Ultraconservadores e progressistas discordam
que seja visto como pecado
Na semana passada, a escritora Jacira Monteiro causou polêmica ao defender que pastores falem sobre racismo em suas pregações. Um dos comentários publicados junto à fala de Jacira dizia: "Ela quer que se estenda uma faixa ‘Black Lives Matters’ bem no meio do altar".
Jacira é autora do livro "O Estigma da Cor". Ela nasceu em Guiné-Bissau, filha e neta de evangélicos. Aos sete anos, imigrou para o Brasil acompanhando sua família. Cresceu na Paraíba e faz pós-graduação em São Paulo. Ou seja, ela viveu e vive no corpo, como mulher negra e nordestina, os efeitos do racismo à brasileira.
A questão central que Jacira levanta é: por que os chamados "pecados morais", como aborto e homoafetividade, estão presentes cotidianamente nas igrejas, mas pastores e lideranças ficam em silêncio sobre os "pecados sociais", como violência contra a mulher, ausência de mulheres nas lideranças das igrejas e, mais do que todos, racismo?
"O racismo se expressa de maneira geralmente velada em igrejas evangélicas, e a questão racial continua sendo ignorada por lideranças", explica a socióloga Morgane Reina, que examinou esse tema em pesquisa de doutorado realizada na UnB. "O preconceito e a discriminação são, mais comumente, concentrados e expressados através da reafirmação da norma branca universal e da intolerância para com as religiões de matriz africana."
Em igrejas tradicionais, como a batista ou a presbiteriana, a maioria das lideranças é composta por homens brancos. Isso se evidencia quando se observa os participantes de eventos do calendário evangélico, como o Consciência Cristã. Mas as práticas discriminatórias também aparecem em igrejas pentecostais, em que a maioria dos membros é negra ou parda. Os evangélicos defensores de Jacira relatam terem sido repreendidos em suas igrejas por conta de penteados para cabelos crespos ou pelo uso de trajes inspirados na cultura afro.
O que Jacira propõe é trazer o debate que já acontece na sociedade, mas feito pelo idioma do direito, para dentro das igrejas a partir do idioma teológico. Mas esse é um caminho que progressistas e ultraconservadores rejeitam. Para progressistas, incorporar o racismo como pecado tornaria o racismo em algo separado, por exemplo, da demonização das religiões de matriz afro. Já ultraconservadores veem o racismo como a porta de entrada para levar debates identitários "esquerdistas" para as igrejas.
Mas, como uma amiga progressista desabafou, mais pessoas pretas participam de marchas para Jesus do que de eventos chamados pelo movimento negro. Abrir essa frente nas igrejas pode popularizar o debate sobre racismo e levá-lo para dentro do campo bolsonarista.
*Antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/juliano-spyer/2023/07/debate-sobre-racismo-chega-a-igrejas-evangelicas.shtml 17/07/2023
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