sábado, 22 de julho de 2023

Peninha e a viagem do descobrimento

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Peninha e a viagem do descobrimento  
Peninha em ação | Imagem: YouTube

Eduardo Bueno, vulgo Peninha, é figurinha carimbada da mídia brasileira e da internet. Ele tem um dom fundamental em sociedade de competição: tudo o que toca dá certo. Cheio de contatos, pode aparecer na Globo ou em qualquer grande jornal. Gaba-se de sua relação com Bob Dylan. Apresenta-se como o último avatar da geração beat. Parece ter uma memória invejável e uma enorme capacidade de trabalho. Vai do hippie ao yuppie.

Peninha tem algo de folclórico, mas não brinca em serviço. O seu canal no YouTube, “Buenas ideias”, tem mais de um milhão e trezentos mil seguidores. Os seus livros de história vendem muito. Ele teve a sacada de embarcar na viagem de Cabral na vibe da preparação dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil. “A viagem do descobrimento, como o Brasil entrou na história”, cuja edição de bolso a L&PM me enviou, é o que se sabe: um delicioso texto em tom de grande reportagem. Conta o essencial com leveza.

Engana-se, porém, quem acha que o livro é superficial ou feito em cima da perna. Peninha lê muito, vai às fontes bibliográficas mais sólidas e foca nos pontos fundamentais. Como um bom repórter, dá números, detalhes, o que se comia a bordo, o que se bebia, como era a água, o que se fazia para matar o tempo, quem estava lá, descreve as embarcações, mostra as diferenças entre elas, apresenta os protagonistas, dá as manchetes, situa o contexto, informa sobre os financiadores do projeto, revela os bastidores da operação.

Ampara-se, por vezes, em nível de paráfrase, nos documentos mais relevantes para conhecer o encontro da turma de Cabral com os inesperados habitantes do novo mundo: as cartas de Pero Vaz de Caminha, do Mestre João e do Piloto Anônimo. Peninha escrevendo é melhor do que o animador do canal de YouTube, que força a mão no caricatural para embalar a galerinha.

Tem algo nele que admiro muito: a independência. Coisa de quem tem capital simbólico para gastar. Vive na mídia sem se abaixar. Erra e acerta, esbraveja, atrapalha-se com o próprio talento. Não se intimida. Se não é historiador de arquivo, tem a qualidade de tornar legível o que muita gente obscurece. Claro que muitos historiadores acadêmicos torceram o nariz para o sucesso dele. Nem todo acadêmico, porém, é invejoso. Tem muita gente que pesquisa e escreve bem, mas não consegue acesso às grandes editoras e à mídia, sem a qual ainda é quase impossível ter sucesso como autor.

Gosto bastante deste parágrafo: “Dois anos mais tarde, com a pimenta ainda ardendo nas imaginações, D. Manuel decidiria arrendar a terra descoberta por Cabral a um consórcio de cristãos novos (judeus convertidos ao cristianismo). Assim, pelos dez anos seguintes, o Brasil se tornou uma imensa fazenda extrativista de pau-brasil – quase propriedade particular de Fernão de Noronha, líder do consórcio, e de seus sócios. Só depois de se encontrar desesperadamente atolada nas dívidas resultantes da própria ambição de ampliar suas fronteiras a Coroa voltaria os olhos para Brasil”.

As PPP (parceiras público-privadas) começaram cedo no Brasil.

Raramente deram certo.

Salvo para os exploradores.

*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário.

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