por isso. É um equilíbrio muito sutil. Tem que ter expectativa, mas sempre com um plano b. A flexibilidade para um plano b será bem importante.

Fonte:  https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2023/06/medo-do-isolamento-faz-avos-assumirem-cuidados-que-nao-querem-diz-psicologa-sobre-relacao-com-filhos-e-netos-clik6mgjr00100156w81mh1oy.html