sexta-feira, 9 de junho de 2023

Raça e cor

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Raça e cor  
Ato em solidariedade ao jogador Vini Jr. em frente a embaixada da Espanha contra o racismo (Cartão Vermelho para o Racismo) | Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

A história não é linear. Raça foi um conceito inventado por pseudo-cientistas para tentar justificar um sistema de hierarquia social e econômica baseado, antes de tudo, na cor da pele. Certamente eles acreditavam no que defendiam. Evidentemente que a isso se agregou um conjunto de aspectos fenotípicos e uma teoria do sangue. Essa separação por interesses econômicos e religiosos estimulou ainda mais o racismo. A ciência europeia das raças colocou o branco no topo. A ciência atual é taxativa: raças humanas biologicamente falando não existem. A luta contra o racismo, com base no iluminismo, tinha por utopia a superação de qualquer distinção por raça, cor, sexo. Descobriu-se, porém, como ainda me dizia Dominique Wolton outro dia, que o universalismo iluminista era um particularismo europeu, branco, cristão, masculino, heterossexual, situado historicamente.

Na luta contra o racismo, partindo-se da premissa científica de que raças não existem, passou-se da busca pela indistinção à afirmação sociológica da raça e do gênero. Tudo agora deve ser declinado em termos de cor de pele e de distinção de gênero. O negativo falso foi substituído por um positivo estratégico? Não exatamente. Mas se concluiu que a percepção iluminista acabava por dissimular a dominação que pretendia denunciar. Estamos, portanto, fadados a separar tudo para sempre por raça e gênero ou ainda podemos sonhar com o dia em que essas classificações não terão mais o menor sentido? A utopia morreu?

Para os iluministas o conceito de identidade fechava, enclausurava o ser humano numa cela cultural. O conservador Joseph de Maistre dizia ter sabido da existência de gregos, romanos e até, graças a Montesquieu, de persas, mas jamais ter visto um homem. O homem universal. O iluminismo pretendia o contrário, que acima de qualquer particularidade circunstancial havia algo em comum entre os homens: a humanidade. Essas astúcias conceituais serviram para coisas como o suposto regime do mérito, no mais das vezes sustentado por disputas com preparações desiguais ao longo do tempo em função da loteria existencial que faz uns nascerem em berço esplêndido e outros em lugares desfavorecidos e alijados de acesso aos meios de vencer.

A partilha dos bens sociais por grupos de raça e gênero facilita a visualização dos conjuntos em disputa e permite calcular melhor a parte de cada um quando se trata de dividir fatias por representatividade. Há quem pretenda que levar essa ideia ao extremo gera novos efeitos perversos, como a negação de faculdades humanas como a intersubjetividade e a empatia. Ninguém mais poderia se colocar no lugar do outro para sentir como ele. Intercomunicação bloqueada. Paradoxos e contradições aparecem. Por um exemplo, um identitarismo forte que ataca em nome do iluminismo o negacionismo contra a ciência. 

O racismo estrutu ral aparece em posições sobre o marco temporal de demarcação de terras indígenas, nas imagens infames de um negro amarrado pelas mãos e pelos pés e nas provocações de torcedores de futebol em estádios.

É possível, contudo, que os iluministas do século XVIII fossem hoje pós-iluministas ou neoiluministas, compreendendo as limitações de suas teses e denunciando as armadilhas que ajudaram a construir. Resta a pergunta: raça e gênero um dia serão apenas palavras anacrônicas? 

*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-raca-e-cor/?utm_source=Assinantes&utm_campaign=bf57e30148-EMAIL_CAMPAIGN_2023_06_07_10_16_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-30ade67df4-%5BLIST_EMAIL_ID%5D&mc_cid=bf57e30148&mc_eid=02eb3e5cec

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